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Debate sobre pesca assistida tem tumulto e bate-boca na Câmara de Vitória

Estratégia é tida como solução para tirar a pesca artesanal da marginalidade e proteger biodiversidade

Leonardo Sá

A Câmara de Vitória iniciou nesta terça-feira (13) um diálogo com pescadores artesanais  para implementar a pesca assistida. O encaminhamento foi feito após uma sessão tumultuada por agressões trocadas entre o vereador Luiz Emanuel (Republicanos) e pescadores que estavam na galeria do plenário.

O parlamentar é autor da Lei municipal nº 9.077/2017, que proíbe a pesca marinha em toda a cidade até a distância de uma milha e, no ano seguinte, como secretário de Meio Ambiente na gestão de Luciano Rezende (Cidadania), passou a exigir sua implementação. Desde a promulgação da normativa, os pescadores vêm realizando seguidos protestos, reclamando da condição de criminalização da profissão, que é milenar na capital capixaba. Mas até então, nenhuma ação por parte do Executivo ou do Legislativo haviam sido iniciadas.

O gancho para o protesto desta semana foi uma apreensão de redes e portas de arrasto de camarão feito no dia 6 de junho por meio de uma operação conjunta de fiscalização entre a Prefeitura de Vitória, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e as polícias Ambiental e Federal.

Os camaroeiros prejudicados procuraram primeiro a superintendência do Ibama, pois a justificativa apresentada no momento da operação para apreender o material de trabalho foi uma portaria do Ibama, segundo relata o presidente da Colônia Z-5, da Praia do Suá, Álvaro Martins da Silva, o Alvinho. No Ibama, no entanto, não obtiveram qualquer sinal de devolução do material apreendido nem suspensão das multas, que passam de R$ 1,7 mil.

Na Câmara de Vitória, o pleito foi a criação de uma lei quer permita a implementação da pesca assistida, alternativa já apresentada anos atrás pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca), como viável para conciliar a manutenção da pesca artesanal com a proteção da biodiversidade.

“A gente não quer pegar tartaruga marinha, nós somos protetores de tartarugas marinhas. A gente quer é bater nossa rede e pegar tainha, sarda. Ninguém quer arrastar na baía de Vitória. Quem quiser fazer isso tem que ser preso”, afirma Alvinho, destacando o animal ameaçado de extinção que dá nome à Área de Proteção Ambiental criada em 2018 na costa da capital, a APA Baía das Tartarugas.

O presidente da Colônia ressalta que as tartarugas marinhas ocorrem muito nas praias do Iate Clube e próximo ao píer de Iemanjá e também ao lado da Capitania dos Portos, na Enseada do Suá. “Mas ninguém quer colocar rede ali. Se bater rede ali, mata dez tartarugas de uma vez. Tem que ser proibido mesmo”, reforça.

A viabilidade da pesca assistida é para a área entre o píer de Iemanjá e a Ponta de Tubarão, numa distância de aproximadamente 300 metros da costa. “A pesca assistida é 90% em Camburi, a 300 metros da costa até uma milha. Ali dá sarda, tainha, e não tem tartaruga marinha. Mas se cair alguma na rede, a gente solta, porque é pesca assistida, controlada”, explica.

Agressões

Ele conta que o encaminhamento pela pesca assistida foi feito pelo presidente da Câmara, Leandro Piquet (Republicanos), após o tumulto protagonizado por Luiz Emanuel. “Ele saiu do plenário e foi até a galeria onde estavam os pescadores, que estão muito bravos com ele, por ter criado essa lei em 2017. Teve empurra empurra e até tapa. Eu estava do lado e consegui ajudar a separar”, relata Alvinho.

Defendendo os pescadores, vereadores lembraram a importância da profissão e a necessidade que, diante de um bem coletivo, que é a proteção da biodiversidade, sejam fornecidas condições de trabalho dignas. “Qual alternativa foi dada a eles quando tiveram que parar de trabalhar? Quando a Vale, BHP, essas empresas multinacionais, soterraram 700 km do Rio Doce com rejeitos, ninguém falou para elas: para de trabalhar”, comparou o vereador André Moreira (Psol).

