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‘Bem regulamentada, pesca assistida pode acontecer sem prejuízo ambiental’

Secretário-executivo do Compesca comemora entrada da Prefeitura de Vitória na discussão sobre pesca assistida

Arquivo Pessoal

A entrada da Prefeitura de Vitória na discussão sobre a implementação da pesca assistida nas baías da cidade, ainda que tardia, é motivo de comemoração, conforme ocorreu nessa quinta-feira (17) entre os pescadores, ao participarem da reunião onde o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) assinou um projeto de lei sobre o assunto.

O otimismo é compartilhado pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca), conforme afirma seu secretário-executivo, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) Nilamon de Oliveira Leite Junior: “resolve metade dos problemas”, comenta, acrescentando que a medida chega justamente no mês em que o Compesca comemora vinte anos de atuação, uma experiência exclusivamente capixaba e que está sendo analisada na sua pesquisa de doutorado em Oceanografia Ambiental na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Na entrevista a seguir, Nilamon conta um pouco da história do Compesca e a necessidade de que ele receba os investimentos necessários para funcionar de forma mais regular, com equipe e recursos específicos para o alcance de seus objetivos, e, claro, aborda pontos fundamentais que devem ser considerados na regulamentação da pesca assistida para que de fato seja um “caminho do meio”, permitindo que a pesca artesanal, tradicional na Capital, reconquiste a dignidade leal, social e econômica, e garantindo a conservação ambiental.

Nilamon, o Compesca tem uma proposta de pesca assistida para Vitória desde antes da publicação da Lei 9077/2017, que criminalizou a pesca artesanal na cidade, já com o objetivo de conciliar atividade econômica tradicional com conservação da natureza. Mas a proposta nunca foi aceita pela Prefeitura de Vitória, nem por Luciano Rezende (Cidadania), que sancionou a lei, nem pelo atual Lorenzo Pazolini. Agora que o prefeito acenou com o aceite para implementar a pesca assistida, que aspectos técnicos, legais e sociais devem nortear as discussões, na sua opinião?

Enquanto analista ambiental do ICMBio, enquanto “ambientalista”, como os pescadores, eu concordo completamente que a Baía de Vitória e do Espírito Santo são ecossistemas delicados, que, apesar de estarem dentro de uma área urbana bastante impactada, são muito importantes como berçários de proteção da pesca de camarão, dos peixes, também das espécies ameaçadas, como tartarugas e golfinhos. Mas, no Compesca, a gente sempre buscou trazer esse equilíbrio, da parte social, ambiental e econômica. A pesca assistida é um caminho do meio. Não é fácil, tem que ter um cadastro dos pescadores, uma fiscalização, mas é uma pescaria bastante seletiva. Não tem impacto zero, como nenhuma pescaria, mas é seletiva, então ameaça bem menos ou quase nada as espécies ameaçadas de extinção e captura espécies de peixes comercias. Então bem regulamentada, pode ser realizada dentro da baía do Espírito Santo, da baía de Vitória, sem prejuízo às ações de conservação que são demandas na região.

O mais fácil, para alguns, parece ser proibir totalmente, mas isso não resolve nada, nem o ambiental, porque a pesca não é o único nem o principal impacto nas baías da cidade. Tem a poluição, supressão de vegetação de mangue e muitos outros. E isso não vem sendo tratado com o mesmo rigor que a pesca. Temos que achar solução para todos esses impactos.

Então, na regulamentação da pesca assistida, vai ser preciso realizar o cadastro desses pescadores, conhecer melhor quem depende da região para fazer essa pescaria e regulamentar de fato a pesca assistida. Lembrando que o objetivo é ter apenas a pesca assistida, que é essa pesca de cerco artesanal, não permitindo a pesca de rede de emalhe e nem com arrasto, que são muito mais impactantes. É o caminho do meio, que permite uma pescaria mais seletiva e continua proibindo as mais predatórias.

Em que contexto foi criado o Compesca, em 2003? Quais objetivos principais naquele momento?

Na verdade, foi no final de 2002, com a minha entrada no Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis], que o coordenador do Tamar [Joca Thomé] propôs criar um fórum de discussão sobre pesca. O Tamar sempre teve essa política de dialogar com os pescadores, valorizando o conhecimento tradicional e incentivando a pesca sustentável. Então ele propôs, com ideia de reunir pescadores e o Ibama, para resolver problemas antigos, de portarias que não eram divulgadas ou entendidas pelos pescadores, o que acabava gerando pesca irregular e muita insatisfação por parte dos pescadores. Convidaram também a universidade e os órgãos de gestão estadual, como Incaper [Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural] e Iema [Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos]. Depois entrou a superintendência do Ministério da Pesca, que passou a alternar a presidência do Compesca com o Ibama.

Em 2003, as reuniões foram bimestrais, sempre ouvindo as principais demandas dos pescadores. Algumas duram até hoje, outras foram resolvidas. Na época, havia muito conflito com pesca de camarão, o defeso não era adequado. Conflitos graves também com a pesca da lagosta, com a proibição da rede caçoeira, exigindo outras artes de pesca, com armadilhas, não respeitando as particularidades culturais do Estado. Por isso, até hoje ela é feita de forma clandestina.

O objetivo sempre foi discutir abertamente as questões de pesca, tentando construir um ambiente de gestão pesqueira sustentável no Espírito Santo.

Quais principais vitórias alcançadas na gestão compartilhada e sustentável da pesca no Estado?

A principal vitória foi ter o reconhecimento dos próprios pescadores, de que o fórum tem uma utilidade, cumpre os seus objetivos. Eles sempre falam isso, demandam o Compesca, como ocorre agora, em relação ao conflito em Vitória, a demanda pela pesca assistida.

