Com a sanção, nessa terça-feira (4), da Lei Federal 14.541, que estabelece que as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) devem funcionar durante 24 horas ininterruptas, inclusive aos finais de semana e feriados, o delegado-geral da Polícia Civil (PC) do Espírito Santo, José Darcy Arruda, anunciou que as Deams não irão ter esse horário de funcionamento. Entretanto, serão criadas nas regionais as chamadas Salas Marias, para atendimento após às 18h, quando as Delegacias de Mulheres encerram suas atividades.
O anúncio foi encarado pelo Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes) como um reflexo “da lógica do Estado Mínimo nas políticas sociais”. A militante do Fórum, Edna Martins, defende quem em vez de criar as Salas Marias, deveriam ser construídas mais Deams, melhorar a estrutura física das que já existem e fazer com que todas funcionem 24 horas.
O atendimento nas Salas Marias, informou Arruda, contará com uma policial e assistente social, além de atendimento virtual de um delegado, que não necessariamente será uma mulher. A virtualidade, defende, torna o atendimento “mais rápido, eficiente e barato”. Ele disse, ainda, que se trata de “inovação, não tem jeito, é o futuro, o mundo caminha para a inovação”. No entanto, embora afirme que as Salas Marias terão um atendimento humanizado, o Fomes contesta.
A virtualização é um dos motivos pelo qual o Fórum faz essa constatação, como destaca Edna. “Não há nada de humanizado nisso. Humanizado é olhar olho no olho, se sentir acolhida. Tecnologia ora funciona bem, ora mal. E se o sistema sair do ar? Máquina fica fora do ar, mas ser humano, não”, diz. Ela destaca ainda o fato de muitas mulheres, principalmente as mais pobres, terem dificuldade de lidar com tecnologia, além da instabilidade da internet em alguns locais, como no interior.
Arruda também informou que o Plantão Especial de Atendimento à Mulher, na Ilha de Santa Maria, em Vitória, que funciona 24 horas para casos flagranciais, irá fechar. O equipamento atende toda a Grande Vitória, mas com a criação das Salas Marias, os municípios dessa região poderão ser atendidos por meio das regionais. O argumento para o fechamento é o fato de que os policiais militares, quando prendem a pessoa em flagrante nos demais municípios, têm que encaminhar para a Capital. Com a mudança, afirma, diminui o translado da PM e há redução de custos.
Para Edna, o propósito das ações anunciadas apenas “economiza dinheiro”. Ela faz criticas ao fato de que as Deams, não somente no Espírito Santo, sempre foram “desvalorizadas na estrutura da Polícia Civil”. Há relatos de servidores que afirmam ter recebido como punição trabalhar em uma dessas delegacias, como aponta, para as quais também normalmente são encaminhados profissionais prestes a se aposentar. Edna salienta ainda que a conquista da política de Deams é fruto da luta das mulheres, partindo do princípio de que a violência é um instrumento do patriarcado para oprimir e manter as mulheres em situação de subordinação.
A militante do Fomes defende que é preciso que as vítimas que procuram a Deam sejam atendidas por mulheres, mas, denuncia, no Espírito Santo tem delegacias em que não há delegadas, e sim, delegados. Diz ainda que muitas mulheres têm vergonha e até medo de falar para um delegado algumas situações pelas quais passaram. “Muitas vezes o delegado expressa uma concepção de vida machista, faz juízo de valor”, afirma, destacando que delegadas também fazem, mas o número de ocorrências desse tipo entre essas profissionais é menor.
Outro problema, relata, é a falta de profissionais qualificados para lidar com o público ao qual a Deam atende, havendo, inclusive, relatos de mulheres que foram questionadas sobre o que haviam feito para que os maridos batessem nelas. O Fórum tem reivindicado à gestão de Renato Casagrande (PSB) a realização de concurso público na PC, mas até o momento a reivindicação não foi atendida. A falta de profissionais faz com que Edna questione a viabilidade da afirmação de Arruda sobre a presença de policiais mulheres e assistentes sociais nas Salas Marias.
O Fomes também se queixa da falta de diálogo da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) com organismos que debatem direitos das mulheres, uma vez que a Câmara Técnica de Monitoramento do Pacto Estadual de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher do Estado do Espírito Santo (Cedimes) não foram escutados sobre as iniciativas anunciadas pelo delegado-geral, apesar de a Sesp ter representação nos dois espaços. “É uma perspectiva totalitária da gestão de segurança pública no que diz respeito às mulheres”, avalia Edna.
Na sessão da Assembleia Legislativa dessa terça-feira (4), a deputada estadual Janete de Sá (PSB) parabenizou o Governo Lula (PT) pela sanção da Lei 14.541, a qual considerou “avanço no enfrentamento à violência contra a mulher”. A parlamentar afirmou acreditar que a iniciativa pode possibilitar a ampliação do número de Deams no Espírito Santo, chegando a todos municípios, o que, aliás, é a reivindicação do Fórum, mas conforme anúncio de Arruda, não será feito. Janete de Sá destacou que, em 2023, já ocorreram 29 assassinatos de mulheres, entre eles, sete feminicídios, e defendeu a capacitação dos profissionais que atuam nas Deams e demais delegacias para que a mulher “não seja mais questionada sobre se deu causa ou não para a violência”.