Prefeito Doutor Antônio decidiu anular o TAG e Casagrande se comprometeu a atender pedido de não municipalização
A comunidade quilombola de Graúna, em Itapemirim, sul do Estado, conquistou frutos importantes da luta popular empenhada em defesa de sua escola, a única estadual quilombola do Espírito Santo, referência nessa modalidade, e que está ameaçada pelo Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) proposto pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES) de forma autoritária, sem ouvir os moradores.
Nessa segunda-feira (23), a Procuradoria de Itapemirim encaminhou ao relator do TAG, conselheiro Rodrigo Coelho, pedido de anulação do termo que o município havia assinado no início do mês, e o governador Renato Casagrande (PSB) anunciou compromisso em não municipalizar a EEEF Graúna, em reunião com os deputados Camila Valadão (Psol) – autora de um projeto de lei que cria o Observatório da Educação do Campo – e João Coser (PT), além dos secretários de Estado da Educação, Vitor de Angelo, e da Casa Civil, Davi Diniz.
Nesta terça-feira (24), Doutor Antônio divulgou seu posicionamento oficial nas redes sociais da prefeitura. Com base na petição elaborada pelo procurador-geral, Diego Guimarães Ribeiro, afirmou que, após estudos técnicos realizados, ficou demonstrada a impossibilidade de assumir a Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) de Graúna, devido ao comprometimento ainda mais grave das finanças municipais que a medida provocaria.
“Acabo de me manifestar no Tribunal de Contas pela não ratificação do TAG, com fundamentos demonstrando que, de acordo com a atual situação do município, as mudanças não seriam viáveis (…) estamos confiantes que tanto o Tribunal como a Secretaria Estadual de Educação e o Ministério Público vão se sensibilizar com nosso pedido, e de forma prudente, dentro da legalidade, atender aos anseios da sociedade”, disse, garantindo que as matrículas para o ano letivo de 2024 seguirão normalmente, sem alteração.
No documento, o procurador e o prefeito relatam que, assim como Itapemirim, outros municípios manifestaram dificuldades em relação ao TAG, e que, no caso específico de Graúna, há dois grandes problemas: o comprometimento financeiro que a municipalização acarretaria, e o desrespeito à legislação federal, no que tange aos procedimentos necessários para o fechamento de 11 escolas do campo listadas no TAG, a saber: Caxeta, Piabanha do Norte, Pedra Branca, Brejo Grande do Sul, Afonsos, Portal de Paineiras, Barbados, Irmãos Kennedy, Retiro, Fazenda Velha e Santa Helena.
“A adesão do município de Itapemirim ao instrumento no atual momento e na forma em que se apresenta vai de encontro ao interesse público e à diversas legislações federais”, afirmam o procurador-geral e o prefeito.
“A princípio porque ao assumir, a partir do ano de 2024, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Graúna, englobando todos os encargos financeiros da referida instituição, o município incorrerá em aumentos de gastos, terá efetivo aumento de despesa, tendo em vista a obrigatoriedade na contratação de profissionais, alimentação escolar, materiais de consumo e permanente, além de toda estrutura necessária ao funcionamento de instituições de ensino”, expõem, citando a vigência do Decreto Municipal nº 19.555/2023, que dispõe sobre “a implementação de ações emergenciais para contingenciamento das finanças públicas e cumprimento das metas fiscais estabelecidas para o presente exercício”.
Afronta à lei federal
Em seguida, Diego e Doutor Antônio destacam outro ponto que “macula o TAG”, que é “a afronta à Lei Federal nº 9.394 de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional [LDB]”, especialmente no tocante ao Art. 28, parágrafo único, que trata da educação destinada às populações da zona rural, e afirma que “o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar”.
Ao contrário do que estabelece a lei, afirmam, “no caso em questão não fora realizada a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar (…) Infere-se, pois, que o Termo Ajustamento de Gestão em apreço viola a legislação federal, vários princípios constitucionais e principalmente o interesse público relacionado à garantia constitucional do direito social a educação”.
O documento acrescenta ainda que a redação do TAG viola também a Lei Orgânica do TCE/ES, pois “não atende todos os requisitos insertos no art. 1º, inciso XXXIX, da LC n. 621/12”, coincidindo, nesse ponto, com denúncia feita em junho de 2022 pela União dos Conselhos Municipais de Educação do Espírito Santo (Uncme-ES), pedindo providências ao Ministério Público Estadual (MPES), que o órgão ministerial ainda não tomou.
Os argumentos apresentados na petição estão alinhados com a defesa feita desde maio do ano passado pelo Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces) – quando a Corte de Contas iniciou a ofensiva de aprovação do Termo com os 78 municípios capixabas, com anuência da Sedu –, no que diz respeito ao atropelo da legislação federal relativa às escolas do campo, visto que os fechamentos de escolas foram sugeridos pelo conselheiro Rodrigo Coelho e aceitos pelos prefeitos e secretários de Educação sem qualquer consulta às comunidades, apesar das manifestações contrárias realizadas em municípios como Baixo Guandu, no noroeste do Estado, e Iconha, na região sul.
Mobilizações locais e nacional
“O Comeces acompanha as mobilizações das comunidades, está sendo procurado por elas e fornecendo as informações legais necessárias ao enfrentamento. Sabemos que outros municípios estão declinando do TAG, ao entenderem a forma irregular como tudo está tentando ser feito. Também enviamos informações ao Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec) e à Secadi do MEC [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação]”, relata a educadora e doutora em Educação Maria Geovana Melin Ferreira, integrante da comissão colegiada do Comeces.
Coordenador da União das Esquerdas Sul Capixaba (Uesc) em Itapemirim, Marcelo Gobbi conta que a organização recorreu ao MPES contra esse e outros desmandos recentes do município na área da educação, promovidos pelo atual secretário, Rafael Perim. “Sou do Psol de Itapemirim e temos um representante no conselho municipal de educação. Com o atual secretário, a prefeitura iniciou vários ataques à educação pública”.
Ele avalia que a mobilização da comunidade de Graúna feita com apoio de diversas entidades, como a Uesc e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), foi fundamental para reverter o processo.
“O Conselho Municipal de Educação já tinha intenção de fechar essas escolas do campo e usaram o TAG como desculpa para isso. Está na ata da reunião do conselho do dia 28 de agosto. O presidente da Câmara de Vereadores fala isso na sessão realizada na Câmara depois do protesto [realizado no dia 18 de outubro] Na ata, o conselho não aprova o fechamento das escolas, mas aprova o remanejamento dos alunos, o que na prática significa fechamento, porque uma escola sem alunos não funciona”.
Protesto na Capital é mantido
A despeito das vitórias alcançadas nesta semana, o manifesto marcado para a Capital está mantido, porém, ao invés desta sexta (27), será realizado na próxima segunda-feira (30), na Assembleia Legislativa. “A gente quer documento, uma garantia de que nunca mais vão querer mexer com isso na nossa escola. A gente vai aí mostrar um pouco da nossa força, para passarem a respeitar a gente, conversar antes de fazer as coisas”, ressalta o presidente da Associação Comunitária de Graúna, Elivanes Paulo, o Badá.
‘Nossa escola não será municipalizada’, afirma comunidade de Graúna
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