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​Comitê pela Revogação do Novo Ensino Médio é lançado no Estado

Iniciativa busca fortalecer campanha nacional e inserir entidades e sociedade civil capixabas no debate

Entidades ligadas à sociedade civil e ao setor educacional compõem o Comitê Espírito Santo pela Revogação do Novo Ensino Médio, lançado na última sexta-feira (26) pelo Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pelo Comitê Capixaba da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A iniciativa tem entre os objetivos fortalecer o Movimento Nacional em Defesa do Direito à Educação, aprofundar os estudos sobre as políticas educacionais voltadas para a educação básica, e contribuir para a inserção do Espírito Santo no debate nacional.

Exigida pela Lei Federal 13.415/2017, a reforma do Ensino Médio passou a ser aplicada no país no ano passado. Uma das mudanças provocadas é a implementação do ensino em tempo integral, com aumento da carga horária.

A proposta também possibilita uma flexibilidade maior das disciplinas, contemplando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um dos alicerces para a concretização da reforma. Parte da nova carga horária é referente às disciplinas obrigatórias da BNCC, enquanto outra é utilizada em disciplinas escolhidas pelos alunos, de acordo com o futuro profissional que desejam trilhar, cuja escolha, portanto, é imposta de maneira muito precoce.

A reforma prevê quatro itinerários formativos mais formação técnica profissional. Esses quatro itinerários contemplam as áreas de Humanas, Matemática, Linguagens e Exatas. Esta última abarca Química, Física e Biologia. Nesse método, os alunos passam a ter disciplinas em comum, podendo, posteriormente, se aprofundar naquelas que forem de sua escolha.

Durante o lançamento do Comitê, o diretor do Centro de Educação, Reginaldo Célio Sobrinho, destacou o papel do Centro no debate sobre o ensino médio. “Esse é um lugar de importância e de potência. O Centro de Educação forma professores, discute as tendências, as práticas e as políticas da educação básica e do ensino superior. Essa luta pela revogação do ensino médio é de todos nós que fazemos a educação acontecer no Espírito Santo e nacionalmente”.

O dirigente da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Daniel Cara, e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) que participou do evento, abordou o Projeto de Lei 2.601/2023, apresentado este mês à Câmara Federal, que tem o objetivo de revogar o novo ensino médio. A proposta é acabar com os itinerários formativos, que hoje ocupam 1,2 mil horas, e estabelecer uma carga horária de 600 horas para o que passa a ser denominado parte diversificada. Por outro lado, a formação geral básica ganharia mais carga horária: 2,4 mil horas ao invés das 1,8 mil previstas hoje.

A existência de itinerários formativos em detrimento da formação geral é uma das principais críticas ao novo ensino médio. Os impactos vão da formação dos estudantes, que deixam de ter disciplinas gerais para traçar itinerários de acordo com os ofertados pelas escolas, até a chamada “desprofissionalização” dos professores, que passam a ter que assumir conteúdos para os quais não foram formados. Daniel Cara ressaltou que em alguns locais do país, estudantes teriam que se deslocar mais de 100 quilômetros entre uma escola e outra para acessar um itinerário que desejariam percorrer na rede pública.

A professora Eliza Bartolozzi, uma das articuladoras do Comitê, lembrou que a reforma do ensino médio atinge toda a educação brasileira. “Chega às comunidades como uma coisa bonita, mas é fake news, não entrega o que promete: não alcança o protagonismo juvenil, não diminui a evasão escolar e não garante a liberdade de escolha”. Segundo ela, dados levantados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais da Ufes apontam que, de 2021 a 2022, 18 mil alunos deixaram de fazer matrícula no ensino médio, o que mostra que a evasão é grande.

Sobre as promessas de protagonismo juvenil e liberdade de escolha, a professora informou que o Espírito Santo tem 290 escolas de ensino médio e 18 delas oferecem apenas um itinerário formativo. “Essas escolas não cumprem nem a lei que determina que pelo menos dois itinerários sejam ofertados”. E complementa: “chama a atenção a ênfase, no Brasil e no Espírito Santo, para os itinerários muito mais técnico-profissionais, mostrando que [o novo ensino médio] veio para formar mão de obra barata”.

