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Nada contra outro parque, mas realmente compensa a poluição que continua?

Vale anuncia Parque Costeiro para 2024. Mais uma “lavagem verde” do pó preto e outros poluentes do ar e das águas

Lucas S. Costa/Ales

Até que ponto um novo parque de lazer na cidade compensa de fato a poluição contínua e crescente da poluição do ar e das águas por partículas inaláveis e sedimentáveis, além de gases tóxicos, que comprovadamente afetam a saúde da população exposta? Na ausência desse debate público na Grande Vitória, os acordos entre os poderes – econômico, político e jurídico – seguem criando novos capítulos da longa série de greenwashings (maquiagem verde) protagonizada pelas maiores poluidoras instaladas no Espírito Santo.

A bola da vez é o Parque Costeiro, que a mineradora Vale anunciou em reunião da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (Ales) nessa quarta-feira (12), com previsão de entrega em 2024, sete anos após definido em Termo de Compromisso Ambiental (TCA). Aguarda agora a emissão da Licença Municipal de Instalação (LMI) pela Prefeitura de Vitória para o início das obras. O parque terá 17 mil m² e será construído no extremo norte da Praia de Camburi, nos moldes do Parque Botânico, que já funciona na mesma região. O projeto prevê uma sede administrativa, auditório, trilhas, áreas de lazer, de energia solar e de educação ambiental, fonte de água potável e mirante, e será integrado ao Atlântica Parque, entregue em 2019.

Os parques Atlântica e Costeiro integram um conjunto de medidas estabelecidas no TAC Norte Camburi. O acordo jurídico foi firmado pela Vale, ministérios públicos Federal e Estadual (MPF e MPES), Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Vitória (Semmam), como forma de recuperação e compensação dos impactos da poluidora na região norte da Praia de Camburi.

Outras medidas são: cessar a poluição do rio Camburi; monitoramento; e recuperação e remoção da área emersa (retirada da areia poluída da praia pelo pó de minério) com reflorestamento de espécies nativas.

Durante a reunião na Assembleia – que também teve a presença de representantes da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Iema e Secretaria de Meio Ambiente da Serra -, o presidente da Comissão, deputado Fabricio Gandini (Cidadania), comentou sobre a demora na implementação do acordo e disse que o colegiado continuará acompanhando sua finalização.

O parlamentar, no entanto, não demonstrou qualquer mudança no histórico comportamento complacente da Casa de Leis com a liberdade da Vale e da ArcelorMittal em continuarem expandindo sua produção e poluição sobre uma das áreas de maior densidade populacional do Estado, e mantendo a riqueza concentrada, enquanto a sociedade capixaba acaba pagando sozinha a conta dos múltiplos impactos.

Passivo ambiental

À época do projeto do Atlântica, Século Diário registrou a mobilização da sociedade contra o projeto, também chamado de greenwashing por moradores dos bairros adjacentes. O próprio TCA foi alvo de contestação judicial pela ONG Juntos SOS ES Ambiental, visto que não passou pela avaliação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Vitória (Comdema), apesar de reiteradas solicitações nesse sentido feitas pela entidade ambiental, e por não resolver o problema da poluição provocada pela mineradora, chamado de “passivo ambiental da Vale”.

A Vale polui a zona norte da praia de Camburi desde 1969. A área contaminada tem 110 mil metros quadrados, onde foram lançados 170 mil metros cúbicos de minério. Deste total, pelo menos 60 mil metros cúbicos estão depositados no fundo do mar e formam uma montanha marinha, cobrindo as condições naturais, o que impede a reprodução de espécies que entram na cadeia alimentar dos peixes.

Nanopartículas

Um estudo internacional desenvolvido desde 2015, já confirmou que, em umidade, 100% do pó preto se dissocia em nanopartículas absorvíveis pelas células. A bióloga Dra. Iara Costa Souza, pós-doutoranda na Universidade de São Carlos (UFSCar), uma das pesquisadoras envolvidas no trabalho, afirma que o objetivo é dar suporte científico para que a sociedade e a academia possam cobrar dos órgãos ambientais maior controle da poluição atmosférica, elevando a qualidade de vida da população capixaba e de outras cidades sobre as quais são lançados materiais particulados atmosféricos, especialmente oriundos da mineração e siderurgia.

Na etapa anterior do estudo, publicado em 2016 em revistas científicas e neste Século Diário, Iara já havia identificado que as partículas “grandes” de pó preto consistem em aglomerados de partículas menores que, em contato com ambientes aquáticos, se dissociavam em partículas menores, chegando a nanopartículas. Agora, já foi possível verificar que não só a dissociação final se dá na escala nano, mas também a origem desses poluentes.

A microscopia eletrônica de varredura (SEM) mostrou que as frações de MPSeA são formadas por aglomerações de nanopartículas”, expõe Iara. E esses aglomerados, explica, voltam ao tamanho nano ao se dissociarem no contato com ambientes aquáticos (rios, mares e estuários), com a umidade do ar (os aerossóis marinhos, especialmente) e com as mucosas do corpo humano e de outros seres vivos, sendo então absorvidos por elas, entrando na corrente sanguínea e atingindo praticamente todos os órgãos.

A parte humana do trabalho é tocada em paralelo pela professora Dra. Mariana Morozesk, da Ufes, que já observou o aumento da mortalidade de células à medida que são expostas a nanopartículas metálicas. Já em seus estudos com espécies da biota aquática capixaba – peixes, crustáceos e plantas de água doce, mar e manguezal – e com células de pulmões humanos, Iara verificou que as nanopartículas de pó preto são internalizadas nesses organismos.

“A tilápia, na presença do pó preto, trabalha mais pra respirar, o coração bate mais forte e as brânquias são mais ventiladas”, exemplifica. Com a nanocristalografia, uma das técnicas ambientais forenses utilizadas, foi possível encontrar partículas metálicas dentro dos órgãos do robalo.

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