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Suzano é a empresa que mais consome água das bacias de domínio federal

Levantamento da Agência Pública afirma que água autorizada pela ANA corresponde ao abastecimento das capitais RJ e Manaus juntos

Divulgação

“Nas bacias de domínio federal, nenhum grupo empresarial consome mais água do que a Suzano, uma das maiores produtoras de celulose do mundo e uma das líderes globais no mercado de papel”. A conclusão é de um levantamento inédito feito pela Agência Pública, que identificou as 50 maiores detentoras de outorgas da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) que, juntas, estão autorizadas a captar água suficiente para abastecer 46% da população brasileira durante um ano.

A reportagem foi publicada nesta quinta-feira (26), com o título “Os donos da água: 50 empresas podem usar mesma quantidade que metade do Brasil”, assinada pelo repórter Rafael Oliveira. O volume total é de 5,2 trilhões de litros de água, equivalente a 2,1 milhões de piscinas olímpicas, cada uma, equivalente a 500 caixas d’água de 5 mil litros. É o suficiente para abastecer a população dos estados do Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal por um ano, compara a reportagem.

No top 50 da Pública, o Grupo Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) aparece em primeiro lugar, com 469,8 bilhões de litros de água por ano, resultado de 59 outorgas espalhadas por oito estados de quatro regiões.

“A água autorizada para captação e uso na indústria, na agricultura e em outras finalidades pela empresa seria suficiente para abastecer as populações das capitais Rio de Janeiro (RJ) e Manaus (AM) juntas”, destaca a Pública, que em julho passado, já havia publicado outro levantamento inédito, feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com os Ministérios Públicos Estadual e Federal de São Paulo (MPSP e MPF/SP), mostrando os primórdios da violência da Aracruz Celulose contra indígenas e quilombolas.

A reportagem desta quinta-feira não traz dados da realidade capixaba, denunciados periodicamente em Século Diário. Há quase 10 anos, o elevado consumo diário de água da então Aracruz Celulose já era motivo de alertas de entidades como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase). O total era de 248 mil metros cúbicos, suficiente para abastecer a população da Grande Vitória. Se essa água fosse captada, tratada e distribuída pela Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), a conta se aproximaria, naquela época, de R$ 16 milhões mensais, sem considerar o consumo de outras unidades e suas expansões no País.

Entre as denúncias mais recentes, estão que o monocultivo de eucalipto é o uso do solo que mais cresce no Estado; de a empresa ser “a maior inimiga da reforma agrária no Espírito Santo”; e o controle tácito que a papeleira exerce sobre a mesa de resolução de conflitos fundiários, mediada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), onde não há qualquer definição prática sobre a necessidade de recuo dos monocultivos de eucalipto nas áreas já certificadas das mais de 30 comunidades que compõem o Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, localizado nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado.

Desertos verdes

O texto acrescenta outros aspectos preocupantes do modus operandi da Suzano no País: “Além de 1,4 milhão de hectares de eucalipto plantado – uma área maior que as Bahamas –, a empresa fundada por um imigrante ucraniano há quase 100 anos também coleciona denúncias de violações trabalhistas”, citando denúncias de quilombolas dos estados da Bahia e do Maranhão sobre “uso indiscriminado de agrotóxicos, contaminação de rios e grilagem”.

Algumas posições abaixo da Suzano, outras empresas do setor de papel e celulose integram a lista das 50 mais e, juntas, elas acumulam 977,1 bilhões de litros anuais de água. “O montante é o suficiente para abastecer diariamente uma população de 17,6 milhões de pessoas, o equivalente à população de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) somada. Apesar de avanços de produtividade nas últimas décadas, o setor segue sendo um dos que mais consome água em sua produção”, pontua a Agência Pública.

Os dados estão alinhados com os relatos feitos há décadas pelas comunidades quilombolas, indígenas e camponesas que tiveram seus territórios invadidos pela então Aracruz Celulose e continuam sendo violados pela Suzano. No Sapê do Norte, os moradores mais antigos elencam dezenas de nascentes, lagoas e córregos que desapareceram, sugados pelos eucaliptais, plantados sobre os escombros de milhares de hectares de Mata Atlântica, uma das florestas mais ameaçadas e biodiversas do mundo, com a qual também os povos originários e camponeses conviviam.

Essa tragédia socioambiental deu origem ao termo “deserto verde”, que caracteriza as imensas paisagens que dominam e continuam crescendo nas planícies do norte do Espírito Santo, onde o verde do dossel dos eucaliptais esconde um ambiente mais árido e biologicamente pobre que os desertos milenares localizados em latitudes próximas ao Sudeste brasileiro, em regiões da Austrália, África e mesmo da América do Sul. O mau uso do solo no norte do Espírito Santo, caracterizado por monocultivos de eucalipto e outras culturas, também interage negativamente com os “rios voadores” da Amazônia, intensificando o processo de erosão e desertificação da região.

Receita exígua

Os especialistas em gestão dos recursos hídricos ouvidos pela Pública abordam as falhas que o modelo adotado pela ANA precisa corrigir para evitar a exaustão das bacias e corrigir a distorção atual entre a prioridade que a legislação brasileira estabelece para o abastecimento humano e o elevado volume outorgado para empresas do agronegócio, principalmente, e outros setores da economia.

Paulo Sinisgalli, pós-doutor em gestão de recursos hídricos e professor associado da Universidade de São Paulo (USP), aborda a receita arrecadada, insuficiente para a gestão e para forçar uma mudança de práticas por parte das empresas. Em 2021, foram apenas R$ 103 milhões, o que equivale a cerca de 1,7% da receita líquida da Eneva no ano passado, empresa em segundo lugar no ranking, detentora de 438 milhões de litros.

“É muito pouco, quando consideramos os mais de 5 trilhões de litros por ano [concedidos nas outorgas] (…) Um dos objetivos de cobrar quem tem outorga é racionalizar o uso, mas [hoje a cobrança] não é suficiente para otimizar o processo, então as empresas preferem pagar a melhorar a eficiência do uso da água. Se a gente cobrasse mais, as empresas iam cuidar melhor da gestão da água. E teríamos mais recursos para poder investir no monitoramento, no controle e até mesmo na aplicação dos planos de bacia”, pondera Sinisgalli.

Outorgas estaduais

Não bastassem as outorgas federais, a Suzano também detém outorgas estaduais para captação de água junto à Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). Demandada, a assessoria de imprensa da autarquia afirmou que “a Suzano possui requerimento de outorga de uso, com portarias emitidas e que está realizando o levantamento das informações quanto ao volume autorizado”.

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