Comunidade e prefeitura colocam pedras na orla até que uma obra maior fixe a foz do Mariricu e freie a erosão
Uma comunidade ameaçada de ser “engolida” pelo mar, que suplica por medidas emergenciais e soluções definitivas para a erosão que se intensifica a cada ano. Esse é o tom do relato vindo do balneário de pesca tradicional e turístico de Barra Nova Norte, em São Mateus, norte do Estado.
“É um pedido de socorro”, afirma Allan Lopes Furieri, vice-presidente da Associação de Moradores, Marisqueiros, Pescadores e Artesãos do Balneário de Barra Nova Norte do Município de São Mateus (Ampaban).
Em decorrência das chuvas do final do ano passado, a comunidade novamente mobilizou recursos próprios para colocar pedras marroadas na orla e frear o avanço do mar. É o terceiro mutirão, desde 2019, quando ele calcula terem sido gastos cerca de R$ 100 mil. Em 2021, mais R$ 120 mil.
Desde fevereiro último, cerca de R$ 50 mil já foram empenhados na compra de caçambas de pedra. O frete e as máquinas para colocá-las no lugar são cedidos pela prefeitura, desde a primeira gestão de Daniel Santana Barbosa, o Daniel da Açaí (sem partido). “A pedreira fica a uns 90km da comunidade. São R$ 1,6 mil cada caçamba e o frete, R$ de 2 mil a 3 mil “, informa Allan.
O esforço foi interrompido neste mês devido à má condição das estradas. Os caminhões com 35 toneladas de pedras não conseguem passar e mesmo os menores, com 12 toneladas, também têm dificuldades. Tampouco as máquinas chegam ao local, havendo várias pedras aguardando instalação. Com isso, a erosão avança e os moradores da parte central do bairro também temem serem inundados.
Na orla, cinco casas foram recentemente consumidas, conta o vice-presidente. Até maio, quando a época de chuvas geralmente persiste, o sentimento de alarme deve prevalecer. O Morro do Sabiá já está ilhado, a área central, mais populosa, pode ser inundada, bem como a ES-010.
“Está chegando um ponto do mar encontrar a estrada principal, a ES-010. Se a gente pegar uma maré cheia combinada com ressaca, com vento sul forte, a gente não vai suportar. Nossa sorte é que as marés cheias vieram abaixo do esperado até agora”, avalia.
No momento, a necessidade urgente é de acerto da estrada. “É uma das principais vias do Espírito Santo e o único trecho não asfaltado é esse que chega em Barra Nova”, pontua o vice-presidente.
“Ficamos ilhados por dois meses no ano passado. Colocamos areia na estrada, para drenar o excesso de água. Mas quando as chuvas diminuíram e a estrada secou, virou um monte de atoleiros de areia. Os caminhões de água que abastecem a comunidade conseguem passar, mas destroem a estrada para outros carros”, explica.
Junto ao Departamento de Edificações e Rodovias do Espírito Santo (DER-ES), a informação que chegou à comunidade é de que há projetos de pavimentação para dois trechos, do total de 26km: os primeiros 5km, a partir do trevo para Guriri, com asfalto; e um conjunto de 8km, que passam dentro de áreas urbanizadas, com PAVS. “A promessa era de começar em março, mas ainda não aconteceu nada. Os outros 13km não tem nenhum planejamento”.
O DER-ES também é cotado para desenvolver um projeto na foz do rio Mariricu, que resolva em definitivo o avanço da erosão. A princípio, a ideia é uma obra semelhante à que foi feita em Conceição da Barra, com a construção de vários píeres para fixar a foz do Mariricu cerca de 200 metros ao sul da posição atual, próximo ao ponto em que ela estava até janeiro de 2022. Nos últimos quinze anos, Allan conta que a erosão destruiu cerca de 10 hectares de restinga nesse trecho da orla perto da foz. “Tinha dunas, bromélias e muitos animais, como gambás, porco-espinho, cobras, quatis, macacos, que a gente não vê mais com tanta facilidade”.
A areia da restinga, explica, foi levada para dentro do rio, aumentando o assoreamento e consequentemente a salinização da água captada em poços pela comunidade e a dificuldade dos pescadores em entrar e sair do mar pela foz do rio. Quando a boca da barra se fecha, eventualmente, a situação fica ainda mais crítica. “Diminui a oxigenação do rio, afeta os manguezais e os barcos não passam mesmo”.
Além de Barra Nova Norte, que está ao lado da foz, outras 15 comunidades são afetadas por essa dinâmica, como Campo Grande, Nativo, Barra Seca, Urussuquara, Ferugem e Ilha Preta. Dessas, 10 têm na pesca artesanal no mar sua principal atividade econômica. “Fomos reconhecidos como atingidos, mas nossa região não teve interdição da pesca devido aos rejeitos da Samarco, apesar da gente achar que está contaminado também”, ressalva.
A obra, portanto, ressalta Allan, tem sua importância extrapolada para uma vasta região, que já sofre ao longo das décadas com sucessivos crimes ambientais e segue na mira de novos grandes empreendimentos, mas ainda não tem nem mesmo o projeto de engenharia elaborado.
A prefeitura está tentando fazer projeto, na Secretaria de Defesa Social, do Coronel Wagner. Querem captar recurso com o governo estadual ou federal, mas não encontrou nenhum engenheiro que queira assinar. A gente está acompanhando e realmente não apareceu ninguém. Tivemos reunião com a ex-vice-governadora [atual secretária da Mulher] Jacqueline de Moraes [PSB], já pedimos ao Ifes [Instituto Federal do Estado], à Ufes [Universidade Federal do Espírito Santo], e nada. Também pediu ao DER [Departamento de Edificações e de Rodovias], temos o ofício com o pedido e a resposta do DER, dizendo que enviariam um engenheiro aqui, mas já passou quinze dias e não veio ninguém”.
Apenas uma ação emergencial foi providenciada pelo órgão nesta segunda-feira (17), com a colocação de barro na estrada, com seis caminhões do DER e três da prefeitura, com previsão de atuação até sexta-feira (21). “Não é o suficiente, mas já ajuda”, observa Allan.