Licença foi negada duas vezes pelo corpo técnico. Um terceiro estudo, mais simples, foi aprovado por outra equipe
A tramitação do pedido de ampliação de atividades da siderúrgica Simec Cariacica dentro do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) é alvo de uma denúncia registrada na Ouvidoria do Governo do Estado. O documento aponta uma manobra da diretoria da autarquia para driblar as decisões do corpo técnico, em detrimento das evidências de danos ambientais e da qualidade de vida da população afetada pela expansão das atividades da siderúrgica, antiga Belgo Mineira e CST Cariacica, hoje vinculada ao grupo multinacional originário do México.
Registrada na Ouvidoria no dia 18 de maio, a denúncia foi respondida pela Secretaria de Estado do Controle e Transparência (Secont) no dia 19 de junho, quatro dias depois de finalizado o processo na autarquia, com a emissão da a Licença de Instalação nº 048/2023.
Incialmente, narra a denúncia, o licenciamento optou pelo estudo mais completo, compatível com a grandiosidade do empreendimento, que é o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), que prevê a participação pública via audiência e a compensação ambiental com valor correspondente ao valor global do empreendimento, como preconiza a Lei nº 9985/2000, que cria o Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC).
Porém, o mesmo não apresentou “a totalidade das informações solicitadas no Termo de Referência”, afirma a denúncia, referindo-se a questões como “ausência das proposições de controle ambientais mais eficientes do que os que se encontram implantados e a falta de argumento técnico favorável à permissão de incremento na taxa de emissão de material particulado da empresa”.
Outro problema cuja solução não foi apontada no EIA, complementa, é o aumento da poluição sonora provocada pela empresa, tema que é motivo de reclamações constantes da população do entorno, tendo sido inclusive alvo de uma ação civil pública (processo n.º 0016801-63.2017.8.08.0012).
Devido a essas e outras lacunas, o EIA foi indeferido pelo corpo técnico. Em entrevista a Século Diário mediante anonimato, o denunciante destaca que o primeiro ponto questionado pela equipe técnica do Iema foi a ausência, no EIA, do detalhamento sobre como a empresa planejava aumentar a produção de 250 mil toneladas por ano para 334 mil ton/ano, sem aumentar as taxas de emissões de poluentes. “As informações complementares encaminhadas não foram suficientes para a tomada de decisão, uma vez que não apresentaram melhorias nos sistemas de controle ambiental, de forma a não permitir aumento da taxa de emissão total de poluentes da indústria. Esta situação, aliada a outras questões pertinentes ao meio socioeconômico, levaram ao indeferimento do Estudo”, explicou.
Findes
EIA indeferido, foi então que a diretoria teria intervido de forma direta, determinando o fracionamento do licenciamento. A decisão tem por base um Acordo de Cooperação estabelecido entre o Iema e a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), a partir do qual foi produzida a Instrução Normativa (IN) nº 7-N/2022, a “IN de alteração de projeto”. A normativa prevê os Formulários de Alteração de Projetos (FRAPs), que permitem um grande empreendimento ter seu licenciamento fracionado em blocos, com análises individuais dos impactos.
“A referida IN foi elaborada sem a ampla discussão com os operadores finais, ou seja, dos agentes responsáveis pelas análises técnicas”, sublinha o denunciante. Quando da apresentação da minuta da IN, relata, “não houve consenso nas discussões com as equipes técnicas”, tendo sido decidido, pelo então assessor da diretoria-presidente e atual gerente da Gerência de Controle e Licenciamento Geral (GGE), Takahiko Hashimoto Junior, que os técnicos poderiam fazer suas contribuições juntamente com a sociedade civil em geral, quando a IN teve consulta pública aberta.
O próprio acordo de cooperação, portanto, está na gênese da manobra que resultou na LI para a siderúrgica, por beneficiar outros empreendimentos que podem ter seus licenciamentos indeferidos se analisados de forma mais rigorosas, como ocorre com o EIA-Rima.
