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‘Pude ver que sou gente e faço parte desse mundo também’, relata mãe de autista

Natália teve apoio irrestrito de outras mulheres para participar, com sua filha, de encontro em Brasília

“Só tenho a agradecer. Me fortaleceu muito esse encontro, como mãe, mulher, pessoa e ser humano. Eu estou totalmente encantada ainda. Porque trinta anos da minha vida e hoje mãe de uma criança com deficiência, eu nunca fui tão bem tratada assim. Muito pelo contrário: sempre hostilizada, criticada, no transporte público, dentro das unidades, na rua, na escola, nós somos sempre criticadas, apedrejadas”.

O relato emocionado, feito nesta terça-feira (25), Dia Internacional da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha, é de Natália Assis da Silva, uma das 15 integrantes da delegação capixaba que, sob organização do Movimento Olga Benário-ES, participou do 3º Encontro de Mulheres da América Latina e Caribe, realizado em Brasília entre sexta e domingo (21 a 23). 

Ela é mãe da pequena Helena, de três anos, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e foi a primeira criança com deficiência do Espírito Santo a participar do evento. Também foi a primeira vez que o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN) levou a pauta das mães atípicas para este grande fórum feminista internacional.

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“Nesse espaço eu pude ver que eu sou ser humano também. Eu pude me entender como gente, como ser humano, e que eu faço parte desse mundo. Porque a gente fica como se não existisse. O sentimento que eu tenho é que a gente não existe, mas eu puder ver que nós existimos e que a nossa presença nesses espaços faz a diferença. Estamos vivas e queremos estar nesses espaços com nossos filhos com deficiência”, declara.

Natália conta que o convite para integrar a comitiva veio da coordenadora do Coletivo, Lucia Mara Martins, e que ela precisou vencer muitos medos para aceitar. A coragem, afirma, valeu a pena. “Graças a Deus eu não desisti e fui muito valente. Hoje eu percebo que fui muito valente em ir. Mesmo com todas as dificuldades que tenho com a minha filha, consegui estar nesse espaço com apoio de outras mulheres. A gente precisa colocar essas mães atípicas nesses espaços, porque é nosso direito, não estamos mortas. Ainda existe vida na maternidade atípica e a gente precisa se fortalecer umas com as outras. Fiquei encantada com todo o carinho, de todas, pessoas que eu nem conheço, sempre oferecendo ajuda. Fiquei lisonjeada e muito grata. Nós fomos tratadas como rainhas”.

Um aspecto fundamental da acolhida, conta, foi a creche onde ela pôde deixar a filha. “Eu nem acreditei! A Helena foi tão bem recebida, tão bem cuidada, que eu fico emocionada, porque a gente não está acostumada a ser bem tratada. Principalmente nesses espaços. Estamos tão acostumadas a ser apedrejadas, criticadas, pela deficiência dos nossos filhos. Porque a sociedade põe a culpa na mãe, ela não entende que a criança é uma pessoa com deficiência, que tem as suas limitações e que tem as suas restrições! A todo momento a minha mente estava: ‘eu vou ser criticada’; mas foi totalmente diferente. Minha filha nunca foi tão bem cuidada assim por outras pessoas. Eu fiquei encantada com tudo”.

Bem cuidada, a pequena Helena também pôde se expressar com plenitude, pontua Natália. “Eu estou muito orgulhosa da Helena! Porque ela superou os seus limites. Os autistas se desorganizam muito fácil quando muda a rotina deles. E foi uma viagem de 24 horas, cansativa para nós adultos, você imagina para uma criança, principalmente com deficiência. E a Helena foi muito guerreira, muito forte, e eu admiro muito a força dela, desde pequenina já está crescendo na militância e, mesmo que ela não fale e não entenda muito bem, sabe que estamos ali na luta por ela, por eles. Lá na frente eu vou dizer para ela quanto ela foi forte e fez a diferença nesse espaço. Vou ter o orgulho de contar essa história para ela depois”, emociona-se.

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Durante os debates, ela percebeu a invisibilidade das mães atípicas mesmo entre os grupos feministas e alegrou em ajudar a retirar esse véu. “Lucia levou vários debates para o encontro. Ela fez a revolução. Quando ela leva esse debate, as pessoas ficam impactadas, porque a maternidade atípica não é discutida nos movimentos. Foi muito importante que outras mulheres soubessem da nossa existência”.

A Natália pós-encontro, afirma, é outra: muito mais forte e confiante. “Estou trazendo para Vitória outra percepção: que nós mulheres poderiam ser mais unidas, caminharmos juntas. Eu vi que é possível isso em Brasília. Que é possível que as nossas crianças estejam presentes em todos os espaços, que estejam presentes em todos os eventos”.

Lucia, por sua vez, compartilha da emoção da colega. Mesmo mais experiente na luta pelos direitos das pessoas com deficiência (PCDs) e das mães e cuidadoras de PCDs, a coordenadora do MESN também foi tocada pelo cuidado e afeto do Olga Benário e demais organizações que fizeram o encontro acontecer na Capital Federal.

“A gente conseguiu construir dentro da resolução da plenária final as nossas pautas de mães e cuidadoras de filhos com deficiência. O encontro foi maravilhoso! Fora o cuidado: fomos muito bem recebidas em Brasília. Tinha creche para cuidar das crianças, muito bem equipada, com cuidado excepcional com as crianças. Todas as mulheres puderam deixar suas crianças para participar totalmente dos debates. E todas as mulheres com sororidade entre si. Foi um encontro de muita potência”, atesta.

