Trabalhadores do mar de Vitória contam terem sido coagidos na prestação de contas de Pazolini na Câmara
O projeto de lei do vereador de Vitória André Brandino (PSC) é mais uma armadilha do que uma solução para a criminalização a que os pescadores foram lançados em 2017 com a publicação da Lei 9.077, e que prossegue na atual gestão municipal, de Lorenzo Pazolini (Republicanos). A avaliação é dos próprios pescadores que, juntamente com vereadores como André Moreira (Psol) e Karla Coser (PT), constroem uma articulação mais ampla para de fato retomar a legalidade da profissão tradicional, de forma conciliada com a conservação ambiental.
“Só revogar a lei não resolve. A gente precisa de apoio do governo do Estado e até do federal. Tem coisas com relação à portaria do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis] que também precisa ver, tem a pesca assistida. Só revogar a lei pode fazer a sociedade achar que a gente é contra o meio ambiente, acaba sendo uma armadilha contra nós pescadores. A gente precisa de uma solução de verdade”, pondera João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia, presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes).
A marisqueira Fernanda Silva, da Ilha das Caieiras, reforça a posição. “Quando a gente leu o PL do Brandino, viu que não adiantava só revogar a lei municipal. A Karla Coser e o André Moreira estão construindo um projeto que possa resolver a situação no municipal e no federal. Isso o prefeito não falou na Câmara, ele não explicou esse contexto, porque eles dois não assinaram”, relata, referindo-se ao debate sobre o assunto que aconteceu durante a prestação de contas de Pazolini para os vereadores nesta quarta-feira (12).
A sessão, aliás, lamenta a marisqueira, foi marcada por desrespeito e agressões por parte dos apoiadores do prefeito, que lotaram a galeria de forma até beligerante. “O que aconteceu lá foi terrível, eu fiquei com medo”. Os pescadores que foram se manifestar contra a atuação da atual gestão em relação à categoria, afirma, foram cerceados de manifestação.
“A gente não teve direito de se manifestar. O pessoal do Pazolini, os comissionados, os parentes, chegaram cedo lá e ocuparam todo o espaço. Eu cheguei bem cedo também com outros cinco pescadores e fomos para galeria em cima do plenário. Mas na hora chegou gente dizendo que quem era contra Pazolini tinha que descer. Eu estava perto de uma senhora de idade que falaria da questão dos aposentados, e ela foi desacatada. Eu como mulher, fiquei com medo. Decidimos descer. Só que chegando lá embaixo, na fila, para dar o nome e o CPF, a gente conversando, brincando, que ‘iria entrar na lista negra de Pazolini’, veio uma mulher gritando, ela agrediu, bateu no peito e puxou a camisa de um pescador, eu tive que separar os dois, porque corria o risco dele revidar”, descreve.
“A gente iria colocar um cartaz ‘Fora Pazolini’, mas não deixaram. Só deixaram colocar ‘pescador não é bandido’, essas coisas, e só na parte de trás. Os seguranças do plenário também falavam coisas contra a gente. Eu fiquei com medo, não bati palma nem falei nada. Foi horrível”, conta.
‘Irresponsável’
No Plenário, o PL de Brandino foi citado pelo prefeito como sendo, simploriamente, a solução total para o problema, chegando a dizer que a ausência da assinatura de Karla Coser apontava para “estelionato” por parte da vereadora. “Vocês estão sendo enganados. A vereadora diz que apoia os pescadores, então porque não assinou?”, bradou Pazolini, dirigindo-se aos pescadores. Em resposta, a parlamentar também se dirigiu aos pescadores e afirmou “Vocês sabem que a revogação não é a solução”.
Para André Moreira (Psol), a fala do prefeito foi “irresponsável”. “Ele foi irresponsável ao dizer que apenas revogar a lei resolve o problema”, afirmou nesta quinta-feira (13) a Século Diário, acrescentando que tem tratado de soluções reais a curto prazo que possam trazer dignidade ao trabalho dos pescadores, garantindo-lhes o sustento familiar, comprometido desde 6 de junho, devido ao acirramento da fiscalização contra os trabalhadores, com base principalmente na lei municipal, que já foi declarada inconstitucionalizada pela própria Câmara de Vereadores, à época de sua criação.
“Preciso resolver o problema de agora dos pescadores que estão sem trabalhar, mas também pensar em estratégias mais abrangentes”, acrescentou, mencionando intenção de assinar os PLs que a vereadora Karla Coser protocolou.
Em comunicado aos pescadores também após a tumultuada sessão na Câmara de Vereadores, a petista posicionou-se, afirmando que “após muita escuta, diversas reuniões, manifestações em sessão e a audiência pública”, seu mandato protocolou um projeto de lei que “propõe a revogação completa da Lei 9.077/17 e cria outras providências [voltadas à] organização de todo o trabalho para cuidar e garantir os direitos dos pescadores”.
As outras medidas associadas à revogação, lista a vereadora, incluem: criação da Gerência de Pesca dentro do organograma da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam); criação do Fundo Municipal para Aquicultura e Pesca Artesanal; e criação dos planos de manejo e instalação dos conselhos consultivos em todas as áreas de proteção ambiental do município (incluindo a APA das Tartarugas).
“Reforço que não existe nenhum duelo entre o vereador André Brandino e a vereadora Karla Coser, queremos resolver a situação e contamos com o apoio de todos os vereadores. Inclusive, Luiz Paulo Amorim [PV], presidente da Comissão de Meio Ambiente, já assinou o nosso projeto. E esperamos que os demais também o façam para uma construção coletiva e honesta”.