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Cidades pagam milhões para enterrar material reciclável, critica Reunes

Entramos “no vermelho” com a Terra nesta quarta, dia que a Política Nacional de Resíduos Sólidos completa 11 anos

O Dia da Sobrecarga do Planeta em 2023 coincide com o aniversário da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), que completa 13 anos de promulgação e 11 anos de implementação nesta quarta-feira (2). A dupla efeméride incentiva uma reflexão sobre a importância da gestão inteligente do lixo para a sustentabilidade da vida na Terra.

A data marca, a cada ano, quando a Terra tem extrapolada a sua capacidade de repor os recursos naturais utilizados pela humanidade, ou seja, quando entramos “no vermelho” na conta dos recursos que usamos. Medida desde 1971 pela entidade internacional Global Footprint Network, o Dia da Sobrecarga tem chegado cada ano mais cedo, conforme mostra o gráfico abaixo, com o histórico entre 1971 e 2022, com exceção do período da pandemia de Covid-19. Há também variações de acordo com o continente. Países da Europa já entraram no vermelho este ano em maio.

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O padrão alimentar e o consumo de energia estão entre os principais inimigos na busca por uma saudável contabilidade dos serviços ecossistêmicos que a espécie humana faz uso. A produção intensa e crescente de resíduos sólidos, associada à destinação inadequada, entra também no topo desse ranking de prioridades. A pressão que o lixo executa sobre os recursos naturais seria muito menor se as cidades aplicassem as diretrizes previstas na legislação federal.

Na Capital capixaba, uma das que conta com melhor estrutura de coleta seletiva de lixo, apenas 2% do material reciclável é levado para as indústrias de reciclagem, o que equivale a aproximadamente 50 toneladas, destaca Lucio Heleno, presidente da Rede de Economia Solidária dos Catadores Unidos do Espírito Santo (Reunes). A maioria absoluta é levada para o aterro sanitário, sem qualquer aproveitamento como matéria-prima potencial que é.

A Reunes alerta ainda que essa gestão pouco inteligente consome milhões de reais dos cofres públicos, enquanto as associações de catadores continuam sendo preteridas nos investimentos, deixando de gerar emprego e renda a partir dos princípios mais modernos da Política Nacional de Resíduos Sólidos. “Além de perder muito dinheiro, tem sobrecarregado o planeta”, pondera.

Cada 100 toneladas de plástico, calcula, demanda cerca de um metro cúbico (mil litros) de petróleo para ser fabricado. “Quantas toneladas de plástico estamos enterrando, quantos milhões de litros de petróleo poderíamos deixar de usar fazendo a reciclagem?”, convoca o presidente da Reunes. “E quanto milhões de reais poderiam ser economizados ou melhor aplicados, a partir do investimento nas associações de catadores?”, acrescenta.

Lucio Heleno conta que cada uma das quatro associações que atuam em Vitória recebem R$ 230 mil por ano da prefeitura, verba que não tem reajuste desde 2012. Já as empresas de coleta não seletiva do lixo recebem um tratamento mais privilegiado. “Estão há quatro anos sem licitação e, este ano, o contrato aumentou de R$ 86 milhões para R$ 126 milhões por ano, não se sabe com base em quê. E são mais 20 milhões para o aterro enterrar tudo, sem reaproveitamento”, aponta. “Na Serra, nem contrato é feito com as associações”, acrescenta.

Apesar da situação esdrúxula, o presidente da Reunes avalia que tem havido pequenos avanços desde a implementação da Política Nacional. Atuando na área desde 2016, Lucio Heleno observa o crescimento do número de associações de catadores e algumas parcerias que elas e a Reunes conquistam com entes públicos e empresa. Sem falar na organização regional, nacional e latino-americana de catadores.

Nesse contexto global, o Espírito Santo se destaca por não possuir mais lixões a céu aberto, destaca, porém, peca por ainda não possuir nenhum acordo de logística reversa. Ele conta que as grandes indústrias, como fábricas de refrigerantes, são obrigadas por lei a garantir a reciclagem de pelo menos 20% de suas embalagens e o fazem por meio de contratos de logística reversa com os municípios, mas preferem centrarem esses esforços em estados maiores, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Para estados como o capixaba e outros de menor população, a iniciativa tem que partir do poder público e da sociedade civil, em acordos regionais, orienta. Por exemplo, no tocante a embalagens de refrigerantes, não apenas a fábrica da bebida é responsável pela logística reversa, mas também as empresas que atuam na distribuição e na comercialização junto ao consumidor final, como os supermercados. “Os acordos regionais focam nos distribuidores e comercializadores”, ensina.

Ele acredita que um primeiro acordo de logística reversa pode ser concluído em cerca de um semestre, como fruto do trabalho de um comitê em que a Reunes participa, ao lado da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Seama), Ministério Público Estadual (MPES), indústrias e outras entidades.

A pergunta é se esse primeiro acordo vai trazer algum avanço também em relação ao reconhecimento sobre a importância dos catadores. Apesar dos avanços que ele observa na gestão nos últimos anos, a coleta seletiva ainda é considerada uma política pública que atende aos excluídos da sociedade e, por isso, menos valorizada do ponto de vista de orçamento público.

“Oitenta por cento dos catadores são mulheres e 90% são negros. Nos cargos de direção, 97% são mulheres. São pessoas excluídas do sistema, há de se esperar que políticas voltadas para nós tenham essa dificuldade”, reconhece. “Do primeiro negro a se formar em Direito ao primeiro ministro do STF [Supremo Tribunal Federal] foram mais de 200 anos. Da primeira mulher a votar à primeira a se tornar presidente, foram 70 anos”, compara.

A Lei 12.305, sublinha, afirma em seu artigo 6º que o resíduo sólido reciclável é “um bem de valor econômico e social gerador de desenvolvimento emprego e renda”. Estabelece também que esse material deve ser destinado às pessoas mais pobres. Passou da hora, afirma, de colocar isso em prática. “O lixo no Brasil é algo que tem valor e deve ser destinado aos catadores ou pessoas de baixa renda. Essa é a maior dificuldade desse setor, porque como é algo que foi destinado a um público vulnerável, não tem tanto investimento. Vitória vai sediar um evento de cidade inteligente esTe ano. Agora, me diz: uma cidade inteligente paga para enterrar dinheiro?”, provoca.

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