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Diversidade e autoestima

A desconstrução de padrões estéticos brancos

O combate ao racismo deve acontecer na rotina das pessoas e dos lugares. A compreensão de que não ser racista é pouco, pois é preciso ser antirracista, não se resume no confronto com o racista, mas na construção do antirracismo. É preciso promover situações de harmonia com a diversidade, mais que isso, situações que possam demonstrar a riqueza que a mistura dos diferentes tem a oferecer ao mundo e à construção de uma sociedade mais harmônica e feliz.

O Brasil, escravocrata até fins do século XIX, construiu um abismo entre o colonizador e o povo preto, mantendo cada um em “seu lugar”: o branco burguês, independentemente de suas posses, e o preto à margem.

Ao meu ver, a desconstrução desse estrago ético precisa de ações inteligentes, que levem em conta a realidade histórica e a evolução do pensamento humano.

Acompanhando eventos ocorridos ultimamente em Vitória, como o MC Mulheres e o 2º Festival de Danças Populares de Vitória, o primeiro no Centro Cultural Carmélia, ou no entorno de suas ruínas, e o segundo na Ufes, me deparo com reflexões dando conta da superação à autonegação estética, muitas vezes instituída na própria família de pretos. Felizmente esses eventos demonstram a superação com consequente valorização e exaltação de sua estética e protagonismo, exaltados naqueles eventos.

Esta constatação, que me chegou partindo das falas do público destes eventos, me levou a refletir na covardia histórica: 135 anos de abolição oficial da escravatura, com o poder mantido nas mãos brancas, introjeção de seus padrões éticos e estéticos na sociedade e o “ethos” eurocêntrico (ou é grego ou é bárbaro).

Exemplos estão descaradamente estampados na linguagem (a coisa está preta ou clareou?), na posição social (racismo institucional, encarceramento, etc.) e no dia a dia dos crimes de racismo e injúria racial, matéria constante dos noticiários. Na prática, o branco ocupando as instâncias de poder e o preto nas cozinhas e porões.

Minha reflexão indica que é preciso ter consciência de focar os dois polos da questão, pois a construção desse “ethos racista” não envolve somente o branco, também afetou, por exemplo, a autoestima do preto, uma vez que foi estabelecido em sua compreensão valores embranquecidos que não o identificam.

Ao considerar um mínimo de evolução no pensamento humano, entendo que o momento é de empenho de todos, no sentido de promover a desconstrução deste preconceito com ações efetivas. Não só o patrulhamento antirracista trabalhando na revisão da linguagem e comportamento público discriminador, mas também e, principalmente, o incremento na luta política pela visibilidade preta e pela ocupação do povo preto nos lugares de poder. Ações construtivas da autoestima preta com eventos culturais de periferia por seu protagonismo, que abram um universo de expressão, próprio e valorativo, mexendo fundo nas bases do que foi instituído belo e sempre o excluiu.

Nossos governos, até então, têm demonstrado interesse na manutenção desse caos, o que fica muito evidente inclusive no fato de termos um Carmélia em ruinas e milhões enterrados na “cabeça de burro” do Cais das Artes.

O caminho antirracista é longo e sua construção precisa acontecer em toda sociedade, tanto junto ao povo branco, para que se envergonhe e pague por atitudes racistas, quanto ao próprio povo preto, para desconstruir os padrões brancos a que foram condicionados e se liberarem para a autorrealização necessária à diversidade do mundo.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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