“Essa reparação é inegociável”, afirma Jacyara Paiva, vice-presidente da Adufes, que lidera mobilização
Depois de nove anos descumprindo a normativa nacional de cotas para professores negros, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) não pode se furtar a compensar as vagas que se acumulam, negligenciadas desde a promulgação da Lei nº 12.990/2014. O posicionamento firme vem da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) e outras entidades e movimentos sociais unidos para exigir uma medida efetiva por parte da Reitoria.
“Essa reparação é inegociável”, afirma a professora e vice-presidente da Adufes, Jacyara Paiva. A associação e as demais organizações exigem que a reparação desses nove anos de irregularidade conste textualmente na resolução interna que a Reitoria elabora para regulamentar os concursos públicos para docentes daqui para frente, de modo a cumprir a Lei de Cotas.
“Que conste no documento a reparação e quando e como ela irá acontecer. Se não informar isso, a gente sabe que a Ufes não vai fazer a reparação. Porque se durante nove anos ela burlou uma lei federal, imagina uma resolução interna!”, alerta a vice-presidente.
O fim da manobra empreendida até o momento para burlar a lei, explica Jacyara, já está contemplada, ao incorporar a sugestão da Adufes de que os concursos não sejam feitos mais separadamente pelos departamentos de cada curso, mas unificados numa proposta única. Individualmente, na maioria das vezes, os pequenos concursos não chegam a oferecer um número de vagas mínimos para a reserva de cota (20% para professores negros), mas unificados ganham volume suficiente para garantir a cota legal. “A minuta de resolução já traz a unificação de editais, mas precisa reparar os nove anos em que essas vagas não foram ofertadas”, reforça a professora.
Pressão social
A primeira versão da resolução foi elaborada por uma comissão da Reitoria formada em setembro passado e apresentada nessa segunda-feira (22) no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Ufes, contemplando vagas para pessoas negras e com deficiência (PCDs), abrangendo cargos de professor do magistério superior, do ensino básico, técnico e tecnológico, bem como professor visitante.
A Adufes ressalta que a falta de diálogo com a base do sindicato, que são os professores da universidade, e com os movimentos sociais e outros segmentos envolvidos, agrava ainda mais a situação, revelando uma falta de compromisso com a construção de uma política inclusiva de forma participativa. A proposta apresentada, reafirma a entidade, foi redigida sem ouvir as organizações que há anos estão mobilizadas reivindicando o cumprimento da lei.
Assim, devido às críticas, o texto vai ser discutido dentro dos centros acadêmicos antes de ser levado à votação. “A minuta saiu da Reitoria sem ouvir o sindicato, os movimentos sociais, tanto o movimento negro quanto o de pessoas com deficiência. Ela passou ontem [segunda, 22] pelo conselho, mas desceu para os centros para receber sugestões”, relata Jacyara.
Levantamentos
Um levantamento essencial precisa ser feito para garantir essa reparação, que envolve, primeiro, contabilizar quantas vagas foram criadas em concursos dentro da Ufes desde a promulgação da lei, em 2014. A partir daí, calcular quantas equivalem aos 20% do conjunto das vagas ofertadas, quantas foram de fato disponibilizadas e quantas precisam ser repostas e, finalmente, de que forma e em que prazo, sanar o passivo. “A Universidade Católica de São Paulo por exemplo, está aplicando 37%, até que as vagas que não foram colocadas para pessoas negras sejam repostas”, pontua.
O objetivo final é chegar, em um futuro próximo, a um quadro docente total que tenha 20% de professores negros. Para isso, outro levantamento fundamental é o número atual de educadores com essa classificação. E, para isso, ressalva Jacyara, “esbarramos na falta de letramento racial”.
Muito comum, expõe, é pessoas não negras se autodeclararem erroneamente como pardas. “Pessoas pardas são pessoas negras que tem conjunto de características fenotípicas do povo negro, porém, têm a pele menos retinta. Não são filhos de pretos com fenótipo branco. É outra coisa que a universidade precisa ver também. Qual é o nosso déficit. Grande parte dos professores não tem letramento racial”.
A mobilização continua até que a reparação plena dos nove anos de irregularidades seja compensada. “Não é educativo, não é pedagógico que a universidade descumpra a lei e não faça a reparação. É dizer para os estudantes e a sociedade que a lei precisa sim ser cumprida”, afirma a vice-presidente da Adufes