Entidades religiosas e sociais do Território do Bem, em Vitória, divulgaram, nessa segunda-feira (26), uma carta em que manifestam indignação e espanto com “a forma simplista, equivocada e oportunista com que o secretário de Segurança do Estado [Alexandre Ramalho] lida com o fenômeno da violência no Espírito Santo”.
A elaboração do documento foi motivada pela maneira como o gestor vem se posicionando diante do tiroteio que aconteceu na madrugada desse sábado (25) para o domingo (26), na região que compreende Jaburu, Morro da Floresta e Gurigica. O tiroteio fez uma vítima fatal, o aposentado Daniel Ribeiro Campos da Silva, atingido na cabeça por uma bala perdida. Ele estava internado há dois anos em um hospital da Avenida Leitão da Silva.
Assinam a carta o Fórum Bem Maior, Grupo Nação, Associação de Moradores de Jaburu, Associação de Moradores de Floresta, Atelier de Ideias, Paróquia Santa Teresa de Calcutá e Fórum das Juventudes do Território do Bem.
As entidades afirmam que Alexandre Ramalho atua “isentando-se de qualquer responsabilidade e atribuindo-a [violência] ao tráfico de drogas, à ausência de leis rígidas e às famílias empobrecidas, sem analisar a responsabilidade do Estado e dos agentes de segurança no fornecimento das armas de fogo usadas pelos agentes do tráfico”. Dizem, ainda, que “antes de analisar, investigar e concluir as investigações, o secretário já decidiu quem são os responsáveis pela violência que mais uma vez ocorreu no Território do Bem”.
Esse posicionamento, apontam, “mostra a falência do modelo de segurança pública gestado por ele, que é o de criminalizar os moradores das periferias e atribuir ao tráfico de drogas toda responsabilidade pelo que ocorre, além de acusar os familiares dos jovens mortos pela vida precária que vivem, como se houvesse emprego formal para as juventudes das periferias ou tivéssemos uma polícia que respeita os Direitos Humanos”.
As instituições afirmam que, na política de segurança em curso, o secretário “instiga e incita mais violência, ao dizer que são necessários mais mandados de busca e apreensão para prender a juventude empobrecida, revelando, assim, sua incompetência em formular uma política de segurança intersetorial, uma vez que os projetos sociais na região carecem de investimentos do poder público. Não é de hoje que os movimentos populares reivindicam uma política de segurança que não seja produtora de morte de jovens negros e pobres”, destacam.
São recordadas na carta algumas reivindicações feitas pelos moradores da região, como uma ouvidoria autônoma e independente que acompanhe as condutas e investigações acerca das operações que acontecem na localidade. “Por isso, continuamos a perguntar: por que ao invés de investir em câmeras acopladas aos uniformes dos policiais, o Estado está investindo milhões em rifles Israelenses que logo estarão sendo usados pelo tráfico? Quantos milhões o Estado gastou na compra dos rifles Israelenses e quanto destinou para investimentos em políticas sociais?”, questionam.
Também é relatado na carta que, no último final de semana, um adolescente de 16 anos, chamado Carlos Eduardo Cabral de Oliveira, morador do Território do Bem, foi asfixiado e espancado até a morte, “o que causou indignação e revolta da população, acendendo o estopim que culminou nas diversas formas de violência que aconteceram no Morro do Jaburu e adjacências”. O texto prossegue dizendo que o adolescente tinha uma família residente há mais de 50 anos na região, “e como tantos outros adolescentes recolhidos nas unidades socioeducativas ou reintegrados ao convívio familiar, necessitava da proteção e estímulo do Estado e não sofrer uma morte violenta nas mãos de seus agressores”.
As instituições exigem que as circunstâncias da morte do adolescente devem ser investigadas, respondendo a perguntas como quem o abordou, o horário e local, e quem o matou e o porquê. “Infelizmente, este não é o primeiro esclarecimento público que fazemos sobre o nosso Território, buscando desvelar os acontecimentos, não aceitando narrativas simplistas, rápidas e descontextualizadas das autoridades públicas e da imprensa. Até quando teremos que conviver com abordagens policiais e narrativas que criminalizam os moradores das periferias incitando ainda mais violência?”, reiteram.
A carta finaliza se remetendo ao governador, ao afirmar que “já passou da hora de Renato Casagrande [PSB] ouvir o que pedimos reiteradamente há anos. A violência que acontece na periferia é uma resposta à violência do Estado, principalmente, à política equivocada de segurança em curso no Espírito Santo, e o governador sabe disso”.
Em reunião entre moradores da região onde houve o conflito, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e a paróquia Santa Teresa de Calcutá, em Itararé, no Território do Bem, foi definida a realização de uma celebração ecumênica na praça do Cajun de Jaburu, nesta terça-feira, às 19h. As comunidades pretendem realizar ainda esta semana uma manifestação.
Ainda segundo o superintendente, no ponto de onde provavelmente foi feito o disparo, tinha vários efetivados na direção do hospital, da Leitão da Silva e de viaturas da PM que se encontravam na avenida, além de perfuramentos de vidraça na região. Houve, inclusive, tiros no prédio da Reitoria do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), na Avenida Rio Branco, em Santa Lúcia.