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‘Regulamentação da pesca assistida precisa ser feita junto com o pescador’

Pescador Valquírio atuou por três anos com órgãos ambientais para elaborar minuta de normativa da pesca assistida

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A regulamentação da pesca assistida em Vitória precisa ser feita junto com o pescador artesanal. A afirmação é reforçada nesta terça-feira (29) pelo pescador Valquirio Sampaio Loureio, ao comentar as expectativas dos pescadores de rede da Capital diante da assinatura, pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), da lei que autoriza imediatamente a pesca do camarão no pesqueiro tradicional próximo ao porto de Tubarão e que abre caminho para permitir a pesca assistida nas baías de Vitória e do Espírito Santo, mediante futura regulamentação por decreto.

A assinatura aconteceu às 7h30, no Píer da Praia do Suá, em um evento realizado junto com o Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), onde houve distribuição de duas toneladas de peixes para a população e a presença de vereadores e outras lideranças da pesca, como o presidente da Colônia Z-5, Álvaro Martins Filho, o Alvinho. A lei modifica uma lei de 2017, a nº 9077/2017, proposta pelo então vereador Luiz Emanuel e sancionada por Luciano Rezende (Cidadania), que criminalizou a pesca artesanal na cidade.

“Essa lei não resolve nada. Quando o vereador Luiz Emanuel [Republicanos] criou aquela lei não tiveram estudo nenhum, não ouviram o pescador. Já existia um estudo para modificar a lei federal, não houve avanço porque o município entrou com essa lei, então teria que tirar essa lei municipal para mudar a lei federal. Agora o prefeito está tirando sem ouvir o pescador também. Continuam fazendo errado. Não vai se resolver o problema de Camburi e de nenhuma área enquanto não chamar o pescador para conversar. Tem umas dez pessoas em Camburi que sabem como fazer a pesca assistida. Tem que ensinar aos outros. Tem locais que a gente não coloca a rede, nem assistida, porque vai pegar tartaruga e ela vai rasgar a nossa rede”, relata Valquirio.

Ao longo desses seis anos, os pescadores realizaram diversos protestos, reivindicando o retorno do direito de pescar, sob o slogan “Pescador não é bandido”, mas nunca encontraram diálogo. Foi sob a gestão atual, de Pazolini, que a fiscalização sobre a lei se tornou mais rigorosa, a partir de uma operação conjunta de fiscalização deflagrada no último dia 6 de junho, levando a uma paralisação quase que total da pesca artesanal na Capital.

Foi quando uma ampla mobilização dos pescadores junto à prefeitura e à Câmara de Vereadores passou a cobrar uma mudança efetiva da legislação, de forma a permitir o retorno ao trabalho. Mas foi somente em agosto, mais de dois meses depois, que o prefeito ouviu os trabalhadores do mar e, atropelando o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Condema), apresentou um projeto de lei para modificar a 9077/2017. Os vereadores, por sua vez, divididos entre direita e esquerda, não votaram os projetos de Karla Coser (PT) que tratavam a questão de forma mais ampliada, prevendo a criação de instrumentos de gestão como o fundo municipal e a gerência de pesca, e aprovaram “em urgência urgentíssima” o PL simplificado de Pazolini.

A lei sancionada pelo prefeito nesta terça-feira, portanto, traz só a solução para os camaroeiros. A pesca de rede continua proibida, aguardando a regulamentação. E é nessa regulamentação que reside o segredo do sucesso dos esforços que já vêm sendo empenhados há muitos anos para implementar uma estratégia pesqueira que garanta a proteção das espécies alvo de proteção ambiental na cidade, como as tartarugas marinhas e arraias.

“Nós ficamos três anos fazendo os estudos, junto com o Projeto Tamar, o Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis], o Compesca [Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca]. A gente teve uma licença por três anos para fazer a pesquisa. Levava os peixes pra Ufes e tirava a temperatura da água, levava tudo pra Ufes. O que a gente não queria, a gente soltava vivo ainda”, relata Valquírio.

Normatização da pesca assistida elaborada pelo Compesca foi resultado de três anos de estudos com órgãos ambientais. Foto: Arquivo Pessoal

Um dos mais experientes pescadores da cidade, foi ele quem liderou, da parte dos trabalhadores, os estudos ambientais que resultaram na minuta de normativa que foi levada para Brasília para modificar a legislação federal e permitir a técnica da pesca assistida nas baías de Vitória e do Espírito Santo, incluindo a tradicional praia de Camburi.

“A minuta federal chegou a ir pra Brasília, mas não avançou. E depois em Vitória foi publicada aquela lei proibindo tudo. Só que antes não tinha muita fiscalização e os pescadores trabalhavam. Com a fiscalização, eles voltaram a fazer a pesca com rede de espera, que não tem como separar o que o pescador quer e o que não pode pescar. Quando foi criada essa lei pela prefeitura, foram mortas mais de mil tartarugas. Deve ter morrido umas vinte toneladas de arraia. Quando fazia a pescaria livre, toda arraia que vinha, as tartarugas, a gente soltava. Isso tudo aconteceu porque não ouviram o pescador. Como até hoje não fazem questão de ouvir”, posiciona.

“Eles [os gestores da prefeitura e os vereadores] não sabem o que é pesca assistida, que porto pode pescar. Tem lugares que não pode pescar, tem que respeitar, mas eles não ouvem a gente. Eu conheço Vitória como a palma da minha mão, cada pedra de Camburi, sei de tudo de bom e de ruim naquela praia, onde pode e não pode pescar. Quando a gente pescava a pesca assistida, era zero morte de tartaruga, de arraia e de peixes, que não interessam para gente”.

A expectativa de Valquírio e outros que participaram do estudo com os órgãos ambientais e que, nos últimos meses, estão empenhados na descriminalização da pesca artesanal tradicional de Vitória, é que o trabalho de regulamentação seja feito de forma dialogada com os pescadores e com ações em campo minuciosas que permitam o estabelecimento de regras que realmente irão funcionar e que seja acompanhado de treinamento dos pescadores e dos agentes de fiscalização, e de rigorosa fiscalização sobre quem de fato estará autorizado a pesca, onde e como.

“O trabalho está pronto lá no Compesca. A prefeitura tem que monitorar os pescadores, de que maneira se pesca, onde se pesca. Mas eles [gestores] não sabem de nada, só ficam atrás de uma mesa escrevendo. O secretário [Tarcisio Foeger, de Meio Ambiente] tinha que fiscalizar também a poluição, limpar os manguezais para o pescador ter seu trabalho digno. Estão fazendo o contrário, perturbando o pescador e deixando a poluição tomar conta”, reivindica Valquirio.

A visão é compartilhada pelo presidente do Sindpesmes, João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia. “A nossa ideia é levar todos os representantes do Compesca e os ambientalistas, junto com os pescadores, para todo mundo entender como pode funcionar a pesca assistida. A gente mostrar ali no mar como que é, mostrar que, com a pesca assistida, acaba o problema de morte de tartaruga em rede”, disse, por ocasião do anúncio do evento desta terça-feira.

O vice-presidente da Associação dos Pescadores, Marisqueiros e Desfiadeiras da Grande São Pedro, Celso Luchini, reforça a posição. “A pesca tem que andar de mãos dadas com o meio ambiente. Eu não posso falar em nome da prefeitura ou dos órgãos competentes, mas a gente só espera que até mesmo os pescadores honrem essa oportunidade que o prefeito e a equipe dele estão dando para a gente e tenham o bom senso para atuar de forma correta para que o meio ambiente não seja prejudicado e os pescadores voltem de forma legal a exercer sua atividade”.

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