Acesso à água e energia estão em andamento. Titulação das terras continua emperrada por pressão da Suzano
No passo a passo, as comunidades que formam o Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, entre São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, seguem caminhando com suas pautas prioritárias junto ao governo do Estado. O Censo Demográfico 2022 mostrou que 82% dos quilombolas capixabas residem em territórios ainda não oficialmente delimitados, apontando para a necessidade primordial desses povos, visto que essa realidade é semelhante em outros estados.
Na apresentação dos dados quilombolas do Censo, no dia 27 de julho, os presidentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), César Fernando Schiavon Aldrighi e Cimar Azeredo Pereira, respectivamente, ressaltaram que “é preciso falar de regularização fundiária”, refletindo uma grande expectativa que existe em torno do atual governo federal.
Em âmbito estadual, a pauta tem sido tratada há três anos pela Mesa de Resolução de Conflitos, coordenada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), mas ainda não mostrou qualquer avanço, diante das negativas da multinacional Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose) em recuar seus monocultivos de eucaliptos instalados dentro dos territórios quilombolas que já foram certificados pela Fundação Cultural Palmares, mas aguardam finalização do processo de regularização dentro do Incra.
A cobrança por um andamento da pauta foi feita à secretária, Nara Borgo, durante sua visita ao território quilombola na última quarta-feira (9), atendendo ao pedido de reunião feito pela Comissão Quilombola do Sapê do Norte, da qual participaram cerca de 60 pessoas, representando 34 comunidades.
“Colocamos a questão da Mesa de Mediação de Conflitos que precisa avançar, não no diálogo, mas na prática. Porque diálogo a gente vem fazendo há quase três anos e não conseguimos avanço em nenhuma negociação com a empresa [Suzano] que fosse razoável para as comunidades. A gente só está tendo acesso às nossas terras em processos de retomadas. Acordo e titulação não existem, então nós pedimos um pouco mais de firmeza e seriedade nessa negociação com a empresa. Para nós não está mais confortável sair de uma reunião e ir para outra e não ter um avanço mínimo esperado pelas comunidades”, relata Flavia dos Santos, integrante da Associação Quilombola de Produtores de Mudas Nativas e Agricultura Orgânica do Angelim II (Aquimuna) e da Comissão Quilombola do Sapê do Norte.
Ela conta que o pedido de reunião teve objetivo principal de estreitar a relação com o governo do Estado. “A SEDH é a ponte para falar com o governo. Convidamos então a secretária para nos aproximar mais do governo. Surgiu na reunião que o governo do Estado só se mostrava presente nas comunidades através da polícia. É esse cenário que a gente quer mudar hoje”, explica.
A reunião foi produtiva, na avaliação das comunidades, pois a secretária levou a devolutiva de todas as pautas apresentadas ao governo em abril, quando finalmente o Palácio Anchieta abriu as portas para as comunidades quilombolas tratarem de suas demandas, já que no 8 de Março esse diálogo foi negado, inclusive pela própria Nara Borgo.
Na ocasião, foram cobrados andamentos das reivindicações por meio de uma carta conjunta, assinada por movimentos de mulheres quilombolas, sem terra e de luta por moradia, e organizada em três blocos: questões fundiárias, desenvolvimento socioeconômico e ambiental, e apoio às mulheres vítimas de violência. A maioria delas já havia sido apresentada há um ano, durante a programação do 8 de março de 2022.
Flávia conta que os maiores avanços desde abril ocorreram com o acesso à água e à energia elétrica, pois há encaminhamentos junto à EDP, à Companhia Espirito-Santense de Saneamento (Cesan) e ao Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de São Mateus, que elaboraram cronogramas de ações para instalar esses serviços nas comunidades do Sapê do Norte.
O diagnóstico das comunidades também será feito, acrescenta, visto que ele é repetidamente apontado pelos órgãos de governo e empresas como imprescindível para que as pautas sejam atendidas. “Tem um Grupo de Trabalho fazendo esse diagnóstico para acessos à água e energia e outras políticas públicas. Existe uma alegação de que o Estado ou os órgãos do Estado como a Cesan, EDP, Idaf [Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal] e Iema [Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos], não conhecem e não sabem onde nós quilombolas estamos, quantos somos. Nós, quilombolas, achamos isso uma desculpa sem sentido, porque já foram feitos muitos diagnósticos aqui nas comunidades, mas vamos ajudar a fazer mais esse, porque aí não será mais essa a desculpa que irão usar para nos negar o acesso a essas políticas”.
Outras pautas continuam mais emperradas, relata Flávia, citando Educação, Cadastro Ambiental Rural (CAR) Quilombola e financiamento agrícola. Mas estão devidamente encaminhadas também pela SEDH, que se compromete a continuar acompanhando o diálogo com os órgãos e empresas responsáveis pelo atendimento. “Agora nós vamos caminhar com cada instituição, cada órgão, essas demandas”, afirma.