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PL das fake news

Disputa envolve interesses de diferentes setores da sociedade e de grupos políticos

O debate em torno do projeto de lei para regulação de conteúdo na internet, o PL 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News, gira em torno da controvérsia entre um controle sobre práticas de crimes e ilegalidades e a censura e o fim da liberdade de expressão. Os que defendem o PL das Fake News argumentam que este será um instrumento necessário para identificar e punir desvios na internet como a disseminação de notícias falsas, que podem ter consequências perigosas no mundo real, induzindo pessoas ao erro. De outro lado, os que são contra, argumentam que o controle e punição sobre conteúdos da internet não passam de censura e de uma tentativa de limitar a liberdade de expressão.

O debate é, portanto, uma batalha sobre a versão correta de encarar os novos tempos de pluralidade de informações e notícias, muitas verdadeiras e outras falsas, e a zona cinzenta em que as opiniões podem cobrir os fatos com versões honestas ou enviesadas. O esforço de tentar separar o que é fato, informação, notícia, e o que é invenção, mentira e teorias da conspiração, por fim, é o movimento de entender a ética que irá reger a internet no futuro próximo, se será uma ética pela verdade da informação, contra versões mentirosas que distorcem os fatos e a realidade, ou uma ética da liberdade de expressão irrestrita, em que qualquer tentativa de controle da internet será considerada como censura.

Também é bom ressaltar que por trás do debate da PL das Fake News, no Brasil, para além da questão de cosmovisão ética, há uma disputa que envolve interesses de diferentes setores da sociedade e de grupos políticos. Portanto, existem vieses e interesses, e não somente uma preocupação legítima sobre ser a favor ou contra o PL das Fake News, isso incluindo o próprio interesse das big techs de se defenderem de regulações e leis que possam prejudicar estas empresas financeiramente e que diminuam seu poder de controle de dados (big data) de seus usuários com o desvelamento do funcionamento de seus algoritmos.

O PL das Fake News dormitava no Senado Federal até que eventos políticos extremos, como a invasão dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, e ataques a escolas, que provocaram tragédias, precipitaram novamente o debate e ocasionaram a entrada em regime de urgência para tramitar sem as exigências de formalidades regimentais, em que a pauta é encaminhada de forma mais célere, sem interstícios.

O projeto teve origem no texto de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e tem como relator o deputado federal Orlando Silva (PCdoB – SP). Visa criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e tem como objetivo, sobretudo, o de regular a atuação das big techs no país, o que inclui Google, Meta (Instagram e Facebook), Twitter e Tik Tok, e os serviços de mensageria instantânea, como WhatsApp e Telegram. A regulação das plataformas digitais pelo PL visa uma maior transparência dos provedores de internet que atuam no Brasil e o controle de notícias falsas e discursos de ódio na internet.

É bom lembrar que o PL proposto não aplicará sanções sobre empresas de e-commerce (comércio eletrônico), plataformas de reuniões virtuais fechadas, como o aplicativo Zoom, jogos e apostas online, enciclopédias online sem fins lucrativos, além de repositórios científicos, educativos e de dados do Poder Público. O objetivo é tornar obrigatória a moderação de conteúdos publicados, de modo que contas e publicações que estejam envolvidas com conteúdo criminoso sejam identificadas e excluídas.

Uma mudança em vista, e que não era contemplado pelo Marco Civil da Internet de 2014, em seu artigo 19, é a possibilidade da responsabilização destas empresas de big tech em razão de conteúdos publicados por terceiros. No Marco Civil, as big techs só são implicadas por ordem judicial, no caso do PL das Fake News, além da punição direta, a ideia é criar uma regulação em que estas empresas teriam que cumprir uma série de responsabilidades e obrigações. Avaliações periódicas sobre “riscos sistêmicos”, no que se refere ao funcionamento dos algoritmos, sistemas de moderação de conteúdos, termos de uso e suas aplicações serão este novo regime proposto pelo projeto.

O protocolo de segurança do PL tem uma lista de crimes e irá notificar a empresa ou rede social para remoção de conteúdo caso configure crime que esteja previsto nesta lista, o que pode incluir, por exemplo, crimes contra a democracia, o Estado de Direito, terrorismo, incitação ao suicídio, mutilação, contra a infância e adolescência, racismo, violência contra a mulher, infração sanitária, etc. E dentre as determinações do PL, está que as provedoras de redes sociais estabeleçam sedes no Brasil, além da criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet para regulamentar e fiscalizar os provedores, a proibição da criação de contas pessoais falsas, e a proibição do uso de “bots” (contas automatizadas geridas por robôs), dentre outras medidas.

O revés em torno do texto do deputado Orlando Silva (PCdoB – SP), por sua vez, se deu pela controvérsia da criação de um órgão regulador que fiscalizaria as atividades das redes sociais, o que poderia ser a configuração de um controle estatal de conteúdo, o que muitos ironizaram, fazendo um paralelo com a obra 1984 de George Orwell, da criação de um Ministério da Verdade, em que o que é fato ou mentira seria decidido por órgãos de Estado. Parlamentares da oposição ao governo Lula, então, defenderam a proposta de Mendonça Filho (União Brasil – PE), um novo projeto de lei, que foi apensado ao PL 2630/2020, em que um dos principais pontos é a exclusão deste órgão regulador.

O PL das Fake News é inspirado na legislação recente feita na União Europeia, que é a Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês). A oposição das big techs usa o argumento da censura para combater a regulamentação das redes sociais, mas suas preocupações são financeiras, pois tais mudanças implicariam em limitações e novos custos.

No caso do Brasil, tramita na Câmara um texto com dispositivos novos em relação às atividades jornalísticas que não estavam contempladas no projeto original aprovado no Senado. Este novo escopo da lei brasileira visa remuneração de autores de conteúdo jornalístico e artístico compartilhados nestas plataformas, medida apoiada, por exemplo, pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) e pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). O modelo é semelhante ao adotado na Austrália e lá tem beneficiado empresas grandes e pequenas, sobretudo na contratação de profissionais do jornalismo.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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