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‘A misoginia é a força motriz dos ataques às escolas’

Especialista Daniel Cara também apontou, em audiência na Assembleia, o nazismo e o fascismo como motivações

Durante a audiência pública “Seis meses do massacre em Aracruz – memória, reparação e cuidado”, realizada na Assembleia Legislativa nessa quinta-feira (25), o professor, pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Daniel Cara, apontou o ódio às mulheres como uma das motivações dos recentes massacres ocorridos em escolas no Brasil, inclusive em Aracruz, norte do Estado. “A misoginia é a força motriz dos ataques às escolas”, enfatizou, destacando ainda as perspectivas neonazista e fascista.

Victor Thomé/Ales

Daniel Cara também defendeu que os games em si não são problemas, mas os jogos de violência podem ser ambientes propícios para recrutamento de adeptos a células neonazistas. Além disso, salientou que todas as medidas de segurança não são tão eficazes quanto uma escola viva, ou seja, com participação da família na escola e na vida escolar dos filhos, e com investimentos por parte do poder público, como na infraestrutura, já que as escolas menos cuidadas estão mais propícias a ataques devido à sensação de abandono.

Ainda segundo o professor, o Brasil é o segundo país do mundo em casos envolvendo massacres e ataques terroristas em escolas, perdendo somente para os Estados Unidos. Desde 2022, houve o registro de 36 ocorrências visando violentar ou constranger o ambiente de ensino, o que resultou na morte de 81 pessoas.

Ele considerou positivas as ações articuladas por ministérios e órgãos estaduais, citando que não houve mais casos desde abril passado, quando a estratégia foi colocada em prática oficialmente, logo após o atentado a uma creche em Blumenau (SC), com a morte de quatro crianças.

“Já conseguimos prevenir mais de 2 mil tentativas de ataques”, disse Daniel Cara, explicando que a estratégia de enfrentamento ao problema conta com a mobilização da Polícia Federal em conjunto com as polícias estaduais, a partir de informações levantadas mediante monitoramento da internet e denúncias anônimas. Ele destacou que o governo federal, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, anunciou a liberação de R$ 3 bilhões, que estão sendo repassados diretamente aos estabelecimentos de ensino do país para adoção de medidas necessárias para evitar violência às escolas.

Leilany Santos Moreira, professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti (EMEF), em Aracruz, uma das unidades de ensino que foram atacadas por um adolescente de 16 anos em novembro último, concorda com as afirmações de Daniel Cara. Para ela, uma das provas de que os ataques são motivados pela misoginia é o fato de que as vítimas fatais do crime ocorrido na cidade foram todas mulheres, assim como as sobreviventes que ainda estão em recuperação. 

Victor Thomé/Ales

“A sociedade se recusa a debater que o discurso de ódio sustenta as células nazistas”, afirma Leilany, que, além da misoginia, aponta também as falas racistas e homofóbicas. Assim como Daniel Cara, a professora acredita que refletir sobre as violências ocorridas é importante no combate às células. “É preciso o diálogo franco nas comunidades”, defende. De acordo com ela, em Coqueiral de Aracruz, onde está situada a EMEF Primo Bitti e o Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), escola da rede privada de ensino que também foi atacada pelo adolescente, o assunto é considerado um tabu.

No ambiente escolar, relata, além da pressão para que a escola alcance bons resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a comunidade escolar é cobrada a agir como se já tivesse superado o ocorrido. “É como se dissessem ‘vida que segue e está tudo bem’, uma ideia de normalidade, sem discutir a verdadeira causa e combater”, relata.


A deputada Iriny Lopes (PT) cobrou do grupo instituído pelo governo do Estado para enfrentar a escalada de violência nas escolas para que sejam realizadas investigações “mais profundas” sobre o massacre de Aracruz. Ela lembrou que o adolescente autor dos disparos é filho de um policial militar e que a arma usada pertence à polícia. Analisou, ainda, que o adolescente agiu com “precisão”, uma vez que conseguiu matar quatro pessoas e atingir várias outras, mesmo dispondo de poucos minutos para essas ações, ocorridas em locais diferentes, pois invadiu duas escolas.

Para Iriny, tudo indica que o adolescente foi instruído por alguém para realizar o ataque e isso precisa ser esclarecido pelo grupo de trabalho instituído pelo governador Renato Casagrande (PSB). 

Victor Thomé/Ales

A audiência foi proposta pela presidente da Comissão de Direitos Humanos, Camila Valadão (Psol). Segundo ela, a realização do debate dá visibilidade sobre o massacre e mantém viva a cobrança da sociedade por justiça aos afetados e para a necessidade de ações efetivas do poder público para evitar novas tragédias.

A deputada destacou a importância da presença do professor Daniel Cara e do relato das ações integradas para o enfrentamento do fenômeno da violência às escolas no país. “Não podemos abordar esse tema apenas pelo viés da segurança pública, é preciso ampliar o debate, trazendo à luz outras nuanças que alimentam os discursos de ódio; essa audiência foi uma oportunidade também de prestarmos solidariedade aos atingidos pelo massacre, além de homenagearmos as vítimas”, concluiu.
Acolhimento
A audiência foi a segunda sobre o crime ocorrido em Aracruz. A Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente já havia realizado uma em março, em Coqueiral de Aracruz, mas na ocasião a comunidade escolar questionou o fato de a atividade não ter sido elaborada junto com ela, negando seu protagonismo. Na audiência dessa quinta-feira, Leilany aponta que a comunidade se sentiu acolhida.
“Na primeira não tivemos voz. Nessa, compus a mesa como professora da Primo Bitti, com a Sâmella Almeida, também professora. Tivemos a presença de uma aluna, a Geovana Ramos Pereira; da Gracy Amboss, mãe da Flávia Amboss, que foi uma das vítimas fatais; e da Ana Paula Rocha, representando o Fórum Antifascista, mas que também é professora da rede municipal de ensino de Aracruz”, elenca.
Para Leilany, algumas das conclusões que ficaram é de que é preciso “atuar mais enquanto fórum junto ao Governo do Estado, pressionando para que tenha consciência de que deve combater células nazistas, ter cuidado com as vítimas que estão em recuperação e com as vítimas fatais, pois está tudo muito solto”.
Justiça
O processo em relação ao adolescente autor dos ataques foi concluído em sete de dezembro pelo juiz Felipe Leitão, da Vara da Infância e Juventude de Aracruz. O magistrado aplicou a medida socioeducativa de internação pelo prazo de até três anos. Caberá ao Juiz da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Vitória, com base em pareceres técnicos da equipe do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), avaliar, a cada seis meses, a internação. Foi aplicada, ainda, uma medida protetiva de acompanhamento psiquiátrico.
O pai do adolescente, um tenente da Polícia Militar (PM), também é investigado pela Polícia Civil (PC), que averigua suas possíveis contribuições com o crime e quais as relações do adolescente de 16 anos com células nazistas e fascistas que se expandem pelo país. Um dos pontos da investigação é descobrir se o pai ensinou o filho a dirigir e atirar. Além disso, a Corregedoria da PM instaurou um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) contra o tenente, que foi afastado das atividades operacionais e vai permanecer nas administrativas no decorrer do processo.


‘A gente não quer ser só público’, cobra comunidade escolar de Aracruz

Audiência pública sobre segurança nas escolas será realizada na próxima quarta-feira, por comissão presidida pelo deputado Alcântaro


https://www.seculodiario.com.br/seguranca/a-gente-nao-quer-ser-so-publico

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