Manifestações de 2013 têm, porém, um legado positivo, aponta Filipe Skiter (PSTU), um dos participantes dos atos
E não era mesmo por 20 centavos. Essa constatação é cada vez mais visível 10 anos depois das manifestações populares de junho de 2013, as chamadas “Jornadas de Junho”, que sacudiram o país e serviram para mudar a história e provocar um despertamento da onda fascista fortalecida na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), desde o fim da ditadura, em 1985, camuflada em quartéis e outros recantos ultraconservadores. O Espírito Santo também foi cenário desses atos e sentiu as repentinas mudanças da cobertura midiática, que passou a dar maior ênfase a setores de oposição ao governo, com o apoio de grupos empresariais inclusive de outros países e a participação da operação Lava Jato, alvo de denúncias nos últimos dias.
Em junho de 2013, de um protesto de jovens nascido em São Paulo contra o aumento no preço das passagens dos transportes coletivos, de R$ 0,20, o movimento espalhou-se por todo o Brasil e foi cooptado pelas forças de direita, transformando-se na principal frente para a demonização da política dos partidos de esquerda, com maciço apoio da imprensa tradicional.
“As manifestações de junho de 2013 foram as maiores de massas da minha geração no Brasil. Foram maiores que o Fora Collor, inclusive, comparando-se apenas com os grandes atos pelas diretas já de 1984”, comenta Filipe Skiter, técnico-administrativo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e presidente estadual do Partido Socialista dos Trabalhadores Unidos (PSTU), na época estudante de mestrado e um dos participantes das manifestações.
No Espírito Santo, o movimento ganhou repercussão nacional com a marcha de mais de 100 mil pessoas, a maioria jovens que saíram da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e da Universidade de Vila Velha (UVV). Skiter acha que houve ganhos nas manifestações e cita a ocupação da Assembleia Legislativa por 11 dias, sendo estabelecido um confrontou diretamente com o poder estadual, na época conduzido pelo atual governador, Renato Casagrande (PSB).
“Como resultado, o pedágio da Terceira Ponte foi revogado (caiu de R$ 1,90 para zero) e depois, no fim do ano, foi restituído a R$ 0,80 em cada trecho. Essa foi talvez a maior vitória econômica das manifestações de junho de todo o país. Até hoje, 10 anos depois, o pedágio custa menos do que custava antes de junho de 2013 (era R$ 3,80 ida e volta e hoje R$ é 2,80 valor único). Não é possível interpretar uma vitória dessa magnitude como reacionária ou mesmo conservadora. Esse é o verdadeiro legado de junho de 2013”, enfatiza Skiter.
Os atos em Vitória foram marcados pela depredação no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), as cabines do pedágio da Terceira Ponte e saque em lojas, a cargo de uma minoria dispersada pela tropa de choque da Polícia Militar, com o uso de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Afinal, era coisa de vândalos, afirmavam os órgãos de segurança e a mídia tradicional.
Não era. Era muito mais. Os atos, no entanto, apontados inicialmente como um movimento de vândalos, foram cooptadas por forças de direita, transformando-se na principal frente para a demonização da política, dos partidos de esquerda, com maciço apoio da imprensa tradicional, que resultaram no impeachment de 2016 da então presidente Dilma Rousseff (PT).
A partir dessa distorção, começa então a abertura de canais propícios à eleição de Bolsonaro, com a colaboração da operação Lava Jato, que vem sendo desmascarada neste mês com os escândalos envolvendo o ex-juiz Sergio Moro e o ex-deputado federal Deltan Dellagnol, cassado por fraude eleitoral.
Logo, organizações como o Instituto Millenium, Movimento Brasil Livre (MBL) e Instituto Liberal surgiram no cenário político, trazendo à tona figuras ainda hoje atuantes, tanto da direita quanto da esquerda. O neoliberalismo mundial apossou-se das ações e montaram estruturas no térreo já sedimentado pela crise mundial e a operação Lava Jato. O apoio da mídia, das igrejas evangélicas e de setores da esquerda possibilitou uma alteração do quadro, com o surgimento de novos atores políticos.
O vereador de Vitória Armandinho Fontoura, então no PSDB, um dos organizadores do movimento “Vem pra rua” no Espírito Santo, é um dos exemplos. Dez anos depois, está preso desde dezembro de 2022 por envolvimento em ataques à democracia e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e afastado das funções na Câmara Municipal. Ele atua no campo da direita, com outros políticos eleitos no âmbito conservador, valorizado desde as manifestações com o discurso falso de combate à corrupção e defesa da família e dos bons costumes.
Para Filipe Skiter, as manifestações abriram “uma nova correlação de forças na história do país, marcada por uma ruptura da juventude, da classe trabalhadora precarizada e dos setores médios com os governos de conciliação de classes do PT, que foram às ruas para reivindicar tudo o que lhes foi negado nos últimos 500 anos. Todos foram às ruas, cada um com seu cartaz e sua pauta”.
Skiter aponta que, “como a maior parte da esquerda atuou sobre esse processo para defender o governo ao invés de fortalecer as manifestações e a luta pelo atendimento dessas pautas, foi-se abrindo, pouco a pouco, espaço para a ocupação da liderança das manifestações que se seguiram em 2014, 2015 e 2016 para a direita como o MBL e Vem Pra Rua, porque como sabemos, não existe vácuo na política”.
Em seu entendimento, “o governo Dilma e o PT também não souberam se apoiar nas manifestações legítimas das massas para confrontar o Congresso Nacional e arrancar grandes conquistas que possibilitassem a melhoria da vida do povo, pois seu compromisso era com os banqueiros e empresários”.
Skiter destaca: “Nada do que aconteceu depois de junho de 2013 tira o valor genuíno daquelas manifestações espontâneas, pois abriu uma janela histórica para a revolução e a contrarrevolução, infelizmente, nesse caso, os revolucionários não tiveram força suficiente, mas negar a importância de junho por conta do impeachment de Dilma ou a ascensão de Bolsonaro, seria o mesmo que negar a importância da Revolução Francesa por conta dos jacobinos ou a ascensão de Napoleão, ou mesmo negar a importância da Revolução Russa por conta da ascensão de Stalin na Rússia ou de Hitler na Alemanha. A esses fatos que sucedem grandes acontecimentos, seus resultados dependem da luta de classes, como diria o velho Marx”.