“Contem conosco. Não vou poder ajudar muito na conversa com o prefeito, então vão até o Duda [Duda Brasil, União], conversem com o Brandino [André Brandino, PSC], tentem fazer um acordo com a prefeitura, mas eu vou dizer uma coisa para vocês, essa prefeitura só age sob pressão. Então quando não der certo com eles, procurem o Psol, nós estamos à disposição de vocês para a luta”.

A gravação da sessão disponibilizada no canal da Câmara no YouTube mostra um momento de tumulto em que o presidente da Casa suspende a sessão. Vídeos caseiros enviados a Século Diário no estacionamento da Câmara flagram Luiz Emanuel discutindo com os pescadores antes de entrar em seu carro, mostrando que os desentendimentos não cessaram com a suspensão da sessão.

Após o término, Piquet pediu a formação de uma comissão de cinco lideranças pesqueiras para ajudar a debater a normativa. Uma nova reunião foi marcada para esta quarta-feira (14), às 16h30, com mais vereadores, conta Alvinho, para possivelmente já tratar da elaboração de um PL.

Do municipal para o federal

Em junho passado, em entrevista a Século Diário, o secretário-executivo do Compesca, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Nilamon de Oliveira Leite Junior, mencionou a existência de uma minuta de portaria federal visando autorizar a pesca assistida nas duas principais baías de Vitória, por conta exatamente da portaria do Ibama que proibia a atividade a menos de três milhas da costa. Mas, por conta da proibição estabelecida em 2017 pela lei municipal, essa tramitação foi suspensa.

“As discussões do Compesca ficaram então paralisadas, porque não adiantaria mais revogar a legislação federal e promulgar a portaria. Nós entramos em contato com a prefeitura, discutimos com o setor técnico da Semmam [Secretaria Municipal de Meio Ambiente], mas a princípio a prefeitura não foi favorável à ideia da liberação da pesca assistida. Os pescadores continuaram lutando pela demanda”, relata o secretário-executivo do Compesca.

Ele explica que, somente a partir de um aceite do Município – agora sob gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) e com Tarcísio Foeger à frente da Semmam – o Compesca pode voltar a tocar o processo para revogar as leis federais. Permitida a pesca assistida, seria necessário ainda monitorar a aplicação da técnica, para verificar viabilidade a longo prazo.

“Do ponto de vista teórico, a gente viu que, por ser uma pesca seletiva e assistida, em que as espécies ameaçadas seriam soltas vivas, ela poderia ser praticada. Mas a gente teria que avaliar, acompanhar as espécies capturadas e ver se isso seria sustentável, na prática, a longo prazo”, explana.

A pesca assistida, descreve Nilamon, é feita com uma rede comum, porém de forma que o pescador consegue selecionar o que vai ser capturado e o que vai ser libertado. “Eles fazem um cerco artesanal em volta do cardume de tainha, usando pequenas embarcações. Depois de capturar o cardume, eles recolhem a rede”.

A técnica é bem diferente da chamada “rede de espera”, que tem sido muito apreendida na região, onde o pescador deixa a rede armada de um dia para o outro, sem nenhum tipo de verificação nesse período, o que acaba por capturar algumas espécies ameaçadas de extinção, como tartarugas marinhas. Se uma tartaruga cai na rede de emalhe no início da noite, por exemplo, conta Nilamon, ela vai ficar presa ali até a manhã do dia seguinte, morrendo afogada, devido ao longo período sem poder subir à superfície para respirar.

“A pesca assistida não tem essa característica. Nós a usamos inclusive em experimentos para captura de tartarugas marinhas para a gente fazer pesquisa, porque elas vêm vivas. Quando faz o cerco com os barcos, caso alguma fique presa, o pescador está lá vendo e a despesca é feita na mesma hora”.


Estudo lista 278 espécies de peixes na APA Baía das Tartarugas

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https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/estudo-lista-278-especies-de-peixes-na-apa-baia-das-tartarugas-em-vitoria

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