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Pastoral quer fazer mapeamento dos ciganos no Espírito Santo

Proposta será debatida na Assembleia Nacional da Pastoral do Nômade, que acontecerá em julho, em Ibiraçu

A Pastoral do Nômade quer fazer um mapeamento dos ciganos do Espírito Santo como forma de saber onde estão, conhecer melhor suas realidades e, assim, entender suas demandas e encaminhá-las para o poder público. O assunto será discutido na 34ª Assembleia Nacional da Pastoral do Nômade, que será nos dias 17, 18, 18, 20 e 21 de julho, em Ibiraçu, norte do Estado. A proposta já foi apresentada para a Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH), que encaminhará um representante para o evento para discutir o assunto.

Carla Caliman/APEES

 A diretora executiva nacional da Pastoral do Nômade, Cristina Garcia, afirma que a ideia surgiu durante a pandemia da Covid-19, quando foi necessário identificar onde estão os ciganos no Espírito Santo para que, junto a SEDH, pudesse ser dada assistência, como doação de cestas básicas. O mapeamento, destaca, começou a ser esboçado nesse período, diante dessa necessidade, devendo ser concretizado para fortalecimento da organização desse povo para reivindicação de políticas públicas.

Entrega de cestas do ES Solidário. Créditos: Divulgação

Cristina afirma que, para a criação dessas políticas, não é possível pensar o povo cigano como um só. “Há ciganos de classe média, mas há aqueles que são pobres, que esmolam, que vivem na periferia da periferia, em barracas de lona”, diz. Para a tesoureira da Associação Municipal de Etnias Ciganas de São Mateus (AMEC), Nilcélia de Jesus Santos, o mapeamento pode, inclusive, possibilitar que a comunidade cigana capixaba possa se conhecer melhor, tendo acesso a outros grupos que não sabiam existir.

Além da discussão sobre o mapeamento, a Assembleia contará com um representante do Ministério Público Federal (MPF), que falará sobre a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1387/2022, que cria o Estatuto dos Povos Ciganos e é de autoria do senador Paulo Paim (PT). Já aprovado no Senado, o PL encontra-se na Câmara dos Deputados. Prevê o combate à discriminação e à intolerância e impõe ao Estado o dever de garantir políticas públicas de desenvolvimento econômico e social, além de ações afirmativas. O Estatuto torna obrigatória a coleta periódica de informações demográficas sobre os povos ciganos para servir de subsídio.

Pastoral
A Pastoral do Nômade, no Espírito Santo, existe somente na Diocese de Colatina, entretanto, há possibilidades de expansão. Cristina afirma que, em diálogo com o arcebispo Dom Frei Dario Campos, foi autorizada a criação da Pastoral na Arquidiocese de Vitória. Também há o desejo de fazer o mesmo na Diocese de São Mateus, norte do Estado, mas ainda não foi dialogado com o bispo Dom Paulo Bosi Dal’Bó, o que deve ser feito em breve, afirma Nilcélia, uma das articuladoras em São Mateus.
Cristina afirma que a Pastoral não tem somente cunho religioso. “Não adianta tratar da espiritualidade deixando de lado a carência na garantia de direitos humanos”, diz. Um dos principais problemas enfrentados pela pastoral dentro da própria igreja é o fato de que muitas pessoas nas paróquias têm preconceito contra os ciganos. “Há uma ideia errada de que cigano rouba, tira vantagem das pessoas. Tem muito preconceito enraizado”, diz. Para ela, a realização da assembleia nacional no Estado pode fazer com ela seja fortalecida no Espírito Santo.
Nilcélia acredita que a Pastoral pode ajudar a combater essa discriminação. Em São Mateus, afirma, há comunidades católicas que não incluem os ciganos. “A Pastoral pode ajudar a mudar essa mentalidade. Muitos acham que cigano não trabalha, é vagabundo, porque a gente aqui trabalha principalmente na agricultura, na informalidade, mas muitos estão na informalidade justamente por causa do preconceito, da exclusão no mercado de trabalho”, diz.
Além dos ciganos, a Pastoral também atua com outros nômades, como os circenses, principalmente de circos pequenos, tradicionais, que passam de pai para filho. A situação deles no pós-pandemia será discutida na Assembleia. “Eles ficaram mais ou menos dois anos sem atuar. Sofreram muito. Tiveram que vender muito do que tinham”, diz Cristina.

Associação

Além da Pastoral, os ciganos buscam se articular de outras formas. Em maio, a diretoria da recém-criada Associação Municipal de Etnias Ciganas de São Mateus (AMEC) tomou posse durante o Encontro da Comunidade Cigana de São Mateus. Nilcélia, que é tesoureira da entidade, afirma que o objetivo dela é mobilizar a comunidade cigana da cidade em prol de seus direitos.
Jorge Alex

Isso se expressa, de acordo com Nilcélia, em situações como as de crianças e adolescentes ciganos. Muitos abandonam os estudos antes mesmo da conclusão do ensino fundamental por causa da discriminação vivida no ambiente escolar. “No colégio, eles costumam ficar juntos porque não são aceitos por outros alunos, que não querem fazer trabalho em grupo com eles. Os pais não querem que seus filhos frequentem nossas casas”, relata. Diante disso, Nilcélia defende a realização de ações educativas por parte do poder público.

Outra forma como o preconceito se expressa é principalmente contra as mulheres, devido às vestimentas. “Se saímos com as vestimentas tradicionais, as pessoas olham de forma duvidosa, quando entramos na loja, acham que vamos roubar. Nosso Brasil tem várias culturas, cores, tem que ter ações que busquem trazer um olhar diferenciado para a comunidade. Com a associação, esperamos que a sociedade tenha um olhar diferente para os ciganos, que quando a gente passar na rua, tenham consciência de que somos pessoas normais, que se abram portas, como a do mercado de trabalho”, projeta.

Jorge Alex

Além disso, uma das demandas que a Associação pretende sanar é a realização de aulas de alfabetização para adultos. Nilcélia explica que a maioria da comunidade cigana de São Mateus, composta por 300 famílias, mora em casas, não vivendo mais uma “vida errante”. Contudo, principalmente os mais velhos, quando eram nômades não tiveram condições de estudar por mudarem de local de tempos em tempos. Por isso, há entre eles um grande índice de analfabetismo.

Nilcélia afirma que o fato de não saber ler e escrever dificulta o acesso às políticas públicas, como a de saúde, uma vez que as pessoas não conseguem ir sozinhas até a Unidade Básica de Saúde (UBS), por não poder ler o itinerário dos ônibus. Assim, ficam dependentes de alguém que os leve. A Associação, conforme consta no estatuto, busca promover ações em diversas áreas, como cultura, saúde, esporte, lazer, saúde, educação, meio ambiente, e, inclusive, realizar formação de profissionais dos setores público e privado que atuem na prestação de serviços para a comunidade cigana.

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