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Em qualquer tempo e lugar

O que meu descendente faz nessa nave?

Em qualquer história, seja qual for o tema, o que primeiro nos informam é o local do que será revelado. Onde? É o que nos mostram primeiro nos filmes e nas novelas: o espaço físico. Praia ou fazenda de soja, avenida movimentada ou rua deserta, rica mansão ou barraco no morro, shopping center ou posto de gasolina na beira da estrada, churrascaria caríssima ou pizzaria de subúrbio… a imaginação dos criadores de sonhos não tem limites, e os locais vão variando de acordo com o orçamento: quanto mais locais, mais caro fica.

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Tão importante quanto é o tempo, seja verbal, presencial ou virtual: Quando? O tempo é inconstante, muda ao sabor do vento, não respeita o relógio, seja um Rolex ou um Timex. Os eventos podem começar no berço e acabar na festa de casamento, mesmo se a criança no berço for resultado desse casamento. Pode começar no enterro e terminar no dia anterior, com o defunto ainda vivo. Não há regras nem datas especificas, a cronologia dança com as variações da história, que chamamos de enredo.

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Escolhido o local e definida uma data – sejam precisos ou imprecisos, vem o detalhe mais importante – Como? Na telinha ou na telona, no livro ou na revista, na vida real ou no mundo paralelo, o que nos amarra ao texto é como os fatos se desenvolvem, detalhe após detalhe, até o final da história. Saem vivos da encrenca? Vencem a batalha? Ganham o prêmio? Ficam juntos e felizes para sempre?

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Estamos em uma nave superveloz varando o espaço sideral. Uma tela luminosa mostra o ano: Janeiro, 3023. Já sei que não sou uma das personagens dessa história porque nosso tempo real é limitado. A cartomante à minha frente, olhando fixamente para uma bola de cristal, revela que tem um descendente meu nessa nave. Sangue não vira água, não importa o tempo corrido. “Como as estrelas dos céus será a tua descendência”, disse Deus a Abraão. Quem sabe meu descendente está entre eles?

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Fico entusiasmada – O que meu descendente faz nessa nave? É o piloto, o financiador do grandioso projeto ou a cientista louca que o criou? A cartomante enche o ar com uma gargalhada estridente: O faxineiro, minha querida. Mesmo uma nave futurística precisa de alguém que limpe os banheiros. Puxa, pensei que daqui a mil anos esse problema já estaria superado. A cartomante se entusiasma: A cientista maluca vai se apaixonar por ele.

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O bolero Quiçás quiçás, quiçás, composto em 1947 pelo cubano Osvaldo Farrés, faz essas três perguntinhas essenciais: Quando? Como? Onde? A música tem sido interpretada pelos maiores cantores internacionais, mas não nos dá a resposta. E seguimos pela vida perguntando a Deus e ao acaso, à cartomante, ao professor, ao patrão, ao governo, aos astrólogos e aos influenciadores: Quando sai meu aumento de salário? Como vou me livrar dessa encrenca? Quando ficarei rica? Onde estarei em 2033? Como estará o mundo daqui a mil anos?

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