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Polícia realiza diligências e oitivas sobre casos de ameaças a escolas na Serra

Educadores, famílias e pesquisadoras clamam por medidas que construam uma cultura de paz nas escolas

Oficina de Justiça Restaurativa realizada em escola da Paraíba. Foto: TJPB

O desafio de trazer sensação de segurança às comunidades escolares, em meio a uma onda de ameaças de atentados na última semana, principalmente nas escolas da Serra, na região metropolitana, tem se dado por meio de ações policiais e, ainda poucas medidas educativas e de acolhimento. Os relatos vêm de famílias e educadores no município e da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).

Em nota, a pasta estadual disse que, em relação à Polícia Civil, “todos os casos mencionados seguem sob apuração 10º Distrito de Polícia da Serra” e que “a polícia está realizando diligências e oitivas”. Outras informações, acrescentou, “não serão divulgadas, no momento, para não atrapalhar as investigações”.

A Sesp também informou que “todas as ações são adotadas dentro de um protocolo, para atendimento e prevenção a esse tipo de ocorrência” e que, pela parte da Polícia Militar, “a Companhia Especializada de Patrulha Escolar (CEPE) atua diariamente na proteção do ambiente escolar, com palestras, atendimento de ocorrências dentro das escolas, além de patrulhamento preventivo em locais previamente escolhidos, em que haja qualquer risco identificado à integridade física dos alunos”.

A nota cita ainda o projeto Papo de Responsa, ações feitas em Aracruz – onde duas escolas foram atacadas por um atirador que matou quatro pessoas em novembro passado – em parceria com a Secretaria de Estado da Educação (Sedu), e a criação do Comitê de Segurança Escolar, sob coordenação da Sesp.

No chão da escola e nas casas dos estudantes, no entanto, as medidas elencadas não são percebidas como uma realidade que tem trazido sensação de segurança no cotidiano escolar. Sobre a tragédia em Coqueiral de Aracruz, por exemplo, a resposta dada pelo poder público não atende às necessidades das comunidades escolares, conforme vem sendo pontuado pelos trabalhadores, inclusive na audiência pública realizada nesta quarta-feira (29), quando a comunidade teve apenas dez minutos de fala, tendo ainda sido destratada pelo deputado que organizou o debate, o ex-vereador Alcântaro Filho (Republicanos).

O Comitê de Segurança Escolar, recém-criado sob coordenação da Sesp, também é alvo de críticas, como posicionou o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN), ao anunciar a realização do ato Luto e Luta pela Educação, na próxima segunda-feira (3), com saída em frente à Defensoria Pública, no centro de Vitória (não será mais a escola Gomes Cardim) e caminhada até o Palácio Anchieta, na Cidade Alta, passando pelo tradicional Colégio do Carmo.

Já as medidas educativas citadas pela Sesp, não estão tendo qualquer reforço em seu cronograma original. E mesmo o policiamento alegado não consegue atender com plenitude o dia a dia de dezenas de escolas, no município mais populoso do Estado. Dos diversos relatos que chegam ao jornal, de familiares e professores dos alunos, o lamento comum é a ausência de medidas educativas e acolhedoras nesse momento de crise e a escassez da presença policial.

Moradora de Jardim Tropical, na periferia da Serra, Gisele Silva desabafa o drama que tem vivido com seu filho com deficiência. O adolescente, de 16 anos, está há mais de quinze dias sem estudar. No início, por ter machucado o pé na escola. “Só tem uma cuidadora e um estagiário para mais de dez alunos com deficiência. Não conseguem dar a atenção que eles precisam”, diz, sobre a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Prof. Luiz Baptista.

Melhorado o machucado, ela disse que ia leva-lo para a escola, mas quando soube das ameaças de atentados, desistiu. “Nossos filhos com deficiências são mais vulneráveis, jamais ficaria tranquila com ele na escola nessa situação. Qualquer um que quer chegar na frente da escola consegue entrar, não tem guarda, o portão fica sempre aberto. Já vi meninos pulando o muro, isso me deixou com muito medo. Deveria ter uma viatura direto em frente da escola e deixar o portão fechado, só podendo entrar quem se identificar”.

O trabalho educativo também é uma falha antiga. “Palestras deveriam ser feitas constantemente, principalmente sobre bulling, sobre respeito aos professores e aos colegas, sobre amor ao próximo, sobre o que é o colégio, que é um complemento da família do aluno”, sugere.

“Estou tentando criar forças para levá-lo na segunda-feira [3], mas não sei se consigo. Estou com muito medo. Na Bahia, a primeira vítima foi uma estudante PCD, isso vem muito na mente da gente. Nossos filhos com deficiência não têm noção do perigo, meu filho vai sorrir ou dar a mão para o atirador, se ele se aproximar”.

