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‘Política não é futebol, precisamos de união e apoio’

Pescadores pedem fim da criminalização da pesca e políticas públicas que reconheçam importância da profissão

Leonardo Sá

“Por que os deputados e vereadores que fazem as leis, tanto estadual, federal e municipal, não se unem e fazem um mutirão para pegar essas leis todas que estão ultrapassadas, que não condizem com a realidade da pesca, leis arcaicas, defasadas, da época da Sudepe [Superintendência de Desenvolvimento da Pesca, criada na década de 1960], e revisam tudo, atualizam de acordo com a realidade da pesca hoje?”

Enunciada pelo vice-presidente da Associação dos Pescadores, Marisqueiros e Desfiadeiras da Grande São Pedro, Celso Luchini, a súplica é coerente com as necessidades dos pescadores artesanais, mas colide frontalmente com a realidade política extremamente polarizada dos parlamentos capixabas, onde o fim da criminalização da pesca artesanal tem sido debatido nos últimos dois meses.

O marco temporal para os debates acirrados é o dia 6 de junho, quando uma operação conjunta de fiscalização inaugurou o uso de um arsenal municipal e federal de fiscalização empreendido para o cumprimento rigoroso de leis sobrepostas que inviabilizam a profissão milenar na baía de Camburi e outros pontos tradicionais da Capital.

O drama eclodiu próximo ao Porto de Tubarão, onde pelo menos seis barcos tiveram apetrechos apreendidos e foram multados, e passou a ressuspender reivindicações antigas de outras comunidades pesqueiras, com realidades distintas, mas igualmente massacradas pelas indústrias, seja a pesqueira, a portuária ou a petrolífera, como em Itaipava, no sul do Estado.

Desde então, o cotidiano dos pescadores e da cidade foram pontuados com atos de protesto, ações de solidariedade, audiências públicas, reuniões técnicas e até vaia ao prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), durante a procissão marítima em homenagem a São Pedro, que este ano não teve a participação dos pescadores.

Projetos de lei também foram protocolados na Câmara de Vitória e na Assembleia Legislativa prometendo solucionar a questão, mas têm a tramitação emperrada pelas disputas partidárias entre parlamentares de esquerda e de direita, de oposição e situação. O PL do vereador da direita não resolve o problema, mas a direita não vota no PL da vereadora de esquerda, mesmo contemplando pedidos antigos já apresentados ao município pelos próprios pescadores, como o Fundo e a Gerência de Pesca, e a implementação da pesca assistida, para conciliar sustentabilidade econômica e cultural com proteção ambiental.

“Tem que haver um carinho especial para o pescador. Do jeito que está não pode continuar. Já temos leis demais, que só criminalizam os trabalhadores do setor da pesca. Queremos leis que realmente valorizem esse profissional, tanto masculino quanto feminino, as desfiadeiras, marisqueiras”, afirma Celso Luchini, ao comentar a mais recente proposta parlamentar, que é o PL 587/2023, do deputado Tyago Hoffmann (PSB), que institui a Política Estadual de Pesca Artesanal, Industrial, Amadora ou Esportiva no Espírito Santo, e foi discutido nessa quarta-feira (9) na Assembleia, na presença de outras lideranças pesqueiras e do superintendente federal da Pesca, Antonio Carlos Cavalcanti.

Protagonismo

“Já estamos saturados de reuniões e o pescador não tem tempo para participar da reunião. Há anos participo de reuniões e nada é resolvido. Já tenho, mestrado, doutorado e pós-doutorado nisso, de tantas reuniões que a gente é convidado. Essa semana já são três dias de vento sul, sem poder pescar. E mais reunião, sem nenhuma solução”, desabafa.

O caminho, afirma, é o diálogo e o protagonismo para o trabalhador da pesca. “Tem que reavaliar as leis que já existem, com a participação do próprio pescador. O pescador tem que ter cadeira em todas as entidades, os conselhos que lidam com a pesca”.

Celso Luchini toca ainda na contradição que é a verdadeira perseguição ao pescador artesanal e a frouxidão com que atividades de alto impacto encontram na aplicação das leis. “Hoje você não pode colocar uma rede de 500 metros com malha 70, mas pode explodir o fundo do mar para aumentar o porto. Pode tirar toneladas de resíduo de lama com pedra implodidos e jogar a duas ou três milhas, só Deus sabe a verdadeira distância. E muitos são jogados em cima dos pesqueiros, únicos que poderiam pescar. Os navios vêm cada vez mais perto da costa. O que eles trazem de outros países, na água de lastro, pode ser tornar uma ameaça para o nosso mar aqui”, denuncia.

O meio ambiente, ressalta, é outro ponto de atrito artificial, pois a pesca artesanal, como atividade tradicional, é alinhada com a proteção ambiental. “O pescador preserva a natureza. Olha as traseiras dos barcos, tem sempre um saquinho para trazer o lixo…nós fazemos limpeza dos manguezais porque temos consciência, porque isso é necessário para o nosso trabalho. Mas a gente não fica postando foto em redes sociais, igual a muitos donos de projeto ambientais, que ficam à mercê de patrocínio de grandes empresas”, compara. “A tartaruga tem que existir, o golfinho tem que existir, mas o ser humano tem que trabalhar para existir, para manter a dignidade da sua família”.

