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‘É preciso combater o discurso de ódio nas escolas e na sociedade’

Audiência em Aracruz não ouviu comunidade e abordou apenas ações repressivas, avalia Fórum Antifascista

Ales

As causas não estão sendo combatidas; medidas educativas e preventivas têm sido negligenciadas; e o caráter apenas repressivo e belicoso domina as ações empreendidas e planejadas até agora com objetivo de enfrentar o grave problema da onda de terrorismo que assola as escolas capixabas.

A avaliação é da professora e integrante do Fórum Antifascista Leilany Santos Moreira, após assistir a audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa em Coqueiral de Aracruz, em Aracruz, norte do Estado, na noite dessa quarta-feira (29), por iniciativa do presidente da Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente, Alcântaro Filho (Republicanos).

Sim, assistir e não participar, ressalta a educadora. “Não foi uma audiência pública”, afirma, explicando que as quase duas horas do debate foram dominadas pelas autoridades do Executivo e Legislativo presentes, restando apenas dez minutos de fala para a comunidade. “O que a comunidade realmente esperava que fosse debatido e conseguisse falar, ter a escuta, não aconteceu. As mães da escola particular atacada não foram ouvidas. O discurso de ódio não foi abordado, nem a misoginia”.

Leilany relata que mesmo a tentativa de incluir a comunidade escolar no centro do debate, com o convite para a diretora da Escola Primo Bitti compor a mesa de abertura, foi mal conduzida. “A diretora Sandra disse que foi pega de surpresa, não havia sido avisada que iria compor a mesa, então não pôde se preparar”, lamenta. E ao final das apresentações oficiais, complementa, mais uma postura lamentável. “A pedagoga Karla abordou a necessidade de combater o discurso de ódio, a importância das disciplinas que estão sendo retiradas do Novo Ensino Médio, como Sociologia, Filosofia, Artes, Educação Física…mas, depois da fala dela, o Alcântaro foi desrespeitoso, disse que ali não era palanque político, que tinha que respeitar as vítimas. Só que ele desconsidera que ela também é uma vítima, assim como toda a comunidade escolar, e que combater o fascismo é o que há de mais importante a ser feito”.

Dentre as autoridades de governo que falaram, Leilany destaca a apresentação feita pela polícia, por ser a mais próxima do que a comunidade escolar espera, mas ainda assim, “muito perigoso, porque mais criminaliza os alunos e a comunidade do que protege”. A proposta, ressalta, “tem que ser revista com a comunidade escolar e a sociedade em geral”.

Também as propostas de Alcântaro, ex-vereador de Aracruz, precisa ser discutida democraticamente, pontua. “O deputado pegou um projeto feito em Suzano [município paulista que sofreu um ataque em março de 2019, quando dois atiradores mataram oito pessoas e depois se suicidaram], uma cidade de 300 mil habitantes, e que aplicar no Estado todo. A gente quer que haja um debate com a sociedade, os conselhos tutelares, os profissionais da saúde mental, saúde pública, que seja nosso, do Espírito Santo, e tenha eficácia na nossa situação”.

Quando vereador em Aracruz, contextualiza, Alcântaro apresentou um projeto de lei que proibia professores de Biologia de tratarem sobre gênero e sexualidade na sala de aula. “Segundo ele e os vereadores que apoiaram o projeto, os professores são doutrinadores, manipuladores, ensinam pornografia e masturbação aos alunos. Alcântaro, para nós, é inimigo da educação, e temos desconfiança de um projeto de lei que seja proposto por ele”.

O Comitê Integrado de Gestão Escolar, medida apresentada pelo secretário de Estado de Segurança Pública, Coronel Ramalho, também foi recebido com ressalvas pelos integrantes do Fórum Antifascista. “A gente pensa que combater a violência na escola requer uma mudança na sociedade em geral. Não adianta vir com perspectiva de colocar detector de metal e polícia na escola, que vai acabar com a violência, com os crimes de ódio, as armas, os assassinatos e as ameaças de massacre”, destaca.

O Fórum lamenta que ainda não foi recebido pelo governo do Estado e apoia o ato Luto e Luta pela Educação, que o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós está liderando a organização para ser realizado na próxima segunda-feira (3). “A gente dá total apoio. Na verdade, agradece muito ao coletivo. É muito importante essa iniciativa das Mães Eficientes e esperamos que outras organizações se levantem para gritar pela educação porque nós, professores, que estamos dentro da sala de aula, não temos voz, somos vítimas diretas de tudo isso e não somos ouvidos. A gente espera que parlamentares de luta e outras pessoas que ocupam lugares de poder também assumam essa luta, que é de toda a sociedade”.

Durante a entrevista, um assunto surgiu, como inspiração acolhedora, quase utópica, diante da aridez com que o assunto ainda tem sido tratado no Espírito Santo e no Brasil desse início de terceiro milênio. Ao contrapor a lamentável retirada das disciplinas de Humanas do Ensino Médio com a imagem de detectores de metal sendo instalados nas escolas, o dançarino Pierre Dulaine apareceu entre os dois extremos.

Sua história foi levada para as telas de cinema em 2006 por meio do filme Vem Dançar, de Liz Friedlander, tendo o ator Antonio Banderas no papel principal. O longa conta como o dançarino criou um método próprio de ensino ao se voluntariar como professor de dança de salão em uma escola da periferia de Nova Iorque, onde aceitou a missão de dar aulas para os alunos da chamada Detention Class, onde os estudantes com pior comportamento eram mantidos separados dos demais. O trabalho tem início em 1994, quando Dulaine já era um dos dançarinos mais respeitados do mundo, e o sucesso que obteve na redução da violência na escola fez com que o projeto se expandisse para dezenas de outras instituições.

Uma experiência que poderia ser estudada nesse momento de profunda crise e que, novamente, mostra o quanto é fundamental que falas como a da pedagoga Karla sejam consideradas e não repudiadas pelos gestores e legisladores. “O Novo Ensino Médio precarizou o currículo, porque disciplinas como Projeto de Vida e as eletivas não têm currículo, não têm professores formados. Não faz sentido nenhum colocar esse tipo de coisa no lugar de disciplinas já consolidadas e que trabalham as questões éticas, a humanização da educação e da sociedade”.

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