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Ieda Leal: ‘A lei deve ser complementada pelo processo educativo da sociedade’

Secretária de Gestão no Ministério da Igualdade Racial apoia lançamento nacional de aplicativo criado pela Ufes

Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

Um amplo e profundo trabalho de educação dos servidores que atuam nos órgãos de defesa da mulher e de toda a população precisa ser realizado para que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) tenha plena aplicabilidade, incluindo as atualizações estabelecidas sobre ela pela lei nº 14.250/2023, sancionada em abril.

Às vésperas do aniversário de 17 anos – completados nesta segunda-feira (7) – desta que é considerada uma das melhores leis do mundo na proteção da mulher vítima de violência, a reflexão vem da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Igualdade Racial (MIR). “A lei deve ser complementada pelo processo educativo da sociedade, pela melhoria das condições de trabalho nas delegacias, pela ampliação das delegacias das mulheres, pelo devido acolhimento das denúncias e pelo aprimoramento do trabalho feito nos órgãos que compõem a rede proteção das mulheres”, aponta a secretária nacional, Iêda Leal.

A interface de sua secretaria com o tema da violência contra a mulher é revelada pela interpretação dos dados oficiais de assassinato de mulheres e feminicídio, apresentada pelo programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fordan: cultura no enfrentamento às violências. “A Lei Maria da Penha não tem funcionado para as mulheres negras. Em 2021, 85% das mulheres mortas no Espírito Santo eram negras”, afirma a professora da Ufes Rosely Silva Pires, doutora em Ciências Jurídica e Social, fundadora e coordenadora do Fordan.

As negativas de Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) para esse público, sublinha, estão diretamente relacionadas às mortes. “Uma pesquisa do Observatório Estadual de Segurança Pública, da Secretária de Segurança Pública/RS (2022), mostrou que em cada 10 mulheres assassinadas por feminicídio, oito delas não tinham MPU. Segundo a Lei Maria da Penha, com a MPU nas mãos a mulher pode pedir a prisão do agressor que se aproximar dela”, explica.

Racismo estrutural

No Espírito Santo, nesse período de 2021, Rosely destaca que houve um aumento de 46% de feminicídio e o indeferimento (negativa) de 26% das MPUs solicitadas. Negativas que atingiram, também, com mais frequência as mulheres negras e pobres. “O racismo estrutural está nas DEAMs [Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher], nas Varas de Violências, em todo processo judicial de enfrentamento as violências e acolhimento das vítimas“, expõe.

Diante desse quadro de racismo estrutural e letal contra as mulheres negras e periféricas, o Fordan buscou em um aplicativo uma ferramenta para auxiliar essa mulher a denunciar a violência doméstica e ter o atendimento policial e judicial adequado. O projeto – “Aplicativo para denúncia da violência doméstica contra a mulher negra e pobre” – tem o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e previsão de lançamento em outubro, a princípio em âmbito estadual, mas, agora, com perspectiva de abrangência nacional, a partir da parceria com a Secretaria de Iêda Leal.

Simplicidade e potência

“O Espírito Santo vai ter esse papel fundamental para apresentar esse aplicativo para o Brasil todo”, afirma, enfatizando o quanto ficou “sensibilizada” com a apresentação do projeto. “Uma universidade que pensa o bem das mulheres negras no país. Uma equipe que pensa como a mulher mais simples, dos lugares mais simples, pode fazer a denúncia. E pensa com passos muito certeiros em um caminho muito inteligente, de ouvir as mulheres para construir um aplicativo bem completo, que vai nos ajudar na defesa das nossas vidas”.

O projeto, celebra, é de “uma simplicidade muito potente para a defesa das vidas de nós, mulheres negras” e deve agora passar agora a costurar parcerias com prefeituras, com governos estaduais e outras esferas do governo federal para “irradiar para todo o Brasil”. Para isso, é preciso que “a lei seja complementada pelo processo educativo de toda a sociedade”, reafirma. “Há um diálogo nacional e um entendimento interministerial nesse sentido”, diz, citando os ministérios dos Direitos Humanos, da Cultura, das Mulheres e da Justiça.

“Não pode ser só o botão do pânico, a medida protetiva, a ronda, somente uma delegacia no estado. Quanto mais mulheres e homens no Judiciário que entenderem da aplicação da lei, quanto mais delegacias equipadas para esse atendimento, melhor. Quanto mais patrulhas, também. Quanto mais discussões nas escolas, também. Medidas que alguns bares estão tomando para acolher mulheres em situação de perigo também ajudam”, elenca.

A queda da tese da “legítima defesa da honra” em crimes de feminicídio ou agressão contra as mulheres, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira (1) por unanimidade, destaca, é mais um sinal de bons ventos de mudança no país. “Crime em defesa da honra não é mais possível, é uma situação que depõe contra todo tipo de direitos das mulheres”.

São ações que minam a base cultural e moral que sustenta tanta violência de gênero. “O alicerce da sociedade é machista, por isso a dificuldade na sua aplicação. Devemos continuar fazendo valer a lei solicitando as modificações necessárias e exigindo os espaços onde a lei possa ser aplicada. A lei precisa ser mais divulgada, continuar sendo distribuída em todos os lugares, para que as mulheres saibam seus direitos e os homens sejam educados nessa direção”, reforça.

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