Ela conta que o filho está “bem mais deprimido em casa, mais agitado, acordando à noite”, e quer muito que a situação melhore. “Se todo mundo se organizar, a prefeitura, o estado, a polícia, consegue resolver. São falhas antigas, de muitas coisas, mas pode ser resolvido. Se precisar, até o Conselho Tutelar eu vou chamar. Porque na hora de chamar a gente, porque não leva criança para a escola, eles vêm fácil, mas quando o estado que falha, a gente não vê a mesma determinação”.

Na região de Cidade Continental, a mais afetada pelas ameaças que começaram no dia 24 de março, uma coordenadora que pediu para não ser identificada faz eco ao desabafo da mãe de Jardim Tropical e diz que as escolas não têm recebido qualquer retorno especial por parte da Sedu ou da Sesp. “O que as secretarias nos falam é: ‘aula normal, porque o que eles [autores das ameaças] querem é isso, instalar o caos’. A gente concorda que a intenção deles é mesmo criar o tumulto, o medo, que é essa a proposta do terrorismo. Mas, para manter tudo funcionando a gente tem que ter uma contrapartida, que nos dê uma sensação de segurança mínima”, argumenta.

Na sua região, assim como na da mãe do aluno com deficiência, nenhuma ação educativa foi feita nos últimos dias para amenizar a crise e o sentimento de medo. Tampouco a presença policial se mostra a contento das expectativas da comunidade escolar. “Ontem nós tivemos dois policiais militares, ficaram no período da entrada, depois foram embora. A informação que chegou é que estão rodando pela comunidade, a gente sabe que o efetivo é pequeno, não tem viatura suficiente para atender todas as escolas. Não chega a gerar uma sensação de segurança. Não é uma situação fácil, estamos com medo, inseguros. Tentamos passar para os alunos uma sensação de segurança, que está tudo bem, mas não estamos sentindo que está tudo bem. A gente não sabe o que pode acontecer. A gente não quer pagar para ver. Pode ser uma brincadeira de adolescentes, com todas as aspas possíveis na palavra brincadeira, mas a gente sabe que essas células nazistas estão se organizando. A situação é essa, continuamos aguardando alguma resposta que não chega”, lamenta.

A sugestão, propõe, é que, de imediato, haja “uma ação emergencial de policiamento reforçado, já que a orientação da Sedu é manutenção das aulas normalmente. Isso, até que possamos discutir sobre a questão com profundidade, reunindo a comunidade escolar, os pais, os alunos, a Secretaria”.

Cultura de paz

No webinário “A cobertura jornalística de ataques a escolas”, promovido na última quarta-feira (29) pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), com mediação da jornalista Marta Avancini, as pesquisadoras Telma Vinha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Catarina de Almeida Santos, da Universidade Federal de Brasília (UnB), apresentaram orientações para a cobertura jornalística de ataques a escolas e salientaram sugestões com as feitas pela coordenadora e a mãe de aluno PCD ouvidas na reportagem.

“As políticas apontadas e ações desenvolvidas estão transformando as nossas escolas cada vez menos em escolas e cada vez mais em coisas muito próximas a prisões. As propostas surgidas nas últimas semanas em algumas cidades são de portas giratórias com detectores de metais, policiamento, estão muito nesse sentido. Então, o espaço que deve ser de formação, convivência, gestão democrática, práticas acolhedoras, está tudo sendo desenhado para que se torne cada vez mais aprisionado e vigiado”, apontou Catarina de Almeida Santos.

“Em que a segurança vai mudar um sentimento de ódio, de racismo, de preconceito? Como se apoiam os profissionais de educação para se criar uma cultura de paz? A gente não pode aceitar uma cultura escolar de vigilância. A cultura escolar tem que ser de cuidado, de proteção, de pertencimento. Onde mais tem segurança é onde mais tem ataque. Esses questionamentos da imprensa são fundamentais, porque desestruturam e levam às secretarias a procurarem outras alternativas”, reforçou Telma Vinha. “Em Suzano, quando aconteceu [o atraque, em 2019], surgiu uma série de propostas belíssimas, parcerias com universidades… mas isso tudo sumiu. A imprensa tinha que acompanhar. O Conviva foi reduzido, porque passou o calor dos fatos, a cobrança da imprensa”.

“É urgente a criação de uma política específica na área da convivência ética, democrática, cidadã, como tem em outros países como Colômbia, Chile, Espanha. Em que se crie uma cultura de processo de mediação de conflitos, assembleia de alunos para discutir problemas, espaços de expressão de sentimentos, professores se sentindo capazes de lidar com problemas de convivência, distinguindo violências de indisciplinas. Isso é fundamental, porque a convivência pode ser planejada, você pode fomentar a qualidade, um clima positivo. Os professores atuam apenas como bombeiros e isso é exaustivo, não se trabalha de uma maneira preventiva. E prevenção não é contenção, é formação, fortalecer valores éticos e democráticos e isso só é possível capitaneado por MEC [Ministério da Educação] e secretarias de educação, com políticas públicas e não culpabilizando as escolas”, complementou.


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https://www.seculodiario.com.br/seguranca/terrorismo-nas-escolas

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