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Indígenas realizam manifestações em Aracruz e enviam lideranças a Brasília

STF retoma julgamento da tese do Marco Temporal nesta quarta-feira. Mobilizações ocorrem em todo o país

A retomada do julgamento da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para quarta-feira (30), mobiliza indígenas de todo o País a se manifestarem em seus territórios e cidades e em Brasília. No Espírito Santo, a previsão é de ações semelhantes às ocorridas em junho, com protestos nas rodovias que cortam as Terras Indígenas (TIs) Tupinikim e Guarani em Aracruz, no norte do Estado, além de envio de lideranças para a Capital Federal.

A votação no STF ocorre 84 dias após a suspensão do julgamento, no dia 7 de junho, quando o ministro André Mendonça pediu vistas do processo, logo após o voto de Alexandre de Moraes, que se posicionou contrário ao Marco Temporal, porém, defendeu que novas demarcações aconteçam mediante a indenização das pessoas físicas ou jurídicas que ocupem o território indígena a ser regularizado. O posicionamento é considerado “desastroso” pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pois “desconsidera a história da grilagem de terras no Brasil e pode inviabilizar a demarcação dos territórios”.

Antes de Moraes, votaram Edson Fachin (contra) e Nunes Marques (a favor), resultando em um painel parcial de 2 a 1, em que a causa indígena segue vencendo.

O objetivo da mobilização nacional é unir movimentos sociais e sociedade civil e reivindicar a derrubada da tese no STF e a garantia da demarcação de todas as terras indígenas no Brasil. Entre maio e junho, as organizações que compõem a Apib mobilizaram mais de 129 manifestações em 21 estados, incluindo o Distrito Federal.

Fábio Rodrigue-Pozzebom/Agência Brasil

“Empresários e parlamentares do agronegócio estão pressionando, mas o movimento indígena não irá recuar. Estamos convocando todos os parentes e parentas, não indígenas, organizações parceiras e artistas, para juntos construirmos uma grande mobilização permanente em Brasília. Vamos ocupar todos os espaços e pressionar para que o Marco Temporal seja derrubado de uma vez por todas”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. Nos próximos dias, a organização também irá convocar uma formação online com influenciadores e comunicadores sobre a tese.

Nova invasão

Para o povo Guarani, a luta contra o Marco Temporal é “a luta contra o extermínio e expulsão forçada de milhões de indígenas, desde a invasão europeia” e o tema foi o principal ponto de pauta do encontro da Comissão Guarani Yvyrupa realizado em Santa Cruz nesse final de semana (26 e 27).

Um dos encaminhamentos foi abrir uma vakinha para arrecadar recursos para a viagem de lideranças Guarani para engrossar as manifestações sobre o Marco Temporal no dia 30 e também para ajudar a participação das mulheres Guarani na III Marcha das Mulheres Indígenas, que ocorre duas semanas depois, de 11 a 13 de setembro, também na Capital Federal, com o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade através das raízes ancestrais” e organização da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras (Anmiga). (Veja dados para doação abaixo)

Indústrias no território indígena

Nas aldeias de Aracruz, o ato será realizado sob o fantasma de uma sentença emitida na véspera das manifestações, no dia 6 de junho, pelo juiz Fábio Massariol, da 1ª Vara Cível, Família e de Órfãos e Sucessões de Comarca de Aracruz. A decisão acatou pedido feito pela Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) em uma Ação de Tutela Antecipada, requerida em caráter antecedente, alegando que a manifestação “impacta severamente as atividades das empresas localizadas na região, como Petrobras, Jurong, Imetame, Suzano, Estel, JSL, dentro outras”.

Manifestação em junho, quando o Marco Temporal tramitava na Câmara dos Deputados. Foto: Redes Sociais

Em caso de descumprimento, o magistrado estabelece a imediata desobstrução das vias, “autorizando a livre circulação dos veículos, prepostos e prestadores de serviço das indústrias nas vias particulares e públicas” e a multa no valor de R$ 2 mil “para cada pessoa, por dia, que descumprir quaisquer das determinações da presente ordem judicial”, além de autorizar “o uso de força policial, caso necessário”, por meio de intimação do Comando da Polícia Militar do 5º BPM e solicitar o contato com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O vice-cacique da Aldeia Piraquê-açu, Rodrigo Guarani, informa que a CGY também entrou com uma ação na Justiça, reivindicando seu direito a realizar as manifestações nas estradas que cortam seu território, nos mesmos moldes de junho, no sistema “pare e siga”, em que os veículos são retidos por 20 minutos, com exceção de polícia, bombeiros, ambulâncias e outras urgências e emergências.

“É um direito da gente de fazer essa mobilização. Um pessoal não entende muito bem, fica triste com isso. É mais as empresas que não querem, não podem esperar nem cinco minutos, porque falam que perdem muito dinheiro. Foi o que aconteceu na outra vez, as empresas que estão na beira do nosso território entraram na Justiça. Mas a gente quer manter nosso direito, vamos continuar fazendo mobilizações no nosso modo”, afirma.

As empresas listadas na ação da Findes se inserem num grupo de 40 empreendimentos instaladas dentro ou no entorno direto dos territórios indígenas Tupinikim e Guarani, que somam um grande número de irregularidades no cumprimento das condicionantes de licenciamentos ambientais. Esses passivos estão sendo mapeadas em um projeto da Articulação dos Povos Indígenas do Norte, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), uma das entidades que compõem a Apib.

A pioneira na “invasão” industrial do território tradicional foi a então Aracruz Celulose (ex-Fibria, atual Suzano), nos anos 1960, que até hoje não entregou condicionantes relativas a obras diversas, como o Canal Caboclo Bernardo, que desvia água do Rio Doce para sua fábrica, em Barra do Riacho.

ONU

Em Genebra, na Suíça, Maurício Terena, coordenador do setor jurídico da Apib, se reuniu na última sexta-feira (25) com a relatoria para povos indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU) para articular a atualização do parecer da ONU contra o Marco Temporal. “Solicitamos uma manifestação das Nações Unidas para que qualquer tentativa de conciliação que restrinja o direito dos povos indígenas à terra seja ressaltado que isso é uma violação aos tratados internacionais de direitos humanos aos quais o Brasil é signatário”, contou o advogado indígena. Além dele, Kari Guajajara, assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), e Lorena Curuaia, liderança do Xingu, também estiveram presentes na reunião.

Congresso Nacional

O Marco Temporal também está em tramitação no Senado por meio do Projeto de Lei 2903, aprovado no dia 23 de agosto na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e aguarda o parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). As organizações indígenas também querem que o Governo Federal faça articulações mais intensas dentro do Congresso Nacional para garantir uma tramitação participativa do PL e que Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, não permita que o projeto seja votado antes do julgamento da tese no Supremo Tribunal Federal (STF), como garantido por ele em reunião com lideranças indígenas no dia 31 de maio.

O PL 2903, que institui o Marco Temporal, foi aprovado na Comissão de Agricultura do Senado no dia 23 de agosto. Foto: Lula Marques/ABr

Inconstitucional

O Marco Temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências, em especial da ditadura militar, e a tutela do Estado a que os povos foram submetidos até 1988. Antes disso, inúmeros povos foram forçados a sair dos seus territórios e não tinham autonomia para lutar judicialmente por seus direitos.

No STF, o Marco Temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

Doações

Comissão Guarani Yvyrupa

Banco do Brasil

Agência: 3560-2

Conta Corrente: 25106-2

Pix: 21.860.239/0001-01

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