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Mais respeito e liberdade e menos privatização no cuidado com a saúde mental

Ato do Dia Nacional da Luta Antimanicomial este ano terá caminhada da Costa Pereira até o Palácio Anchieta

Mais respeito e mais liberdade ao paciente em tratamento de saúde mental e menos privatização do dinheiro público. Esses são alguns dos motes do ato que marcará, na capital capixaba, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial deste ano. Na próxima quinta-feira (18), o “Ato público em defesa da saúde mental e do cuidado em liberdade” reunirá os manifestantes a partir do meio-dia na Praça Costa Pereira, no centro de Vitória, de onde sairão às 13h em caminhada pela avenida Jerônimo Monteiro até o Palácio Anchieta, na Cidade Alta.

O convite feito nas redes sociais é pela “defesa da saúde pública, da reforma psiquiátrica e do cuidado em liberdade” e para celebrar as conquistas já alcançadas nas últimas décadas. “Tragam suas bandeiras, cartazes, instrumentos e toda alegria para colocarmos nossas loucuras na rua!”, conclamam.

Ato da Luta Antimanicomial de 2022, em frente à Assembleia Legislativa. Foto: Leonardo Sá

O tom festivo funciona como uma forma didática de mostrar os resultados incontestáveis que o arranjo defendido pela reforma psiquiátrica tem alcançado nos pacientes que conseguem acessar uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) minimamente estruturada.

Um privilégio, infelizmente, nos dias de hoje, pois o contexto atual continua difícil, avaliam os organizadores, apesar dos anúncios feitos pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, logo que assumiu o cargo, em janeiro, afirmando sua determinação em superar os retrocessos impostos nos últimos seis anos pelo governo federal pós-impeachment.

Nesse período, até o eletrochoque voltou a ser incluído no cardápio de tratamento e as chamadas comunidades terapêuticas se multiplicaram, financiadas, fartamente, com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Fenômenos que contrariam frontalmente a Reforma Psiquiátrica e Liberdade, proposta ainda nos anos 1980 e tornada lei apenas em 2001, após doze anos de tramitação.

Aprovada há 22 anos, a Lei 10.216/01, no entanto, está longe de estar plenamente implementada e boa parte dessa lentidão é responsabilidade da caneta dos gestores estaduais, que definem as prioridades na aplicação do recurso público. No Espírito Santo, a lógica privatista se sobrepõe às diretrizes da lei nacional, de forma semelhante ao que ocorre com o atendimento às pessoas com deficiência (PCDs), prioritariamente direcionadas para instituições especializadas ao invés de integradas à rede regular de educação pública.

A professora do Departamento de Serviço Social e da Pós-graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fabíola Xavier Leal, onde integra o Grupo de Estudos e Pesquisas Fênix, conta que, nos últimos anos, tem aumento o desfinanciamento do SUS o que impacta diretamente na qualidade dos serviços prestados pela RAPS.

A rede começa nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), os postinhos de saúde de bairro, que precisam contar com uma equipe mínima de profissionais qualificados para os serviços mais simples. E conta ainda com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que devem oferecer serviços mais especializados, de média complexidade, além de leitos de alta complexidade em hospitais públicos.

Leonardo Sá

Atualmente o Espírito Santo tem 40 CAPS que atendem aos 78 municípios. A lei não determina que todo município deva ter um CAPS, pois a conta é por número de habitantes, então os municípios menos populosos podem ser atendidos por uma unidade sediada em local estratégico para aquele conjunto. Mas “há uma defasagem muito grande de implementação dos serviços”, aponta Fabíola.

Uma pesquisa feita pelo Grupo Fênix/Ufes antes da pandemia mostrou que o governo do Estado aplicou R$ 187 milhões, em seis anos, em internações compulsórias em clínicas privadas, para cumprir sentenças judiciais. A Judicialização da Polícia de Saúde Mental no Estado do Espírito Santo expõe a sangria de recursos públicos, que deveriam aprimorar a RAPS.

“Há um certo oligopólio nessas clínicas, com muitas delas vinculadas a grandes grupos empresariais, que nem são da área de saúde”, alerta a pesquisadora, que menciona ainda as inúmeras denúncias de trabalho escravo, assédio sexual, maus tratos e diversas outras irregularidades, como noticiado em relação à Clínica do MC Bola de Fogo, no sul do Estado.

São espaços como esses , explica, que o Dia Nacional da Luta Antimanicomial denuncia, pois são os manicômios de hoje. Os tradicionais foram fechados a partir dos anos 1980, muito com base em ampla denúncia da desumanidade que escondiam – realidade muito bem retratada no filme Bicho de Sete Cabeças, de Lais Bodanzky, com Rodrigo Santoro no papel principal, lançado em 2001 com base no livro Contos dos Malditos, onde Austregésilo Carrano Bueno conta sua história real em um manicômio. Mas as clínicas atuais, que “institucionalizam” o paciente de saúde mental, ainda podem ser consideradas manicômios, pois se sustentam na lógica de afastamento do convívio familiar e social e por internações de longo período, com muita medicação e sem atividades auxiliares previstas na Reforma Psiquiátrica como obrigatórias nas RAPS, como serviço social, terapia ocupacional, fisioterapia, educação física, educação social, arteterapia.

Como ocorre com os estudantes com deficiência, direcionados para as instituições especializadas, igualmente financiadas com recursos da saúde e educação públicas, os manicômios contemporâneos, mostram a dificuldade da sociedade brasileira e capixaba em acolher os corpos que diferem do que é considerado “normal” ou “típico”. Os governos, só refletem isso.

Leonardo Sá

“A sociedade não está preparada para lidar com o diferente. A pessoa com transtorno é rechaçada, como se só merecesse estar na periferia da sociedade. O capital exige que essas pessoas estejam enclausuradas, seja no manicômio, na prisão …. É intrínseco ao capitalismo, porque é uma mão de obra que não gera mais valia para o capital”, contextualiza a acadêmica.

Então, no próximo dia 18, a ideia é celebrar os avanços conquistados e lutar para que a Reforma Psiquiátrica seja plenamente implementada, com garantia do controle social sobre o recurso público, que precisa ser investido nas RAPS e no SUS.

Reivindicações específicas ao governo do Estado, pontua, incluem a garantia de orçamento necessário para implementar a RAPS em sua totalidade. “Ampliar a RAPS, respeitando o desenho já estabelecido, implementar o Plano Estadual de Saúde Mental e fechar a Rede Abraço”, elenca.

O Ato Antimanicomial tem apoio do Grupo Fênix/Ufes, do Coletivo Mães Eficientes Somos Nós, da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) e do Triplex.

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