União de forças

A Associação das Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes) é uma das entidades da sociedade civil que integram o Comitê. Junia Zaidan, presidente da entidade, afirma que a iniciativa possibilita a união do conjunto de grupos que tem a revogação do novo ensino médio como uma de suas pautas. “Agrega quem está tocando essa luta para criar uma articulação mais forte, mais unificada”, destaca.

Junia aponta que o novo ensino médio tem uma “perspectiva individualizante da educação”. “Estabelece de forma autoritária itinerários que esvaziam o currículo do propósito de promover transformação social por meio da educação”, afirma, destacando que não há preocupação com uma formação “humanista, integral, além de reforçar a fragmentação, o esvaziamento dos conteúdos”.
Trata-se, acrescenta, de uma formação voltada especificamente para preparação para o mercado de trabalho, que enxerga a educação como “serviço”, e não como direito. “Assim, não se acolhe a contradição, não se valoriza os professores, não há compromisso com a coletividade”. Há, ainda, a perspectiva individualizante, que responsabiliza o estudante pelo fracasso, quando, na verdade, aponta Junia, ele é de responsabilidade do Estado, reforçando o discurso meritocrático.
Mobilizações

Estudantes do ensino médio já realizaram duas manifestações pela revogação do novo ensino médio em todo país, inclusive no Espírito Santo. Ambas foram em março. A primeira aconteceu na Praça Costa Pereira, Centro de Vitória. A outra, na Praça de Jucutuquara. Os protestos garantiram uma vitória parcial, que foi a suspensão do cronograma de implementação do novo ensino médio. A decisão será enquanto estiver em vigência a consulta pública aberta pelo Ministério da Educação (MEC), iniciada em março deste ano e que durará 90 dias, com possibilidade de prorrogação.
Elaine Dal Gobbo

Em abril, foi entregue uma carta ao ministro da Educação, Camilo Santana, que cumpriu agenda em Vitória e Vila Velha. O documento, assinado por parlamentares do PT, representou as demandas de entidades estudantis, que cobram educação pública de qualidade. A carta chegou às mãos do ministro pelo deputado estadual João Coser e pela vereadora de Vitória Karla Coser. Também é assinada pela deputada federal Jack Rocha. Eles se reuniram com representantes da Unidade Nacional dos Estudantes (UNE) e do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Estado (Ufes).

Os principais pontos de insatisfação, reiterados no documento, são a flexibilização do conteúdo e o aumento da carga horária. No primeiro caso, por alterar disciplinas como História, Geografia, Biologia, Filosofia e Sociologia, ressaltadas como fundamentais para a formação do senso crítico dos estudantes. Já o outro, por agravar problemas como a evasão escolar; dificuldades de mobilidade dos estudantes e de horário para trabalhar; disparidade entre escolas públicas e privadas; e a desigualdade social.

Os parlamentares criticaram que a efetivação do novo ensino médio, por Medida Provisória (MP), tenha ocorrido no “governo antidemocrático” de Michel Temer (MDB) e “sem diálogo com quem vive a realidade das escolas”. Apontaram como consenso a necessidade de reformulá-lo, mas não por meio da “precarização da educação”, que desconsidera a “formação humana integral para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, conforme artigo 3º da Lei 9.384/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação”.
Em busca desses objetivos urgentes, apontaram como prioridades o cumprimento da Lei do Piso Salarial pelos estados e municípios; investimentos na estruturação das escolas; passe livre para os alunos da rede pública; alimentação com preço justo; política de assistência capaz de garantir estabilidade na formação; além de criação de condições para que a rediscussão do novo ensino médio aconteça nos estados, permitindo uma “matriz curricular norma formativa, emancipatória, que dê visibilidade à história de seus povos e atenta às questões socioambientais”.

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