As propostas de doação de cestas básicas para as famílias dos pescadores impedidos de trabalhar, afirma, são outra afronta à dignidade. “Não adianta só falar em vulnerabilidade alimentar. O pescador trabalha para ter o dinheiro para comprar e trazer o que é necessário para ele e a família dele. A Vale não enche um navio de minério e troca lá em outro país por alimento para dar aos seus trabalhadores. Ela recebe dinheiro e paga em dinheiro os empregados para eles decidirem o que comprar”, compara.

Proposta técnica para solucionar o falso dilema pesca artesanal x meio ambiente já existe, afirma, e foi elaborada pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca). “Chama o Nilamon [de Oliveira Leite Junior] do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]”, sugere, referindo-se ao secretário-executivo do Compesca e analista ambiental do ICMBio. “A pesca assistida tem uma série de regras. Não é liberar de qualquer jeito, é seletivo. O pescador verdadeiro, que tem seu RGP [Registro de Pescador Profissional], é que vai poder fazer”.

As regras estão descritas em uma minuta de normativa legal apresentada à Prefeitura de Vitória à época da publicação da Lei 9707/2017, proposta pelo vereador Luiz Emanuel (Republicanos) e sancionada pelo então prefeito Luciano Rezende (Cidadania), considerada a mais restritiva de todas as que incidem sobre o território pesqueiro da Capital.

“A solução que a gente vê hoje é esses órgãos fazerem uma revisão dessas leis passadas e começar um trabalho onde o pescador seja realmente o protagonista”, reafirma o vice-presidente da Associação de Pescadores da Grande São Pedro. “Não pode ser time de futebol. Política não é futebol. Eles têm que se unir, pensando no bem do pescador”, roga.

‘Pescador não é bandido’

Na mesma toada, o presidente da Associação de Pescadores do Distrito de Itaipava (Apedi) em Itapemirim, subiu à tribuna popular da Assembleia nessa segunda-feira (7), a convite do deputado Dr. Bruno Resende (União), para divulgar o chamado “Movimento Pescador não é bandido”. Na ocasião, ele mencionou a situação na Capital, onde “uma lei proíbe os pescadores artesanais”, mas trouxe mais exemplos de sua realidade no sul do Estado.

“São multas de R$ 20 por quilo de peixe apreendido”, informou, referindo-se às operações de fiscalização que penalizam os trabalhadores da região. “O peroá custa dois a três reais direto do barco. Cinco toneladas vezes vinte dá quanto? Tem que vender o barco e acabar com a pescaria. E baseado em quê? Não existe estudo específico”, afirma.

“Pesca é relíquia, história, é uma das profissões mais antigas do mundo. Precisamos respeitar a pesca. Ouça o grito de socorro do movimento pescador não é bandido”, suplicou. “Eu sou tataraneto de pescador, a pesca está há gerações nesse Estado!”.

As sugestões de solução também foram na direção da união dos poderes e políticos, com sugestões de instâncias e medidas por parte do Executivo. “Coloca uma Secretaria da Pesca no Espírito Santo! Não somos importantes para isso? E coloca orçamento e pessoas que entendem da pesca na secretaria. Pesca do Espírito Santo está na Secretaria de Agricultura Familiar!”, apontou.

“Lei a gente já tem demais! Sabe o que o pescador precisa? De subsídio para comprar óleo, porque o preço do óleo subiu e o preço do peixe é o mesmo. O pescador não pode fazer financiamento pelo barco, como o agricultor faz pela terra dele”, elencou.

“São mais de 19 mil pescadores cadastrados, fora os que não estão, que devem ser um número mais considerável ainda. Quatorze colônias, quatro sindicatos, 15 cooperativas. A importância da pesca no Espírito Santo é muito grande, só não somos vistos nem ouvidos. Por isso a necessidade desse movimento: pescador não é bandido! Libera a pesca! Ajuda a liberar o trabalho da pesca! Nós temos que trabalhar escondido, mas não queremos isso, queremos trabalhar de cabeça erguida e de forma regular”.

O mesmo pedido por descriminalização e união política foi feito no início do mês pelo presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes dos Santos, o Lambisgoia, em vídeo compartilhado nas redes sociais dos pescadores.

Contrapondo posicionamentos feitos na Câmara de Vitória por expoentes da esquerda e da direita, a respeito da Lei 9707/2017, os pescadores afirmam, na sequência, que a polarização só lhes prejudica. “Para nós pescadores não interessa revogar ou não a lei, o que importa é uma solução para trabalhar. O que nós estamos vendo com nossos próprios olhos é a divisão política entre esquerda e direita, o que deixa nós numa situação vulnerável”.

A falsa oposição ao meio ambiente também é pontuada. “Nós não somos contra o meio ambiente, somos a favor. Pescador nenhum sai para o mar para matar tartaruga, não existe isso. Nós fazemos parte de um grupo de trabalho que envolve o Ministério da Pesca de Brasília, a secretaria de pesca aqui do Estado, o meio ambiente, o Ibama, o ICMbio”.

“Quer resolver, resolve! Que revogue ou não! O que nós estamos enxergando é divisão política. Eu não carrego bandeira política. Eu favoreço e dou valor a quem nos ajuda! O que não pode é a gente ser sacrificado, esse ‘montaréu’ de pai de família. Já faz dois meses que essa turma está em cima dessa lei. Nós queremos uma solução para a gente poder trabalhar”.

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