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‘Emissário submarino vai na contramão do avanço da engenharia sanitária’

Sanitarista Ricardo Franci vê com preocupação proposta da Cesan e aponta soluções mais modernas para a Serra e o ES

Arquivo pessoal

A possibilidade de construção de um emissário submarino para lançamento de esgoto tratado no litoral da Serra, em análise pela Companhia Espírito- Santense de Saneamento (Cesan), é vista com preocupação pelo engenheiro civil Ricardo Franci, sanitarista e doutor em Engenharia do Tratamento de Águas na França.

Mesmo sem conhecer detalhes do projeto, que não foi tornado público pela concessionária, o pesquisador alerta para a disponibilidade de tecnologias mais condizentes com o momento atual do saneamento básico, orientado por visões menos antropocêntricas e muito mais integrais da engenharia sanitária e da gestão de territórios, além das características socioambientais de um município tão populoso como a Serra.

A possibilidade do emissário submarino também provocou reação enérgica do secretário de Meio Ambiente da Serra, Claudio Denicoli. Em depoimento na reunião da última quinta-feira (6) da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, Denicoli se disse “muito preocupado” e fez várias denúncias sobre a má qualidade do saneamento básico no município, apontando falhas sistemáticas na Parceria Público Privada (PPP) entre a Cesan e a empresa Ambiental Serra.

O presidente do colegiado, por sua vez, deputado Fabricio Gandini (Cidadania), disse que vai acionar a Justiça para fazer as análises independentes sobre a qualidade da água na Serra. “Também solicitei à Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agehr) cópias das outorgas das estações de tratamento, assim como dos licenciamentos no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema)”, destacou.

Confira a seguir a entrevista com o professor Ricardo Franci:

Qual sua avaliação sobre a possibilidade, anunciada pela Cesan e criticada pelo secretário de Meio Ambiente da Serra, Sergio Denicoli, de incluir a construção de um emissário submarino para lançar esgoto tratado no mar?

É fato que o lançamento de esgoto bruto ou parcialmente tratado nas lagoas naturais de Serra está na origem da degradação destes corpos d’água. Emissários submarinos são uma solução de engenharia antiga para a disposição do esgoto na natureza, que, no caso de Serra, podem evitar o lançamento de esgoto que provoca a eutrofização destes corpos d’água. Levando-se em consideração critérios de concepção e projeto rigorosos, que contemplem a análise de variáveis técnicas, econômicas e ambientais, um emissário pode se constituir em uma solução viável para o esgotamento sanitário de uma determinada região. Sua rationale [justificativa] se baseia na elevada capacidade de dispersão e depuração dos poluentes no ambiente marinho, através de uma longa tubulação que lança o esgoto tratado a grandes profundidades. Entre as suas vantagens estão a elevada capacidade de dispersão e depuração do esgoto no ambiente marinho, a baixa complexidade do processo, a capacidade de processar grandes vazões de esgoto parcialmente tratadas no continente. No entanto, algumas desvantagens associadas a esses sistemas exigem uma análise criteriosa do projeto. Algumas delas são:

1. Impacto ambiental: embora os emissários submarinos possam dispersar os efluentes de esgoto no oceano, eles ainda podem ter um impacto negativo no ecossistema marinho. Os compostos orgânicos e produtos químicos presentes no esgoto podem causar a eutrofização da água, levando a problemas como o crescimento excessivo de algas e a diminuição da quantidade de oxigênio disponível para outras formas de vida marinha.

2. Destruição de habitats: durante a instalação de emissários submarinos, podem ocorrer danos físicos a habitats sensíveis, como recifes de coral e leitos marinhos. Isso pode resultar na perda de biodiversidade e na destruição de ecossistemas importantes.

3. Problemas de saúde pública: embora os emissários submarinos sejam projetados para dispersar efluentes tratados no mar, ainda pode haver a presença de bactérias, vírus e outros patógenos na corrente líquida lançada. Isso representa um risco potencial para a saúde pública, especialmente se as praias ou áreas costeiras próximas forem frequentadas por banhistas.

4. Desprezo pela conservação da água: a construção de um emissário submarino pode criar uma mentalidade de que a água é um recurso infinito e que não é necessário se concentrar na sua conservação ou no tratamento adequado do esgoto. Isso pode levar a práticas de uso insustentável da água e à negligência da prática do reuso de água.

