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Baixos salários dos peritos podem ser entraves para atuação do Mepet

Criação do mecanismo contra tortura foi aprovado sem as alterações solicitadas pelo movimento de Direitos Humanos

A aprovação do Projeto de Lei (PL) 688/2023, na sessão dessa quarta-feira (25), na Assembleia Legislativa, apesar de ser uma reivindicação de mais de duas décadas do movimento de Direitos Humanos, não foi motivo de comemoração. As alterações solicitadas, como maior quantidade de peritos e melhor remuneração, não foram feitas. Além disso, a proposta não foi encaminhada para análise da Comissão de Direitos Humanos.

A proposta altera a Lei nº 10.006/2013, que institui o Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo (Cepet/ES), buscando criar o Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação à Tortura no Estado (Mepet-ES). Foi aprovada em regime de urgência, pegando a sociedade civil desprevenida. O PL teve voto contrário somente da deputada estadual Iriny Lopes (PT). A deputada Camila Valadão (PT) não participou da sessão, pois estava em agenda externa. 

A presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Galdene dos Santos, relata que o governo definiu na proposta que serão três peritos contratados, com salário de R$ 3 mil. O movimento de Direitos Humanos defendeu a contratação de seis peritos, com o salário de R$ 6 mil. De acordo com Galdene, essa também foi a defesa feita pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, quando esteve no Espírito Santo, em agosto último, e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Erradicação à Tortura.
Diante da reivindicação dos movimentos de Direitos Humanos, do Governo Federal e do Mecanismo Nacional, a gestão estadual, afirma Galdene, se comprometeu a fazer as alterações, o que não aconteceu. 

O integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES), Gilmar Ferreira, aponta que existem mais de 30 unidades prisionais no Espírito Santo, além de espaços como hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e unidades socioeducativas, portanto, a quantidade de peritos prevista no projeto é insuficiente para a demanda.

Gilmar destaca, ainda, que as pessoas que passarem no processo seletivo para atuar como perito, por um salário de R$ 3 mil, poderão encontrar depois um trabalho com um salário melhor e deixarão o cargo, havendo rotatividade e demora para ocupação da vaga, já que será preciso abrir outro processo seletivo. “Vai ficar muito ‘capenga’. Somados os mais de 20 anos de reivindicação para que o Mepet fosse criado, mais o tempo que o projeto foi para a Assembleia, que foi em agosto deste ano, houve tempo suficiente para melhorar a proposta”, analisa.
O Sindicato dos Peritos Oficiais do Espírito Santo (Sindiperitos) também faz críticas ao PL. A categoria tem se mobilizado por valorização salarial, já que o salário dos peritos capixabas é considerado o pior do país. O salário inicial, informa o presidente da entidade, Tadeu Nicoletti, é de R$ 7 mil, portanto, o dos peritos que atuarão no Mepet é menos da metade. “A remuneração é pífia diante da responsabilidade de um perito de averiguar crime de tortura, ainda mais se levarmos em conta que, muitas vezes, quem o pratica é o próprio Estado”, ressalta.

Falta de diálogo

Em suas redes sociais, Iriny Lopes, que votou contra o projeto, apontou que as organizações de Direitos Humanos que debatem a temática e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura não foram ouvidos. “O projeto resumiu uma questão complexa ao salário [bem inadequado] de peritas/os, por força de decisão recente do STF [Supremo Tribunal Federal], de que tais profissionais devem ser remunerados. Não há qualquer menção em relação à infraestrutura para realização adequada do trabalho e nem as garantias que se exigem na instituição dos Mecanismos”, diz.

A deputada disse, ainda, que a criação de Comitês e Mecanismos “não é benesse de governos, mas obrigação do Brasil, ao ratificar, em 2007, o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Penas e Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes [OPCAT]”. A parlamentar recorda que, em visita do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao país, em 2015, foi recomendado “que fosse garantida autonomia orçamentária e fundos correspondentes às demandas do trabalho dos Mecanismos, além de plena autonomia operacional; a imprescindibilidade de que todas as Unidades da Federação implementem Mecanismos que estejam de acordo com o molde proposto”.

Iriny também destacou que a votação em regime de urgência não convocou a Comissão de Direitos Humanos, da qual é vice-presidente, contrariando o artigo 52 do Regimento Interno. Por isso, encaminhou ofício ao presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (Podemos), “requerendo medidas para solucionar esse problema, a fim de que o processo não seja encaminhado com um vício em sua tramitação”.

Na ocasião da visita do ministro Silvio Almeida ao Espírito Santo, a deputada Camila Valadão, que preside a Comissão de Direitos Humanos, entregou nas mãos do governador Renato Casagrande (PSB) uma indicação na qual aponta que a faixa remuneratória dos peritos proposta pelo Executivo Estadual é “incompatível com as atribuições previstas para o Mecanismo” e solicita que “a remuneração seja compatível com as atribuições do cargo”.

De acordo com Camila, na entrega do ofício também estavam presentes o deputado federal Helder Salomão (PT), Iriny Lopes e um representante do Mecanismo Nacional. “A gente entende que, como está, coloca o Espírito Santo numa posição muito ruim do ponto de vista nacional. É criar um Mecanismo morto, que não vai ter condições de atuar”, alerta.

Histórico
Para garantir a implementação do Mepet, além da cobrança da sociedade civil, houve pressão do Judiciário. A Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), por meio das Coordenações de Direitos Humanos, da Infância e Juventude e Criminal, ingressou com uma ação civil pública (ACP), com pedido de liminar, que está em trâmite, para que o governo instale o Mepet, com peritos remunerados.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF), em março de 2022, julgou inconstitucional trechos do Decreto 9.831/19, da gestão do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que causou o desaparelhamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. A decisão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 607, da Procuradoria-Geral da República, determinou o restabelecimento da destinação dos cargos aos peritos, com a respectiva remuneração, pois o decreto estabelecia que os peritos não seriam pagos.
Gilmar recorda que a luta pelas implementações do Cepet e do Mepet tiveram início diante de denúncias de supostas torturas no sistema prisional capixaba, chamando, inclusive, atenção da Organização das Nações Unidas (ONU) e fomentando a discussão no restante do Brasil. A criação do Comitê e do Mecanismo em âmbito nacional foi feita em 2013, no primeiro mandato da então presidente Dilma Rousseff (PT), por meio da Lei 12.847.

O Cepet, explica Gilmar, tem como função sugerir políticas de enfrentamento à tortura em espaços de segregação, como unidades prisionais, unidades socioeducativas, hospitais psiquiátricos e asilos, além de fazer a escolha, por meio de um processo seletivo, dos peritos que irão atuar no Mepet e que são responsáveis pelas inspeções.


Projeto de lei que cria o Mepet deve ser enviado à Assembleia em agosto

Anúncio foi feito pela secretária Nara Borgo, após duas décadas de reivindicação. PL prevê remuneração para peritos


https://www.seculodiario.com.br/seguranca/projeto-que-cria-o-mepet-esta-previsto-para-ir-a-assembleia-em-agosto

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