A Academia de Letras e Artes de Conceição da Barra (Abla), norte do Estado, recebeu nova notificação da Superintendência do Patrimônio da União no Espírito Santo (SPU-ES). Dessa vez, o órgão federal suspendeu o prazo de 30 dias determinado anteriormente para que a entidade se retire do imóvel que utiliza como sede e estabeleceu a data limite de 29 de maio próximo para que apresente a documentação necessária para requerer o prédio.
A decisão foi tomada, conforme consta na notificação da SPU, porque a Superintendência foi comunicada “extraoficialmente, que a municipalidade se reposicionaria em relação ao teor de seu ofício PMCB GP Nº 010/2023”. O documento diz ainda que “esta Superintendência aguarda a eventual formalização por parte da Prefeitura Municipal”. No ofício ao qual se refere, segundo a SPU, a gestão do prefeito Mateusinho Vasconcelos (PTB) solicitou o imóvel para “alocar algumas Secretarias Municipais, bem como um anexo do Arquivo Público Municipal”.
Didito Camillo, diretor cultural da Abla e coordenador do Instituto Cultural Tambor de Raiz, que funciona no local, encara a nova notificação da SPU como “uma primeira vitória”. “A gente faz um trabalho sério com as crianças, com cultura e arte. Ganhamos a primeira batalha, mas a parte da burocracia para regularizar o imóvel depende de vontade política”, diz.
Na notificação em que havia estipulado o prazo de 30 dias para desocupação, a SPU argumentou que havia “ocupação irregular do imóvel”, o que foi contestado pela presidente da Abla, Kátia Bobbio. A acadêmica recordou que, em 2018, foi criada a entidade, “muito bem recebida” pelo então prefeito, Francisco Vervloet (PSB), o Chicão”. Por isso, ele cedeu informalmente o prédio.
Houve ainda a indicação ao Executivo feita pela Câmara de Vereadores, solicitando que a gestão municipal transferisse a posse do imóvel para a Abla. Antes disso, rememora Kátia, órgãos federais, estaduais e municipais chegaram a cogitar a possibilidade de utilizar o espaço, mas como estava muito depredado, desistiram. “Enquanto estava tudo depredado, abandonado, ninguém quis”, ressalta.
O imóvel deixou o estado de abandono, apontou Kátia, passando com que sua utilização se tornasse possível, devido ao esforço coletivo dos membros da Academia, que se juntaram para adquirir os materiais necessários para a reforma, contratar mão de obra e, até mesmo, se voluntariar no trabalho que fosse necessário para recuperação do prédio, que até então estava sendo utilizado para atividades ilícitas, como uso e venda de drogas.
Embora a notificação diga que a gestão do atual prefeito quer ocupar o prédio por meio de suas secretarias, o gestor, em comunicado feito por meio das redes sociais após a repercussão negativa da ordem de despejo, afirmou que não é essa a finalidade. De acordo com ele, a prefeitura solicitou à SPU diversos imóveis da União.
“Nós, enquanto prefeitura, pedimos todos prédios, praias, farol, Capitania dos Portos. A SPU está entregando para o município de Conceição da Barra. O município não pediu ninguém para sair, não pediu para tirar nada, até porque ainda não pertence a ele”, alegou. Quanto ao imóvel que abriga a Academia, o prefeito afirmou ainda que, “vindo para a prefeitura, nós vamos fazer uma cessão de uso para que eles continuem”.
Didito Camillo informa que a entidade chegou a tentar oficializar a cessão do prédio, mas não houve resposta do órgão federal. A SPU fez uma vistoria no início de 2022 e, como relata, o técnico chegou no momento em que as crianças que participam de projetos do Instituto estavam almoçando, ficou surpreso com a transformação ocorrida no prédio, e colocou em suas anotações que o espaço estava sendo utilizado para atividades de cunho social.
Contudo, meses depois, a Abla foi notificada por invasão de prédio público, mas não houve determinação de desocupação. “Para nós, foi uma ofensa”, pontuou Didito. Diante dessa situação, o governo do Estado foi acionado, havendo intermediação à SPU por meio de uma comitiva encabeçada pelo secretário estadual de Cultura, Fabrício Noronha, e a então secretária estadual de Turismo, Lenise Loureiro. Outra iniciativa feita na época foi a entrega de um dossiê ao órgão federal, mostrando as mudanças pelas quais o prédio passou com a reforma. Apesar dos esforços, nenhuma resposta de possibilidade de cessão do prédio foi obtida.
A Abla utiliza o espaço não somente para suas reuniões, mas também para atividades culturais, como saraus. Prepara, inclusive, um calendário de ações que abarca mostras, oficinas e outras iniciativas culturais. A desocupação também prejudicaria o prosseguimento das atividades do Instituto, que atende cerca de 100 pessoas, sendo 45 crianças e adolescentes, principalmente de comunidades quilombolas.
O Instituto Cultural Tambor de Raiz oferece aulas de canto coral, teatro, violino, jongo, capoeira e reforço escolar. As crianças que participam têm direito a transporte e alimentação, sendo oferecidos café da manhã, almoço e janta.