O documento final, afirma, conseguiu incluir as mães atípicas na luta feminista global por mais equidade e justiça entre os povos. “O documento traz o compromisso da luta das mulheres pelo socialismo, da luta das mulheres contra o imperialismo e contra tudo o que nos oprime”, resume.

Especificidades das mães atípicas

As pautas do Coletivo MESN incluem um olhar feminista e feminino sobre questões como: a solidão na luta; a falta de rede de apoio; o abandono social e familiar; o esgotamento físico, mental e social; a falta de políticas públicas; o suicídio devido ao esgotamento; as violências sofridas pelas mulheres com deficiência intelectual; a falta de acessibilidade para filhos com deficiência de mães que precisam de abrigo após sofrerem violência doméstica. E também os pedidos por mais apoio psicológico e rodas de conversa com mães atípicas; além de uma mesa específica sobre a questão da maternidade atípica e mulheres com deficiência no 4º Encontro.

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Declaração Final do 3º Encontro de Mulheres da América Latina e do Caribe

O 3º encontro acontece após cinco anos desde o último evento, em Quito, no Equador. Em Brasília, participaram “várias mulheres de diversas idades, negras, trabalhadoras urbanas e rurais, estudantes, mulheres com deficiência, desempregadas, artistas, trabalhadoras autônomas, intelectuais, mulheres indígenas e quilombolas”. Foram onze os países representados: Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, El Salvador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Além das mesas redondas e debates, o encontro foi marcado por uma marcha realizada na Esplanada dos Ministérios, com o lema “Pelos direitos e a emancipação das mulheres! Por uma América Latina e um Caribe soberanos!”, que reuniu mais de mil mulheres.

A Declaração Final do evento afirmou a especificidade da América Latina e Caribe, por continuar sendo alvo das grandes potências econômicas do hemisfério norte que, em busca de se apropriarem das riquezas naturais e do trabalho e conhecimentos dos povos do sul, seguem “promovendo golpes de estado, invasões e guerras (…) destruindo o meio ambiente, invadindo terras de povos originários, afrodescendentes e camponeses (…) para manter os privilégios de um punhado de monopólios imperialistas”.

Para pagar ao FMI e ao capital financeiro, denuncia a Declaração, “nossos povos são obrigados a viver com drásticas reduções nos investimentos em áreas sociais, educação, saúde pública e moradia”. Com isso, “somente na América Latina, mais de 280 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza. Mais de 45% das crianças e adolescentes são vítimas da fome, e o número de lares com mulheres trabalhadoras como única fonte de renda aumenta a cada dia (…) Além disso, há mais de 15 milhões de deportados e migrantes, resultado das guerras e da pobreza imposta às nações latino-americanas”.

Nesse cenário de exploração, as mulheres são ainda mais afetadas. “A diferença salarial entre homens e mulheres está aumentando cada vez mais, e são as mulheres que ocupam com mais frequência empregos terceirizados. Por isso, afirmamos que a pobreza afeta mais as mulheres e as crianças”. E a violência de gênero, acrescenta, aumenta continuamente, sendo “a face mais cruel do patriarcado sobre nós, mulheres”.

“Enquanto as mulheres não tiverem acesso à moradia, às creches, enquanto seu trabalho não for bem remunerado e forem subordinadas ao trabalho doméstico e ao cuidado de crianças, idosos e doentes, não haverá igualdade para elas”, reivindica.

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Tarefas

Ao final, a declaração aponta “as novas tarefas para os próximos anos, pelas quais devemos lutar”:

1. Que nossos países nacionalizem suas riquezas naturais, combatendo o saqueio e a exploração imperialista, desenvolvendo amplas jornadas de suspensão do pagamento da dívida pública e que os montantes sejam investidos em saúde, educação, moradia, infraestrutura e assistência social, dando aos nossos povos e mulheres uma vida digna e com direitos sociais;

2. Lutar pelo aumento geral dos salários, assim como pela igualdade salarial entre homens e mulheres. Além de garantir empregos bem remunerados e com seguridade social para as quatro milhões de mulheres desempregadas na região;

3. Organizar campanhas e ações para congelar os preços dos artigos básicos para a vida, contendo assim a escalada da inflação;

4. Realizar uma ampla campanha nacional em combate à violência contra as mulheres e por mais investimentos para acabar com a cultura de violência que vitimiza mais de 4.400 mulheres a cada ano em toda a América Latina;

5. Lutar contra qualquer ameaça de fascismo, militarização e golpes de Estado em nossos países. Exigir a punição dos crimes políticos cometidos contra a classe trabalhadora, contra as mulheres, os ativistas políticos perseguidos, desaparecidos, encarcerados, torturados e assassinados pelo Estado e pelos governos autoritários, fascistas, militares e golpistas, de ontem e de hoje;

6. Lutar pela autonomia do corpo das mulheres, com uma ampla campanha pela legalização do aborto, que seja legal, seguro e para todos os países da América Latina e do Caribe;

7. Lutar contra a prostituição e o tráfico de pessoas. Garantir o acesso ao emprego das mulheres submetidas à exploração sexual;

8. Lutar pelos plenos direitos das mulheres migrantes;

9. Abolição de todas as leis que subordinam a mulher ao homem;

10. Dia continental para a suspensão do pagamento da dívida pública aos organismos financeiros internacionais; auditoria imediata de todas as dívidas;

11. Dia continental pelo direito à creche e à educação de todas as crianças.

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