5. Vulnerabilidade a desastres naturais: os emissários submarinos estão sujeitos a danos causados por desastres naturais, como tempestades, furacões ou terremotos, eventos com baixa probabilidade de ocorrer na nossa região. Não obstante, interrupções na infraestrutura podem resultar em vazamentos de esgoto não tratado, causando poluição da água e danos adicionais ao meio ambiente.

Outro aspecto importantíssimo é a necessidade de realização de um estudo criterioso das correntes marinhas para subsidiar o projeto de um emissário submarino, garantindo a dispersão adequada do esgoto, a proteção de áreas sensíveis, a previsão de impactos e a segurança da infraestrutura.

Mesmo sem conhecer detalhes do projeto, a princípio, pensar em um emissário submarino no ano de 2023 é preocupante, do ponto de vista tecnológico? Por quê?

O ponto mais relevante sob esse aspecto é que a solução em questão, se de fato for implantada, vai na contramão das tendências mais modernas da engenharia sanitária. O afastamento do esgoto das regiões urbanas, para evitar o contato com a população e solucionar o problema alhures, é uma abordagem de cunho antropocêntrico, que foi a base do saneamento no século XX. No século XXI, com o amadurecimento de conceitos como economia circular, economia de baixo carbono, economia verde e conservacionismo, somente para citar alguns, deram origem ao saneamento focado na recuperação de recursos. Isso significa que o esgoto deixou de ser considerado um resíduo e passou a ser considerado uma fonte de recursos com alto valor agregado, notadamente a água doce, os nutrientes e a energia química. Tome-se como exemplo o projeto recentemente anunciado pelo governo do Espirito Santo, que prevê o fornecimento de água de reuso para a empresa ArcelorMittal na Serra. O fato é que não existe somente esta empresa no município e que é importante considerar o polo industrial ali existente como um ávido consumidor de água de reuso, antes de se cogitar o descarte do esgoto no mar. No tocante à energia, a matéria orgânica presente no esgoto pode ser convertida em biometano, que pode ser aproveitado na geração de energia elétrica e calor, tal como vem sendo realizado em diversas ETEs no Brasil e no mundo. Finalmente, os nutrientes Nitrogênio e Fósforo presentes no esgoto podem ser reciclados na agricultura, tal como foi amplamente demonstrado pelo Incaper [Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural] através do projeto Biossólidos na agricultura. É curioso notar que este é o maior e mais detalhado programa de aproveitamento de lodos de esgoto na agricultura do Brasil, mas que simplesmente não é colocado em prática em nenhuma cidade do Estado. Vale frisar que, com a implantação de um sistema de esgotamento sanitário com emissário submarino na Serra, a possibilidade de aproveitamento dos recursos água doce (reuso), energia e nutrientes do esgoto será significativamente reduzida.

Grosso modo, pode-se mencionar outras soluções tecnológicas mais apropriadas para o momento atual e para a região em que se pretende instalar o emissário?

Não tenho detalhes do projeto que está sendo estudado, porém acredito que a solução economicamente mais viável e mais sustentável para as gerações futuras, será aquela que considerará o esgoto como fonte de recursos com alto valor agregado, notadamente a água doce, os nutrientes e a energia química.

‘Em estudo’

Em nota, a Cesan informa que “realiza um estudo de viabilidade de implementação de um emissário submarino em Serra, bem como o custo extra e o reflexo dessa ação no contrato, tanto da Parceria Público-Privada (PPPs) quanto no contrato de Programa (entre a Cesan e a Prefeitura da Serra)”. A ideia inicial, prossegue, “consiste em um sistema de estações de bombeamento que levarão o esgoto da cidade até uma estação, em Jacaraípe, onde ele seria tratado e levado, então, por uma tubulação, até o fundo do mar”.

Também em nota, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) afirma que “haverá acompanhamento do órgão apenas quando houver requerimento de licença [para a construção do emissário submarino]”, e destacou que “no momento, a ação ainda está em pré-estudo, entretanto, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) já comunicou que há necessidade de EIA/Rima para atividade”.

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