Além disso, há vitórias concretas também que foram fruto de discussões dentro do Compesca, como a pesca de arrasto de camarão, que passou a ter uma definição sobre a distância da linha de costa em que ela pode acontecer. Não pode ser muito próximo, porque é uma área muito delicada, de berçário, de peixes e camarões juvenis. Foram feitas duas portarias discutidas, criadas e modificadas dentro do Compesca sobre isso. Também modificamos o defeso do robalo na foz do Rio Doce.

Há também a Portaria 47/2018, de defeso do camarão, um assunto discutido desde 2003 dentro do Compesca. A Portaria não só estabelece um defeso único para o Espírito Santo, como regionaliza a pesca do camarão. Graças a essa portaria, só a frota de arrasto de camarão sediada no Espírito Santo pode atuar na pesca do camarão aqui, o que é importantíssimo, não pode ter barcos de fora. É o único estado a ter uma portaria como essa.

Essa da distância da costa para o arrasto do camarão também atende em parte a um conflito que os pescadores têm aqui desde sempre com as traineiras, a pesca de cerco, industrial, que só pode acontecer a cinco milhas da costa no Espírito Santo. A vitória total vai vir quando a gente conseguir banir essa pesca daqui. É uma coisa que o Compesca já tentou muitas vezes e ainda não conseguiu, mas vamos conseguir na batalha.

A lagosta, infelizmente, ainda não conseguimos resolver.

Há outras atualizações legais importantes de serem feitas para conciliar a manutenção da pesca com a conservação ambiental em outros territórios, como em Itaipava, no sul do Estado?

O Tamar trabalhou muito com a frota de Itaipava, o Compesca também. Eu estive lá como representação do Compesca para tratar da pesca de atum. Os pescadores queriam um defeso para o dourado, que é um dos principais pescados aqui do Espírito Santo, junto com o camarão sete-barbas e o peroá, são os quatro recursos pesqueiros mais importantes do Estado.

O Tamar também andou muito lá, pela conservação das tartarugas marinhas, porque a pesca principais de Itaipava, que é de atum, tanto de espinhel de superfície quanto de linha de mão, interage bastante com as tartarugas marinhas. Então a gente sempre esteve trabalhando em conjunto com os pescadores tentando criar medidas mitigadoras para a conservação das tartarugas marinhas. Então dentro do Compesca a gente pode continuar discutindo toda as reivindicações que a frota de Itaipava tem, que é uma frota importantíssima para a gente.

De novo: todas as ações e conversas e diálogos que a gente tem que ter com o setor pesqueiro é visando isso: que a pesca possa continuar com sustentabilidade, protegendo as espécies ameaçadas e rendendo a produção pesqueira para o pescador.

Como o Compesca funciona atualmente?

A presidência é compartilhada entre o Ministério da Pesca e o Ibama. Já teve uma portaria oficializando o Compesca, mas depois do compartilhamento, não foi atualizada. Agora uma coisa que sempre faltou ao Compesca é apoio estrutural. Infelizmente, a gestão pesqueira no Brasil é pouco valorizada, haja vista que a gente não tem nem um serviço nacional de estatística pesqueira que possa nos dar uma informação correta de quanto é produzido de pescado no Brasil.

O Compesca sempre funcionou muito no suor dos técnicos que ajudavam na secretaria executiva, eu, o pessoal do Núcleo de Pesca do Ibama e o João, que não está mais na secretaria de pesca. Claro que os pescadores sempre demandavam, mas sem essa força de vontade da secretaria-executiva, as reuniões começam a ficar raras. Em 2023, o João saiu da Secretaria de Pesca, a Amanda e o Gustavo estão com outras atribuições e eu pedi licença para o doutorado, então fica difícil organizar as reuniões.

A falta de uma oficialização, depois da entrada do Ministério da Pesca, precisa ser resolvida, porque assim a gente pode passar a ter um recurso destinado só ao Compesca, para comprar material de audiovisual, ter uma equipe própria para o secretariado e para a área técnica, para fazer as pesquisas.

Quando a gente fala da pesca assistida, por exemplo, ou da questão da lagosta, todas as saídas de campo até hoje foram feitas com recursos aproveitados muitas vezes do Tamar. Eu participei de todos, fiz os embarques, participei dos levantamentos de dados e eles nunca foram com recursos dedicadas ao Compesca.

Na época da criação da unidade de conservação de Aracruz, também, eu saí com o Roberto Sforza e os pescadores para conhecer a área. Esses trabalhos acabam dividindo com outras demandas que a gente tem, que são muitas, e o Compesca não tem a devida atenção. Falta apoio governamental para que ele funcione melhor.

Então, falta estrutura, sempre faltou. Mas esse ano de 2023, ainda mais. Porque uma parte da secretaria-executiva teve que pedir licença, outra parte, pela superintendência do Ministério da Pesca, não está mais lá. Então não sabemos ainda quando o Compesca vai poder retomar de fato as atividades.

A despeito das dificuldades do Compesca, qual o legado que você acha que ele já deixa para o presente e que serve de norte para quaisquer entidades que se dediquem a trabalhar com a pesca, sob o viés da sustentabilidade social, econômica e ambiental?

Eu estou tratando do Compesca no meu doutorado, mergulhando no histórico desse fórum, que é único no Brasil, com todos os pontos positivos que ele alcançou, funcionando há vinte anos. Acho que o Compesca ensina para a gente a importância de juntar o conhecimento tradicional dos pescadores com o conhecimento cientifico, que no nosso caso veio principalmente da Ufes e do Ifes de Piúma, desde a Escola de Pesca de Piúma. É isso, é preciso continuar unindo esses dois conhecimentos e trabalhar para uma melhora, para uma pesca cada vez mais sustentável.


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