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Congresso Brasileiro de Agroecologia prorroga prazo para submissão de trabalhos

ES tem um dos primeiros livros sobre Agroecologia da América do Sul, publicado por Augusto Ruschi em 1978

Rogério Medeiros

Foi prorrogado para a próxima sexta-feira (30) o prazo limite para submissão de trabalhos a comporem o acervo técnico e científico do XII Congresso Brasileiro de Agroecologia, que acontece em novembro na cidade do Rio de Janeiro.

O tema deste ano é “Agroecologia na Boca do povo” e a expectativa é de superar o último congresso, realizado em Sergipe, com a participação de cinco mil participantes inscritos, entre pesquisadores, docentes, estudantes, técnicos e extensionistas, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais e ativistas dos movimentos sociais.

No Espírito Santo, a Articulação Capixaba de Agroecologia (ACA), ligada à Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), organizadora do evento, tem liderado o fomento às atividades preparatórias, como reuniões de mobilizações e cursos.

Membro da ACA, o engenheiro agrícola Eduardo Sales, servidor público, pesquisador do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e doutor em Agroecologia pela Universidade de Córdoba/Espanha, ressalta a importância da apresentação de trabalhos, como forma de registrar, problematizar e popularizar a Agroecologia. “Podem ser trabalhos técnicos e científicos e também relatos de experiências técnicas e populares. Há também a intenção de trazer vídeos, que não estarão nos anais do Congresso, mas serão selecionados e apresentados. O objetivo é diminuir a invisibilidade, chamando as pessoas para escreverem essa história. Sem perder a essência e a profundidade, mas aproximando das pessoas”.

Nesse sentido, uma das oficinas preparatórias ao congresso foi sobre escrita científica, realizado no Rio de Janeiro em maio, em paralelo a oficinas de escrita mais criativa (tendo os poemas de Cora Coralina como referência) e de escrita denúncia, em que a bióloga e escritora estadunidense Rachel Carson, autora do clássico Primavera Silenciosa, consideradas uma das principais obras relacionadas à agricultura orgânica e agroecologia no mundo.

Participante da oficina, Eduardo cumpriu a missão proposta e submeteu um texto sobre o Cais do Valongo, descoberto durante as escavações para a reforma da zona portuária do Rio de Janeiro em decorrência das Olimpíadas de 2016.

Conforme relata a Riotur – Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, o Valongo foi construído em 1811 para funcionar como ponto de quarentena dos africanos escravizados que ali permaneciam antes de serem enviados para as minas de ouro ou lavouras. Ao longo do tempo, sofreu tentativas de apagamento dessa história de sofrimento do povo negro, tendo sido rebatizado como Cais da Imperatriz, em 1843 e, depois, soterrado para dar lugar à Praça do Comércio. Sua redescoberta, 200 anos depois, motivou o reconhecimento, em 2017, como Patrimônio Mundial pela a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Para Eduardo Sales, o Valongo é um simbolismo de como a crueldade contra o povo africano se refletiu na violência também contra a natureza. “É um texto-denúncia que relaciona a escravidão com a destruição da Mata Atlântica e ambas como resultado de uma economia baseada na mineração e nos monocultivos [de cana-de-açúcar, de café, de pastagem e de eucalipto, numa sequência cronológica] em detrimento de uma agricultura saudável, voltada a proporcionar qualidade de vida e proteção ambiental, como é a Agroecologia”, resume.

Augusto Ruschi e APSAD-Vida

Já em solo capixaba, o pesquisador do Incaper e articulador da ACA destaque aspectos históricos importantes que vão desde o trabalho em campo dos agricultores à produção científica, todos nos primórdios da Agroecologia no Brasil. É o caso da Associação de Produtores Santamarienses em Defesa da Vida (APSAD-Vida), uma das primeiras organizações de produção orgânica (na época chamada de “agricultura alternativa”) do Espírito Santo e do país. “Os agricultores da APSAD-Vida enviaram produtos orgânicos para a Rio 92”, destaca Eduardo.

