Grito dos Excluídos denunciou as várias fomes e sedes da população capixaba neste 7 de setembro
O tradicional Grito dos Excluídos, que acontece todo dia 7 de setembro, foi marcado pela lavagem de parte da escadaria Bárbara Lindemberg, que dá acesso ao Palácio Anchieta, sede do Governo do Estado, em Vitória, e ponto de chegada dos manifestantes. “Lavamos a injustiça, a insegurança e a falta de um governo que fale com o povo”, bradou o coordenador do Fórum Igrejas e Sociedade em Ação, Giovani Lívio.
O tema do Grito este ano foi “Vida em primeiro lugar” e o lema “Você tem fome e sede de quê?”. A necessidade de água e comida foram lembradas durante a manifestação, com denúncias contra a impunidade do crime da Samarco/Vale-BHP, que destruiu o Rio Doce por meio do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), e contra a situação de inúmeras pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar e nutricional.
Para além da necessidade de se alimentar e de se hidratar, porém, muitas outras fomes e sedes foram evidenciadas, como as de terra, teto, trabalho, justiça, paz, educação, saúde e saneamento básico. “O momento da lavagem das escadarias, bem como todo o Grito, foi de reflexão sobre quantas coisas devemos colocar a limpo em nosso Estado. Temos um governo que não dialoga com os movimentos sociais, que não reconhece a violência que pratica contra os pobres”, cobra Giovani.
Uma das evidências da falta de diálogo da gestão de Renato Casagrande (PSB), recorda, está no não cumprimento do termo de compromisso assinado pelo gestor com a sociedade civil organizada durante o segundo turno das eleições 2022. O documento reúne reivindicações que buscavam saciar as inúmeras fomes e sedes da população capixaba, como medidas efetivas de integração social de reeducandos e adolescentes; aprimoramento e construção de políticas de igualdade e oportunidades igualitárias para meninas e mulheres; implementação das ações constantes do Plano Estadual de Enfrentamento à LGBTfobia; garantia à liberdade religiosa; e defesa dos direitos dos povos originários.
As ações policiais nas periferias também foram lembradas, destacando a fome e a sede de uma política de segurança pública que não criminalize os pobres. “Poderemos escrever uma história diferente no nosso Espírito Santo, que hoje tem fome e sede de justiça e paz, quando tivermos políticas públicas intersetoriais de segurança que protejam a vida dos empobrecidos que vivem nas periferias, hoje eleitos pelos agentes de segurança como inimigos do Estado. Não é de hoje que as ruas, praças e escadarias dos morros e periferias são lavadas no Espírito Santo com o sangue de jovens negros e pobres, sob o olhar complacente e o silêncio cúmplice das autoridades públicas nas diversas instâncias do poder”, destacou o coordenador do Vicariato Para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória, padre Kelder Brandão.
‘Laureni França, presente!’
Este ano, o Grito dos Excluídos chegou a sua 29ª edição. Em quase 30 anos de realização, muita gente contribuiu para que, ainda hoje, os movimentos populares continuem a ocupar as ruas nessa data. Várias delas já se foram, sendo lembradas no Portal do Príncipe, em frente à Rodoviária de Vitória, onde aconteceu a concentração da manifestação. Um deles foi professor e ativista Laureni França, assassinado em julho deste ano, asfixiado, dentro de casa, por um vizinho que tentou, ainda, tirar a vida de outras pessoas da vizinhança sem nenhuma explicação.
Uma das motivações para a escolha do local da concentração, inclusive, foi o fato de que o ativista morava e foi morto ali perto, no bairro Mário Cypreste. “Podemos construir no Espírito Santo uma história de amor, a história que nosso amigo, professor de história, Laureni França, ajudou a escrever dedicando sua vida à educação pública e aos movimentos sociais, lutando dia e noite por uma sociedade mais humana e inclusiva, até que teve sua vida roubada, vítima da violência e do ódio que imperam em nossos dias, porque nos esquecemos de amar. Laureni França, presente!”, disse padre Kelder para um público de centenas de pessoas que, em coro, repetiu a saudação ao ativista.
A família de Laureni estava presente. Seu sobrinho, Evandro França, recorda que o tio não gostava de ganhar visibilidade com suas ações de militância, por isso, não era muito de detalhar sua atuação nos movimentos sociais.
“Por causa disso não sabíamos que ele tinha esse tamanho todo, estamos descobrindo o quanto ele era gigante, tudo que fez, tudo que construiu. Para a gente, estar aqui no Grito tem um significado muito grande. Nossa família sempre foi ligada aos movimentos sociais, descobrir que ele foi um ser humano que ajudou a construir isso tudo aqui hoje faz a gente sair daqui maior do que quando chegamos”, exalta, emocionado.