No caso da Simec Cariacica, a decisão de utilizar a IN feita com a Findes foi anunciada pelo atual coordenador Maurício José Castro, segundo a denúncia, “em comunicação interna formalizada junto à equipe”, onde informou sobre “um esforço desenvolvido pela gerência e diretoria [em que] foram propostas alternativas”. A solução foi fatiar o licenciamento da siderúrgica em sete FRAPs, dos quais, um ainda foi indeferido tecnicamente, o que se refere ao laminador de perfis leves, sendo então submetido a um Relatório de Controle Ambiental (RCA), o mais simples dos estudos. Uma nova equipe então, diferente das que fizeram as duas análises pretéritas, aprovou o RCA, abrindo caminho para a publicação da Licença de Instalação.
O problema do fatiamento é que ele “não é adequado para a tomada de decisão relativa a um empreendimento da dimensão da Simec Cariacica, por não ter elementos que permitam avaliar se somados todos os impactos menores de alterações de projetos empreendidas em um mesmo sítio industrial, possam vir a tornar-se impactos significativos e de gestão complexa ou inviável” , aponta a denúncia, acrescentando o “grande histórico de denúncias referentes à operação da planta industrial da Simec, relacionadas à ocorrência de incômodo à população (ruídos e emissões atmosféricas) recebidas por meio da Ouvidoria-Geral do Espírito Santo” e a emissão de diversas intimações e multas contra a empresa por parte do Iema.
“Está em curso uma manobra do Iema – através do coordenador da COEI, do gerente da GGE, diretoria técnica e diretoria presidente – para a regularização ambiental de uma empresa que teve o estudo indeferido pela equipe técnica e cujas atividades são alvo de controle social por parte do MP [Ministério Público], da sociedade local, da Ales [Assembleia Legislativa] e da municipalidade, sendo ainda localizada em uma área ambientalmente saturada em termos de contribuições atmosféricas, onde os controles propostos não garantem a redução dos impactos do projeto no tocante à qualidade do ar e emissão de ruídos, concorrendo para agravar a qualidade de vida e saúde da população”, resume o denunciante, solicitando à Seama que chame os quatro gestores citados para prestarem esclarecimentos sobre os fatos narrados: Maurício José de Castro (coordenador COEI), Takahiko Hashimoto Junior (gerente GGE), Caroline dos Santos Machado (diretora técnica) e Alaimar Ribeiro Fiúza (diretor-presidente).
“Os prejuízos para a sociedade que poderão ser percebidos a longo prazo são principalmente agravos à qualidade de vida e saúde das comunidades vizinhas, preocupação expressada nos relatos de doenças respiratórias na comunidade nos documentos encaminhados à Ouvidoria do Estado. Esta situação não foi adequadamente estudada no EIA e nem nos estudos complementares e muito menos ainda nos formulários auto declaratórios, que são os FRAP’s, tampouco no RCA”, reforça o denunciante, em entrevista a Século Diário.
‘Autotutela’
Na resposta à demanda, a Secont se limitou a afirmar que a denúncia se ampara em uma “impossibilidade de divergência entre o entendimento da equipe técnica com a chefia do órgão” e que tal argumento não se sustenta legalmente.
“O princípio da autotutela estabelece que a Administração Pública possui o poder de controlar os próprios atos, anulando-os quando ilegais ou revogando-os quando inconvenientes ou inoportunos”, afirma a Secont. “Ademais, para realização do princípio de autotutela temos o Princípio da Pluralidade de Instâncias que levando-se em conta que é dado ao superior hierárquico rever sempre os atos dos seus subordinados, haverá tantas instâncias administrativas quantas forem as autoridades com atribuições superpostas na estrutura hierárquica, sendo assim, compete a autoridade hierarquicamente superior do Iema avaliar e rever decisões da equipe técnica de base não existindo nenhuma ilegalidade em realizar divergência da equipe técnica devidamente fundamentada”, complementa.
A resposta acrescenta ainda que, do ponto de vista do mérito, “a divergência foi devidamente fundamentada e embasada em dispositivo legal vigente”.
Iema
Questionado sobre os fatos apresentados na denúncia, o Iema não apresentou resposta até o fechamento desta edição.