A Arquidiocese de Vitória, por meio do arcebispo Dom Frei Dario Campos, divulgou uma nota sobre os ataques feitos por parlamentares ao padre Kelder Brandão durante a sessão da Assembleia Legislativa dessa segunda-feira (11). As acusações tiveram início após o deputado estadual Coronel Weliton (PTB) exibir um vídeo no qual mostra um suposto “baile com armas e drogas” nas dependências da comunidade católica de São Benedito, no Território do Bem. Na nota, a Arquidiocese de Vitória chama as afirmações sobre o vídeo de “inverdades”.
“O fato trouxe errônea visão a alguns membros do Poder Legislativo estadual. O vídeo e os representantes daquele Poder atribuem responsabilidades à Igreja e a associam ao tráfico de drogas e de armas, bem como ao Pároco, Padre Kelder Brandão, que atua naquela localidade desenvolvendo seu trabalho pastoral e espiritual, além de ser Vigário Episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese”, pontua.
A nota prossegue traçando o histórico da comunidade católica de São Bendito. Conforme consta no texto, a Mitra Arquidiocesana de Vitória recebeu no ano de 1960 a doação do terreno onde está situada a comunidade. Posteriormente, foi edificado no local um prédio com três andares, que passou a contar, no alinhamento da via pública, com o Serviço de Engajamento Comunitário (Secri); na parte superior, com uma quadra de esporte; e, na outra dimensão, a comunidade católica.
O prédio das imagens, de acordo com a Arquidiocese, foi dado em comodato ao Secri, “que desempenha sério trabalho social (com crianças, adolescentes, jovens e suas famílias que vivem em situação de risco e vulnerabilidade social, favorecendo a formação ética e social do seu público alvo)”.
“A Igreja não tem qualquer responsabilidade sobre o contexto alardeado pelas autoridades legislativas, no que concerne à invasão de possíveis criminosos e promoção de ‘festas’ com cunho ilícito e imoral. A contenção do avanço da criminalidade é de competência do Poder Público, afinal a missão precípua da Igreja é levar o evangelho a todos os povos e em qualquer lugar que eles se encontrem. Significa dizer que é agir concretamente, participar ativamente auxiliando a transformar a realidade concreta de pessoas, de grupos e da sociedade. As atividades em prol da justiça social são uma consequência do anúncio da fé cristã. Missão é ação generosa, gratuita, que não se coaduna com incitação de crime, violência ou coisas equivalentes”, aponta a nota.
Dom Dario afirma que “reforça seu apoio ao padre ofendido e referenda as atividades pastorais desenvolvidas pela Paróquia Santa Teresa de Calcutá, em Itararé, que estão em perfeita sintonia com as orientações e diretrizes da Igreja Universal, da CNBB – Conferência dos Bispos do Brasil e da Arquidiocese de Vitória-ES”.
Enfatiza ainda que “rechaça veementemente o vídeo circulado, que tomou conhecimento na data de hoje, bem como as manifestações individualizadas pelos deputados estaduais do Poder Legislativo Local, na sessão legislativa de 11 de setembro do corrente ano, alardeando, inclusive, que se manterá firme no seu propósito e missão, conclamando as autoridades públicas que exerçam sua função institucional de garantir a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos, através dos órgãos instituídos pela União e pelos Estados”.
Calúnia e desrespeito
Diante das acusações e ofensas, a deputada Camila Valadão (Psol) foi a única a reagir e cobrar respeito ao padre Kelder, além de apontar que as imagens não são no espaço informado pelo parlamentar. Camila demonstrou sua solidariedade ao sacerdote, que “foi caluniado, atacado com adjetivos, com afirmações que não condizem com sua longa trajetória de luta e de fé na cidade de Vitória”. Para ela, a afirmação feita por Coronel Weliton mostra “desconhecimento” sobre Vitória, o Território do Bem e a comunidade de São Benedito, uma vez que o local onde ocorria o baile trata-se de uma antiga quadra do Serviço de Engajamento Comunitário (Secri), que se encontra interditada.
“O Secri é uma instituição seriíssima, com um trabalho fantástico com crianças e adolescentes. É uma calúnia e um absurdo sem tamanho”, disse. A parlamentar cobrou dos deputados que “respeitem o padre Kelder, sua história, suas comunidades, seu legado de fé e esperança em defesa da vida”.
Acusações
Após a exibição do vídeo durante a sessão, o primeiro parlamentar a se pronunciar foi Dary Pagung (PSB), dizendo que a “quadra da Igreja é para ajudar na fé, nos louvores”. Afirmou, ainda, acreditar que a Arquidiocese de Vitória não estava ciente. “Fico abismado ao ver as imagens, ainda mais num local que era para cultuar a Deus”, afirmou. Depois de Dary Pagung, quem falou sobre o assunto, em tom bastante agressivo, foi Lucas Polese (PL).
Ele ressaltou estar “estarrecido, e não surpreso”, e prosseguiu dizendo que é “o que se espera quando ouço o nome do padre Kelder relacionado”. Polese acusou o sacerdote de, em 2022, ter utilizado o altar da igreja “para pedir voto para o PT” e recordou as recentes críticas do pároco às ações da PM no Território do Bem. “Um padre mais preocupado em perseguir a polícia, em condenar a polícia, em atacar o trabalho policial, do que pregar a palavra de Deus, o Evangelho”, acusou.
Lucas Polese também mostrou a manchete de uma matéria do jornal A Gazeta sobre dois jovens mortos pela PM em Alvorada, Vila Velha, nessa sexta-feira (8). A manchete trazia a afirmação do pai de um dos jovens, que dizia que o rapaz não estava armado. O deputado acusou o jornal de defender o crime organizado e mostrou vídeos que, segundo ele, mostravam a ação de pessoas ligadas às vítimas, atacando ônibus na região após as mortes.
Em seguida, voltou a atacar padre Kelder, ao dizer que, diante das recentes ações da PM no Território do Bem, o sacerdote “estava militando na Gazeta, no Século Diário, dizendo que a PM perseguia a comunidade dele quando fazia operação lá”. Ainda acusou o pároco de não conhecer “o Evangelho que ele prega”. “Se conhecesse saberia que não roubarás é um mandamento, que aborto vai contra as diretrizes da Igreja Católica, que a ideologia de gênero também vai contra, que o assalto promovido pelo PT vai contra tudo que ele defende”, disse.
Outro deputado que discutiu sobre a questão de maneira agressiva foi Callegari (PL), que se declarou “católico apostólico romano” e disse que sua religião “é de fé, amor, paz, amor ao próximo, que não condiz com isso [as imagens do baile]. É vergonhoso ver um centro ligado à nossa Igreja sendo usado de maneira vergonhosa por bandidos. Mais estarrecedor é ver um padre, como o Kelder, que é um militante que age dentro da Igreja Católica, a serviço de ideias que não representam o Evangelho do Nosso Senhor, representam a cartilha de Karl Marx”, acusou.