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Painéis de artistas pretos são descaracterizados em Conceição da Barra

Homenagem a Mestre Terto e Zacimba Gaba estão na praça central. Artistas apontam prefeitura como suspeita

Divulgação

“Quem apagou os artistas pretos?” Com essa provocação, o artista plástico Thiago Balbino questiona em suas redes sociais quem pode ter sido o autor do que ele chama de ato de vandalização, efetuado contra dois painéis pintados por ele e outros artistas locais em Conceição da Barra, norte do Estado.

As pinturas estão localizadas na praça central da cidade e homenageiam seu avô, o saudoso Mestre Terto, figura lendária do Ticumbi de São Benedito, e a heroína Zacimba Gaba, referência na luta histórica de resistência quilombola capixaba.

Realizadas em 2015 com recursos próprios dele e do também artista visual Luham Gaba, por meio do projeto Cores de Reis, elas foram revitalizadas em 2019 numa reedição do evento, com colaboração extra de outros dois artistas, Starley e Kika Carvalho. Voltada para a sede da associação dos grupos folclóricos de Conceição da Barra, com homenagens a Dona Rosa, essa segunda edição também ocorreu sem qualquer aporte da Prefeitura Municipal.

Divulgação

Neste ano de 2023, conta Thiago, a ideia era novamente atuar nos dois painéis. “O Luham está com projeto para ser realizado no mês que vem, um desdobramento, que consiste em trabalhar com um aplicativo. Ele vai inserir signos no painel que podem ser lidos por esse aplicativo, acessando uma animação que conta a história da Zacimba Gaba”.

O painel de Mestre Terto também receberia uma segunda atualização. “Como essa pintura foi feita há oito anos e eu só fiz uma reforma nela, queria aplicar novas técnicas que aprendi. Esse projeto concorre no edital da Secult, que ainda não divulgou os resultados, mas que a gente faria de qualquer forma, como das outras vezes, com recursos próprios e parcerias”.

Há alguns dias, no entanto, sem que os artistas autores fossem consultados, alguém executou alterações nos traços das duas obras, descaracterizando-as, e ainda apagou as assinaturas originais. “Depois a gente até descobriu quem fez isso, é um artista local, mas a gente não sabe por ordem de quem”.

Redes Sociais

“Reformar ou revitalizar um mural sem a consulta do artista criador, esse estando em vida e atuante no município, e ainda apagar o seu nome do trabalho que idealizou e apresentou para a comunidade como um presente, é muito grave e impossibilita que as novas gerações tenham acesso aos seus artistas locais. Uma clara tentativa de apagamento”, denuncia Thiago.

Foi por desconhecimento? Por perseguição? As perguntas continuam no ar. Fato é, ressalta Thiago Balbino, que esse pretenso “desconhecimento” ou “descuido” com os direitos autorais tem alvo preferencial. “Recai sempre sobre as pessoas pretas, como se fôssemos menores”.

O Ticumbi, contextualiza, hoje um ícone da identidade cultural capixaba, reconhecido por pesquisadores também de fora do Estado e reverenciado por turistas de todo o país, era proibido de circular dentro de Conceição da Barra. “Já colocaram obrigação de pedir autorização da delegacia da cidade. É histórico isso, atravessa gerações. Meu avô passou por isso, Mestre Hilário, antes dele, passou por isso, os mestres de agora estão passando por isso. Nosso objetivo é engrandecer as figuras do nosso folclore, das nossas raízes e tradições. Por que isso causa tanto incômodo?”, dispara.

“Se hoje o turista chega na cidade e vê a pintura, não vai saber que foi um presente nosso para a cidade, uma homenagem em vida que eu fiz para o meu avô. No ano que eu fiz a pintura, o Ticumbi passou em frente. É muito potente a pessoa ler o nome do artista, que é Balbino também, ‘olha, deve ser um parente do Mestre que pintou’. Mas não. Por que incomoda tanto o artista preto ser reverenciado?”.

Redes Sociais

No Instagram do Grito da Cultura – movimento de trabalhadoras e trabalhadores da cultura e das artes do Espírito Santo –, uma postagem polemiza diretamente com a prefeitura municipal, a primeira suspeita de ter efetuado a descaracterização e apagamento das assinaturas.

A possibilidade também é considerada por Thiago. “Buscamos sempre o bom entendimento e diálogo com a comunidade e prefeitura, e por tanto até gostaríamos de receber algum tipo de explicação ou retratação, e para além disso, buscamos que apoiem e respeitem verdadeiramente os artistas e mestres locais. Seguiremos com os planos de realizar ainda mais pinturas e murais culturais no município, até que todos os mestres e mestras sejam reverenciados, pois o nosso compromisso é com a nossa história, e não tem tinta que apague o nosso nome!”, afirma.

Procurado, o secretário municipal de Cultura de Conceição da Barra, Adilson Vasconcelos Conceição, atendeu à ligação de Século Diário, mas não respondeu se foi iniciativa da sua pasta a interferência nos painéis, e também não retornou posteriormente.

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