Famílias também precisam se aproximar mais dos filhos, orienta Capitão Eliandro, comandante da Polícia Escolar
A complexidade e gravidade da onda de ameaças e ataques a escolas no Espírito Santo e outros estados brasileiros motivaram a realização de treinamentos e capacitações a policiais e também a membros da comunidade escolar pelo governo do Estado. Em meados de abril, está previsto um treinamento para diretores de escolas estaduais, que em seguida se estenderá a professores e alunos; e em maio, uma capacitação de policiais militares. Há previsão também de um seminário nacional em agosto, envolvendo gestores e operadores da Segurança Pública e da Educação.
Segundo o Capitão Eliandro Claudino de Jesus, comandante da Companhia Especializada de Polícia Escolar (Cepe), as ações visam atenuar o pânico já instalado na sociedade, a partir de medidas concretas que tragam maior sensação de segurança e maior segurança de fato no ambiente escolar.
Em apresentação feita à Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa (Ales) nessa terça-feira (4), o comandante informou que, somente em 2022, o setor de inteligência da Polícia Militar (PMES) identificou 34 ameaças de ataques em escolas no Espírito Santo, além das que chegaram às vias de fato.
A capacitação para diretores de escolas deve acontecer em uma ou duas semanas, adiantou. O objetivo é, sem tirar o foco na Educação, conseguir acrescentar uma visão mais qualificada da Segurança. Entre os itens abordados estão uma avaliação dos equipamentos e medidas de segurança que já existem ou precisam ser implementados nas unidades escolares; o combate mais efetivo ao bullying; uma atenção especial às demonstrações de sinais de possíveis ataques; os comportamentos que devem ser adotados diante de denúncias de ataques; e a capacitação para atuação em situações de emergência, que envolvem desde invasão e ataques a incêndios e similares. Treinados os diretores, conta, professores, servidores e estudantes também serão envolvidos.
Para policiais militares, está prevista uma capacitação em maio, com duração de seis semanas. E, em agosto, a realização de um fórum nacional sobre segurança escolar, com autoridades de diversos estados atuantes em Segurança e Educação, para compartilhamento de experiências exitosas e outras trocas.
O Capitão destaca que a complexidade do tema se deve, em muito, à intensa modificação dos comportamentos sociais nos últimos anos, principalmente dos jovens. “Há uma fragmentação muito grande dos jovens, que muitas vezes estão super conectados no mundo digital e desconectados do mundo social. E o maior dificultador disso é a família, porque ela é o alicerce de tudo. Se eu tenho um jovem fragmentado, que sofre aliciamento do mundo digital para ações violentas e está numa família ausente, ele acaba indo para esse caminho”, expõe.
Diante dessa falha grave de famílias ausentes, ele orienta que as famílias que dialogam com seus filhos devem intensificar essa presença para ajudar a identificar sinais que podem indicar um comportamento agressivo e violento entre os colegas da escola. Os professores, complementa, também são atores fundamentais nessa observação mais apurada, no dia a dia. “Eu busco meu filho de cinco anos todos os dias na escola e converso com ele todos os dias sobre a vida dele na escola, os colegas e professores. Eu participo da vida escolar dele dessa forma, conversando diariamente”, exemplifica.
Sobre o pedido de inserção de representantes da sociedade civil nos debates de governo e elaboração de políticas públicas em curso, o comandante da Cepe entende que é bem-vindo e pode ocorrer no âmbito do Comitê Integrado de Segurança Escolar criado no mês passado, sob coordenação da Segurança de Estado de Segurança Pública e Defesa Civil (Sesp).
“O comitê está em fase de estruturação, foram feitas três ou quatro reuniões e está sendo avaliada que projetos podem entrar num planejamento macro. Não há complicador para a presença da sociedade civil nele, isso pode acontecer em alguns momentos, convidada a conhecer os programas e também ajudar a pensar essas ações”, comentou.
Sinais comuns
Na Assembleia, o comandante afirmou que a Cepe tem intensificado a atenção a sinais. “Não encaramos nem uma frase em banheiro como uma brincadeira ou um trote. Nenhum desses eventos nós encaramos como uma simples brincadeira, todos nós levamos à máxima seriedade na apuração. Infelizmente alguns ainda não são possíveis de identificar a autoria. (…) No segundo dia de aula, no dia 2 de fevereiro (2023), nós tivemos um evento marcante em uma escola, na identificação de um aluno com reais intenções de promover um evento desse porte”, disse.
Desde o último ataque realizado em uma escola de São Paulo, há duas semanas, a Cepe já identificou três reais ameaças em instituições de ensino capixabas. “Eu não estou falando para causar pânico ou temor, pelo contrário, é para nós refletirmos que o problema está posto e nós precisamos discutir cada vez mais, para chegarmos a medidas mais protetivas, garantir pelo menos a proteção”, ressaltou.
Alguns sinais de futuras agressões são comuns em praticamente todos os casos, nos últimos 25 anos, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, salientou o Capitão Eliandro durante a reunião. “Todos os casos têm sinais aparentes antes de acontecer. Pelo menos oito vezes, no mínimo, o indivíduo que praticou o atentado deixou explícito de alguma forma que ia promover. Pelo menos uma pessoa sabia, isso são dados estatísticos de todos os eventos”, explicou.
Sobre as diversas medidas que sempre são apontadas para prevenir que novos ataques ocorram – portas giratórias com detectores de metal, alarmes e botão do pânico, câmeras com inteligência artificial –, ele explicou que nenhuma dessas ações, por si só, garante uma segurança efetiva aos estabelecimentos.
“Nada disso irá funcionar se a equipe que está dentro da escola não estiver devidamente capacitada para entender essas ferramentas. Não adianta eu ter um botão do pânico, por exemplo, que vai conceder celeridade ao acionamento, se a resposta desse acionamento não for tão célere quanto o botão. (…) De que adianta eu botar uma porta giratória ou detector de metal na entrada de um estabelecimento, se o que cerca aquele estabelecimento de ensino são muros baixos ou cercas?”, questionou.
A promotora de Justiça Moema Ferreira Giuberti, do Ministério Público Estadual (MPES), defendeu a tese de que é preciso compreender os processos e a forma como as relações pessoais se desenvolvem nos dias de hoje, antes de adotar medidas de prevenção nas escolas.
“É importante que a gente coloque as polícias, as forças de seguranças nas escolas, mas, acima de tudo, é necessário que nós entendamos o processo de violência nas escolas. E a gente vai conseguir entender esse processo, quando nós adotarmos um processo de audição para com esses menores e jovens. Numa sociedade em que nós vivemos hoje no ciberespaço, não podemos mais pensar de forma analógica, temos que pensar de forma tecnológica”, ponderou.