sexta-feira, novembro 22, 2024
22.1 C
Vitória
sexta-feira, novembro 22, 2024
sexta-feira, novembro 22, 2024

Leia Também:

Servidores públicos com autismo lutam por redução de carga horária

Professores Vinícius de Aguiar e Wanderlei Porto acionaram a Justiça contra prefeituras da Grande Vitória

Divulgação

Vinícius de Aguiar, de 42 anos, e Wanderlei Porto, de 48 anos, estão entre os casos crescentes de pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) diagnosticadas na fase adulta. Ambos também são professores em escolas municipais da Grande Vitória, e entraram recentemente com processos nas prefeituras a que estão vinculados para conseguirem redução da carga horária de trabalho. Entretanto, o número de pessoas com a mesma demanda pode ser bem mais alto.

No caso de Vinícius, os processos foram protocolados nas prefeituras de Cariacica e Vila Velha, municípios onde atua – da primeira, aguarda retorno, mas da segunda recebeu resposta negativa neste mês à solicitação feita em julho. Wanderlei também espera a tramitação de um processo na Prefeitura de Cariacica, mas a Prefeitura de Viana, da qual também é servidor, autorizou, em setembro, a redução de 20% de sua carga horária por 90 dias, prorrogáveis por igual período.

Vinícius afirma que conhece pelo menos mais uma pessoa com TEA na Grande Vitória que solicitou redução da carga horária no serviço público, e que acredita haver muitas outras que preferem seguir com a rotina para evitar exposição. Para ele, reduzir tempo no trabalho é uma forma de garantir acompanhamento especializado contínuo, já que em algumas áreas, como a psicologia, não há emissão de atestado médico, dificultando o afastamento durante o expediente. Carga horária menor também o ajudaria a diminuir desgastes relacionados às dificuldades de interação social e à exposição a estímulos sensoriais, como sons e iluminação excessiva.

No laudo de seu processo na Prefeitura de Vila Velha, um dos dois psiquiatras que o atendeu – ele também passou por avaliação neuropsicológica – relata que o paciente, desde 12 anos de idade, “demonstra dificuldade ao tomar iniciativas de interações sociais, assim como manter tais interações por tempo prolongado. Demonstra baixa rede social e promove interações apenas quando julga necessário. Alega que sempre teve dificuldade na interpretação de figuras de linguagem, rotina rígida e inflexível, hipersensibilidade sensorial e algumas estereotipias”. A partir disso, o médico justifica que a solicitação de redução na carga horária visa “evitar consequências negativas cognitivas e emocionais”.

“Estou num nível de ansiedade relativamente alto, mesmo com medicação. Quero ter uma vida normal, como todo mundo, trabalhar e estudar. Daí a necessidade do acompanhamento médico contínuo e das psicoterapias semanais. Sem a redução de carga horária laboral, isso é muito difícil. Sou pessoa portadora de um autismo que, não obstante seja leve, traz-me algumas consequências e impacta a minha qualidade de vida” afirma Vinícius, que atualmente está afastado do trabalho.

Questão jurídica

Do ponto de vista jurídico, a reivindicação dos servidores se baseia principalmente nas leis federais 8.112 de 1990, que prevê “horário especial ao servidor portador de deficiência”, e 12.764, de 2012, que reconhece que pessoas com autismo também são consideradas pessoas com deficiência. Entretanto, a norma de 1990 é direcionada a servidores da União. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) apontou que haveria repercussão para o funcionalismo estadual e municipal, mas quando não há normas locais específicas, a controvérsia se instala.

Foi o que aconteceu com a solicitação negada de Vinícius de Aguiar pela Prefeitura de Vila Velha. Em sua manifestação no processo, a Secretaria Municipal de Educação apontou que, pelas normas do município, o horário especial é apenas para servidores que tenham filhos e familiares com “deficiência ou transtorno geral do desenvolvimento”, e não para os próprios funcionários. Já a Procuradoria Municipal argumentou que a decisão do STF sobre a aplicação da Lei 8.112/1990 em casos de pessoas com autismo partiu do pedido de um servidor que demandava tempo para cuidar do filho, não podendo ser aplicada ao caso do professor da rede.

O professor Vinícius garante que, apesar da negativa, não desistirá do pleito e tomará novas medidas. Com relação ao seu processo que tramita na Prefeitura de Cariacica, ele se diz mais esperançoso, pelo fato de o estatuto do servidor do município ter sido atualizado em maio deste ano e contemplar a sua demanda.

Com relação ao pedido de redução da carga horária feito por Wanderlei Porto e concedido pela Prefeitura de Viana por um curto período de tempo, o texto da portaria em que a decisão foi publicada condiciona a prorrogação a uma nova perícia médica.

Descoberta tardia

Os diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista são mais comuns no público infantojuvenil, uma vez que o sofrimento psíquico decorrente desta condição começa a ser experimentado ainda na primeira infância. Entretanto, as pesquisas mais recentes sobre o tema começaram a apontar que existem diferentes graus – ou espectros – de autismo. Dessa forma, quem tem o transtorno em menor nível de intensidade pode passar a maior parte ou toda a vida sem um diagnóstico. Vinícius e Wanderlei, por exemplo, tem Síndrome de Asperger, considerado de nível 1.

As políticas públicas e o trabalho de entidades como a Associação dos Amigos dos Autistas (Ama) também são mais voltadas para crianças e adolescentes. Segundo Vinícius, ele participa de um grupo de WhatsApp, com o título “Autismo adultos – informações”, que foi criado apenas recentemente.

“Sempre me vi como diferente, mas achava que era fruto da minha personalidade”, afirma Vinícius, que é formado em Ciências Sociais e Filosofia e tem mestrado em Ensino de Humanidades. Ele recebeu o diagnóstico apenas no início deste ano.

Já Wanderlei foi identificado com sintomas do Transtorno do Espectro Autista aos 25 anos, por uma psicóloga. Entretanto, ainda era o ano 2000 e, com medo da estigmatização, ele decidiu não levar o assunto adiante. “Em todo lugar onde eu ia, era visto como um estranho. Chegou um momento em que eu falei para mim mesmo que tinha que colocar um ponto final nisso”, desabafa.

Prejuízos

Há cinco anos na rede de educação de Cariacica e desde dezembro de 2020 na de Vila Velha, Vinícius de Aguiar afirma que, no início deste ano, começou a sentir um nível de ansiedade acima do normal. Foi então que decidiu recorrer à ajuda profissional, mas afirma que enfrentou uma série de problemas durante toda a vida, e que agora espera equacionar com tratamento adequado.

Wanderlei Proto também relata que sempre enfrentou diversas dificuldades que, hoje, sabe que estavam relacionados ao seu transtorno. Isso inclui perda de empregos e diversos relacionamentos afetivos desfeitos. Ele é formado em Pedagogia e Filosofia e está cursando História, mas diz que deixou outras duas graduações pela metade.

“Acredito que a redução da carga horária, além de dar mais tempo para me dedicar à psicoterapia, vai tornar minha condição mais visível para as pessoas, porque elas vão perceber que eu estarei com outra rotina e que a minha situação é realmente séria”, ressalta.

Mais Lidas