No campo científico, o naturalista e ambientalista Augusto Ruschi, Patrono da Ecologia no Brasil, tem seu lugar na história. Seu livro intitulado Agroecologia, de 1978, é considerado um dos primeiros publicados na América do Sul, conforme registrou Gustavo Rovetta Pereira em artigo publicado nos anais do último congresso brasileiro, realizado em 2019 e, Sergipe. A obra de Ruschi precede clássicos como o livro homônimo de Miguel Altieri, de 1983, e Manejo Ecológico dos Solos: agricultura em regiões tropicais, lançado por Ana Primavesi em 1984, afirma Gustavo.

“Na perspectiva do autor, é necessário pensar demoradamente uma agricultura coerente com as características ambientais de cada região (…) Deste modo, Ruschi afirmou que diferentemente do solo de regiões de clima temperado, em que a biomassa fica abaixo da terra, nos solos tropicais, a maior parte absoluta deste material fica acima. Por consequência, quando as florestas tropicais são desmatadas, nos primeiros e segundos anos, a terra ainda é fértil, proporcionando uma boa colheita. Porém, em pouco tempo esta fertilidade é perdida”, acentua o articulista, citando também livro do jornalista Rogério Medeiros, fundador deste Século Diário.

Essa exposição dos solos “contribuiu para acentuar o impacto das chuvas na terra, propiciando a erosão e o assoreamento dos cursos d’água, como ocorreu no Espírito Santo, do século XX. Primeiramente, como decorrência do monocultivo de café, das pastagens e do monocultivo de eucalipto”, prossegue Gustavo, ao expor o raciocínio de Ruschi.

Ele acrescenta ainda que, com base no Relatório Técnico sobre Disponibilidade Hídrica publicado em 2017 pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) como parte do Plano Estadual de Recursos Hídricos, “no Espírito Santo, as regiões mais afetadas pela escassez hídrica, foram os municípios em que foram empreendidas formas de manejo que anularam a diversidade de elementos e características das florestas da Mata Atlântica. Onde se desenvolveram pastagens, monocultivo de eucalipto sobre áreas de mananciais e nascentes”.

Visibilidade

“São protagonismos do Espírito Santo que muitas vezes ficam invisíveis. É importante popularizar essa história”, reforça Eduardo Sales. Até mesmo como forma de aproximar a Agroecologia da população e incentivar uma maior vigília social sobre o assunto, pondera.

“O Incaper abriu concurso público recentemente, com apenas uma vaga para Agroecologia. A gente é minoria nas instituições públicas do Executivo e também nas instituições de ensino e pesquisa, como Ufes e Ifes”, critica, destacando uma falta de prioridade com o setor que ficou escancarada este ano com a decisão da Secretaria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) de não estabelecer qualquer orçamento ou estrutura mínima de gestão específicos para a Agroecologia e Agricultura Orgânica, negando todas pautas reivindicadas pela Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo (CPOrg/ES) e chegando a dizer que a agricultura orgânica é demodè.

“Mobilização e Encantarias”

O XII Congresso de Agroecologia vai acontecer de 20 a 23 de novembro no Centro Cultural Fundição Progresso, na Lapa, zona central da cidade, ocorrendo também atividades em outros espaços, como universidade, o Museu da Imagem e do Som e feiras.

Além da ACA, outras 75 organizações sã parceiras para a realização do congresso. Quase metade delas são oriundas da sociedade civil, outras 26 relacionadas a Instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão e Núcleos de Estudo, havendo ainda 15 redes e movimentos sociais com atuação nacional e nove organizações do poder público.

Na Carta CBA Sudeste, o chamado é para “mobilização e encantarias” nos preparativos para o evento. “É tempo de ocupar as ruas com a força que a Agroecologia acumulou nos últimos anos enquanto ciência cidadã, prática ancestral e movimento popular organizado”, afirmam as 76 organizações signatárias.

“Vinte anos após o I ENA – Encontro Nacional de Agroecologia, é novamente no Rio de Janeiro, que nosso bloco da Agroecologia ganha as ruas, ocupa as praças, diferentes espaços públicos e começa a construir sua cozinha de sonhos, histórias e encantamentos. A Agroecologia é convocada a mostrar sua força, a colorir as esperanças após tempos tão sombrios e a mover um convergente movimento preparatório que unifique e amplifique nossas vozes e resistências (…)Vem conosco: esperançar é ação presente!”, convocam.

Saiba mais sobre o XII CBA em https://cba.aba-agroecologia.org.br/

Para submissão de trabalhos, acesse https://cba.aba-agroecologia.org.br/submissao-de-resumos/

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