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​Luta contra o Marco Temporal é uma das pautas do Julho das Pretas

Articulação de Mulheres Brasileiras prevê que aprovação da tese também pode aumentar ofensivas contra quilombolas

A Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) incluiu no Manifesto Julho das Pretas 2023 a luta contra o Marco Temporal, tese que defende que somente comunidades indígenas que viviam em seu território tradicional no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, teriam direito à homologação de suas terras. A inclusão é uma novidade no documento, lançado anualmente em alusão ao 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

O Marco Temporal prevê, ainda, permissão para cultivar transgênicos em terras de povos indígenas; proibição para ampliar terras indígenas já demarcadas; adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.

A coordenadora nacional da AMB e integrante da Coletiva Antirracista da entidade, Ana Lúcia Conceição, que também faz parte da Associação das Mulheres Unidas de Cariacica Buscando Libertação (Amucabuli) e do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), explica que a inclusão da luta contra o Marco Temporal se deu em apoio às mulheres indígenas e pelo fato de que sua aprovação pode fortalecer as ofensivas contra as comunidades quilombolas.
Apesar de toda mobilização dos povos indígenas, que encaminharam caravanas de todo o país para Brasília, o Projeto de Lei (PL) 490/23, sobre o Marco Temporal, foi aprovado na Câmara dos Deputados em 30 de maio, com um placar de 283 votos a favor contra 155. Apenas quatro dos dez deputados federais capixabas foram contrários: Gilson Daniel (Podemos); Helder Salomão (PT); Jack Rocha (PT); e Paulo Foleto (PSB). O sim foi dado por Amaro Neto (Republicanos); Da Vitória (PP); Evair de Melo (PP); Gilvan da Federal (PL); e Messias Donato (Republicanos). Dr. Victor Linhalis (Podemos), que havia se posicionado contra a urgência do projeto, se ausentou da votação. Agora o PL se encontra no Senado, com o número 2093/2023. Também há um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, mas está suspenso.
No manifesto, a AMB afirma que, no Brasil, “vivemos a constante tragédia humana que se revela como verdadeiro genocídio de pessoas indígenas e negras”. Recorda que, nos últimos quatro anos do governo Jair Bolsonaro (PL), houve uma “política de desumanização da vida e eliminação de seus sujeitos políticos”, a exemplo dos assassinatos ao povo Yanomami. Aponta, ainda, que essa prática tratou-se um genocídio maior do que o massacre de Haximu, ocorrido na fronteira entre Brasil e Venezuela nas décadas de 70 e 80.
Os demais eixos do manifesto são Pelo Fim do Racismo e Violência Contra Mulheres Negras; Encarceramento e Genocídio do Povo Negro; e Reparação e Bem Viver. No que diz respeito à violência contra as mulheres, destaca que as mulheres negras são a maioria entre as vítimas da violência de gênero no país. Para comprovar, mostra dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2022. A pesquisa aponta que, do total de feminicídios, 62% tem como vítimas mulheres negras. Nos quesitos mortes violentas, estupros e assédios, os números correspondem, respectivamente, a 72,7%; 52,2%; e 43,3%.
O levantamento do Fórum, conforme consta no manifesto, aponta também que, em 2021, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 78% eram negras; e 84,1% foram mortas pela polícia. Em meio à população encarcerada, 67,5% são negros. É destacada, ainda, a violência contra as mulheres negras lésbicas. “O corpo lésbico, especialmente quando ele é negro, sofre o apagamento da memória e sua negação”, diz o documento, que mostra que entre 2020 e 2021, morreram mais de 5 mil pessoas em razão da intolerância. Dessas, 42% são mulheres lésbicas negras assassinadas.
No que diz respeito ao Encarceramento e Genocídio do Povo Negro, o manifesto destaca que “é fundamental dizer que com a cortina de fumaça da guerra às drogas se exerce uma seletividade racial para encarcerar a matar a juventude negra no Brasil”. Ana Lúcia afirma que outros fatores contribuem para o encarceramento e genocídio do povo negro. “Quando se fala em segurança pública, temos que pensar nos territórios como espaço de pertencimento e convivência. No Espírito Santo, “tanto por parte da gestão estadual quanto das municipais, as políticas públicas, como as de saúde, educação e lazer, não são vistas, não se fazem presentes nas periferias”, destaca.
Na temática da Reparação e Bem Viver, reivindica a reparação histórica para o povo negro. “Reconhecer a escravidão e o tráfico de africanos enquanto crimes contra a humanidade e exigir reparação histórica é um ato político fundamental contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas, como afirma e lembra o marco histórico que foi a Conferência Mundial de 2021 realizada pela ONU [Organização das Nações Unidas] em Durban”, diz.
A AMB classifica o Brasil como um país “atrasado” no debate, nas ações e no entendimento das consequências da escravidão. Recorda políticas de ação afirmativa que considera importantes, como as cotas raciais para ingresso no ensino superior e nos concursos públicos, além da Lei 10.639, que prevê a obrigatoriedade, nas escolas, da temática da história e cultura afro-brasileira. “Contudo, ainda é preciso avançar muito, porque apenas essas poucas leis não reparam a desigualdade de oportunidades, sendo insuficientes no combate para a superação do racismo colonial e imperialista exercido pela sociedade brasileira racista”, aponta o manifesto.

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