Projeto de Emancipação Social a partir da Soberania Alimentar apoia tradição local de hortas caseiras
As pequenas hortas caseiras são um costume que vem perdendo espaços nas grandes e médias cidades, mas em comunidades tradicionais como Jesus de Nazareth, em Vitória, elas se mantêm, mostrando sua potência como espaços sagrados de segurança alimentar. Visando apoiar essa tradição e expandir a experiência, está em curso no bairro a implementação do Projeto de Emancipação Social a partir da Soberania Alimentar (Pessoa).
Proposto pelo Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), o projeto recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), por meio do Edital 12/2022 – Universal de Extensão. São 14 famílias que se cadastraram, responderam a um questionário e passaram por um treinamento para cuidar das suas novas hortas e receberem materiais, como canos PVC, terras adubadas, pallets, mudas e sementes.
Em dez casas, a instalação já foi concluída. E muitas outras também estão interessadas em receber o projeto. A tendência, explica o guia de Turismo Fernando Martins, é conseguir novos apoios para atender a todos que se dispuserem a ceder espaços em seus quintais e lajes para plantar alimentos saudáveis. Uma das fontes de renda pode ser o projeto Tour no Morro, iniciado por ele em 2012. “Cada tour que a gente faz aqui tem um valor que pode ser usado para fazer essas outras hortas”.
O trabalho com o turismo no bairro, conta Fernando, está na base do Pessoa. “Tem várias raízes no trabalho com o turismo. Uma delas é a alimentação saudável”. Ao longo desses dez anos de mobilização comunitária, ele conta que o professor do Ifes Leonardo Bis, que há muito acompanha o trabalho da comunidade, percebeu a necessidade de enfocar a segurança alimentar e viu no edital da Fapes uma oportunidade. Uma pesquisa dele apontou que cerca de 22% dos moradores apresentavam algum grau de insegurança alimentar – fome ou alimentação de má qualidade – em dezembro de 2021, com tendências de piora do quadro em 2022 e 2023.
“No Brasil, a pandemia provocou o agravamento dos indicadores de fome e miséria no País. Nesse sentido, este projeto visa construir alternativas para potencializar a autonomia da produção de alimentos saudáveis, bem como possibilitar a reeducação alimentar nas comunidades em situação de vulnerabilidade social, como é o caso da comunidade de Jesus de Nazareth”, explicou Leonardo Bis, que é coordenador do projeto.
Uma parte do treinamento aos moradores foi a realização de visitas a iniciativas semelhantes em favelas do Rio de Janeiro, como Complexo da Maré, Pavão Pavãozinho e Santa Marta, esta, antiga parceira do Tour no Morro. “O Tiago Firmino, que é guia no Favela Tour em Santa Marta, me ensinou tudo o que tem acontecido até hoje aqui em Jesus de Nazareth. Na pandemia, ele trouxe uma equipe dele para espalhar remédio na comunidade”.
Nas visitas deste ano, Tiago os guiou nas demais favelas cariocas e também na visita à Regina Tchelly, do projeto Favela Orgânica. “Estamos procurando um patrocínio para trazê-la aqui em Jesus de Nazareth, para falar com o pessoal do nosso projeto”, conta Fernando Martins, ressaltando o protagonismo de Regina Tchelly com a divulgação de receitas saudáveis e saborosas, com ingredientes orgânicos, boa parte deles vegano e com Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs).
O Pessoa é mais uma iniciativa, celebra, que “engrandece a comunidade, mostrando o lado positivo que a gente tem”. E são descobertas, ressalta, que surpreende os próprios moradores. “Eu mesmo descobri muitas plantações que nem conhecia! Batata-doce, mamão, cacau…até um morador que tem seis pés de café e toma café com o que ele colhe no quintal! Eu já pedi umas sementes para ele, para poder tomar também um café de Jesus de Nazareth”, sorri.
Desde 2012, o turismo vem trazendo moradores de Vitória e até do exterior para conhecer as belezas de Jesus de Nazareth e o incrível visual do alto do morro, onde se pode apreciar a Baía de Vitória e outros pontos icônicos da região metropolitana. Mas também tem revelado belezas para os próprios nativos. “Fazemos tour com estudantes da escola local e eles também descobrem lugares que não conheciam. Temos que aprender a conhecer e gostar do que é nosso e não só valorizar o que é de fora”.
Multidisciplinar
Conforme explica a Fapes, para a construção das hortas, manutenção e acompanhamento da produção, as ações contam com uma rede de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, como nutrição, agroecologia, sociologia, engenharia e biologia, agrupados nas instituições do Ifes de Vitória e Santa Teresa, e no Instituto Capixaba de Pesquisa Técnica e Extensão Rural (Incaper). O projeto também recebeu o apoio da Secretaria da Justiça (Sejus), que doou mudas de hortaliças produzidas em uma unidade da secretaria para serem plantadas na comunidade.
Além de oficinas de produção comunitária de alimentos em pequena escala, estão previstas ações de reeducação alimentar e educação ambiental, como reuso de materiais, compostagem e consumo consciente, a partir das duas unidades de ensino localizadas no bairro, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Edna de Mattos e o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Lídia Rocha Feitosa.
Com a perspectiva de uma grande produção nas hortas, já estão planejadas dinâmicas de troca de alimentos excedentes entre as famílias. Haverá também encontros de educação alimentar e nutricional com oficina de receitas, palestras e materiais de divulgação distribuídos para os moradores da comunidade.
Edital Universal de Extensão
Lançado em 2022, o Edital 12/2022 – Universal de Extensão foi uma iniciativa inédita da Fapes para apoiar financeiramente projetos de extensão que contribuíssem para o desenvolvimento socioambiental e econômico das diferentes microrregiões do Estado.
Instituições de ensino euperior e de pesquisa localizadas no Espírito Santo, com atividades de extensão regulamentadas, puderam inscrever propostas de diferentes áreas de conhecimento. Foram disponibilizados R$ 5 milhões, oriundos do Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Funcitec), para financiar as propostas contempladas. Mais de 270 propostas foram submetidas na chamada pública e, dessas, 104 foram contratadas.
Destaque nacional
A Fapes também é destaque nacional em relação às bolsas de Iniciação Científica, Tecnológica e de Inovação. Com o anúncio feito em março, de R$ 5 milhões, para pagamento de 600 bolsas com valores ajustados, o Espírito Santo passou a ocupar o segundo lugar no ranking nacional. O valor oferecido pela Fapes só fica atrás das bolsas disponibilizadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).