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Racismo ambiental é ameaça constante ao território, afirma educadora quilombola

Reflorestamento, retomadas e educação são ações de proteção do Sapê do Norte, relata Olindina

Divulgação

Reflorestamento, retomadas de territórios, educação socioambiental e atividades culturais compõem o cotidiano de luta e vida nas comunidades que formam o Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, localizado em São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Espírito Santo. Vida que se reinventa na luta e no enfrentamento ao racismo ambiental, estrutural e institucional que há mais de meio século é utilizado para inviabilizar a titulação do território, cobiçado por grandes empresas, especialmente ligadas aos monocultivos de eucalipto para celulose e de cana-de-açúcar.

“É um racismo ambiental, estrutural e institucional. Porque quando você tem um território com 32 comunidades, em dois municípios grandes, que têm importância para o Estado, e essas comunidades são inviabilizadas, têm seus territórios desvalorizados … É disso que a gente está falando”, afirma a educadora quilombola Olindina Cirilo Nascimento Serafim, integrante da Comissão Quilombola do Sapê do Norte e colabora do projeto Biblioteca Quilombola Yayá Luzia dos Santos – Ponto de Memória da Comunidade do Angelim II.

“É ameaçado pelo racismo institucional, porque depende das instituições para receber as políticas públicas. É racismo estrutural porque a estrutura do território é precária e precarizada cada vez mais: é a linha de ônibus não cumpre o horário, deixa de passar em vários dias, é a água encanada que não chega, é a energia elétrica que não chega, é a questão das escolas, que são municipalizadas, fechadas, sem diálogo com as comunidades … E é racismo ambiental porque se instalam vários empreendimentos no território, desconsiderando aquela população que está lá, plantando não sei quantos milhares de hectares de eucalipto, sem que a população seja considerada, sequer consultada. Desde 2007 que o Brasil é signatário na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho [OIT], que tem um artigo que prevê a consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais, antes de qualquer empreendimento se instalar”, expõe.

Entre os empreendimentos, destaca-se a Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose), que iniciou ainda nos anos 1960 os monocultivos de eucalipto após desmatar a Mata Atlântica onde as comunidades quilombolas se abrigavam, com amplo apoio da Ditadura Militar, conforme foi demonstrado no estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com os Ministérios Públicos Estadual e Federal de São Paulo (MPSP e MPF/SP), publicado originalmente pela Agência Pública, mostrando os primórdios da violência da Aracruz Celulose contra indígenas e quilombolas.

A empresa é a maior consumidora de água das bacias hidrográfica federais, segundo levantamento também feito pela Agência Pública, dando conta de um volume de 469,8 bilhões de litros de água por ano, autorizados pela Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico (ANA), além de acumular outorgas em âmbito estadual, cujo volume total autorizado ainda não foi divulgado pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh).

“São empreendimentos que interferem no ambiente da comunidade, na vida da comunidade. O nosso ambiental está o tempo inteiro ameaçado, e não por nós, mas por aqueles que invisibilizam a nossa vida no território, é como se as comunidades quilombolas não estivessem lá. O eucalipto reduziu as formas de vida nas comunidades, sem levar em conta as populações negras rurais que ali estavam”, avalia Olidina.

A então Aracruz Florestal inaugurou a invasão do território quilombola pelos grandes empreendimentos industriais, recorda a educadora. Depois vieram cana-de-açúcar, petróleo e gasoduto … “Agora tem essa discussão do sal-gema, em que novamente as comunidades não estão sendo consideradas, a convenção 169 da OIT não está sendo feita. Foi feito leilão, mas sem nem uma audiência pública. A Seama junto com o capital privado não fez consulta às comunidades e diz que elas podem ser sócias do sal-gema”, relata, citando entrevista concedida pelo secretário Felipe Rigoni (União) ao jornal O Eco, em que o gestor da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, considerado “embaixador capixaba do sal-gema”, oferece uma participação societária das comunidades quilombolas no negócio.

Protocolos de consulta

Uma estratégia de luta muito promissora que está em franca realização no Sapê do Norte é a elaboração dos protocolos de consulta, nos moldes da Convenção 169 da OIT. O trabalho é uma forma de regulamentar localmente a convenção internacional e está sendo realizado com apoio da Defensoria Pública Estadual (DPES), o Ministério Público Federal (MPF) e da ONG Federação dos Órgãos para Assistência Educacional e Social (Fase) do Espírito Santo e do Pará.

O esboço geral já foi feito no âmbito da Comissão Quilombola, conta Olindina, e a etapa atual é de análise em cada comunidade, para a devidas adaptações às necessidades de cada uma. “Vamos começar a ter as reuniões nas comunidades para elas gerarem seus protocolos de consulta”, conta.

Retomadas

As retomadas também continuam em curso, sendo realizadas periodicamente, pelas comunidades que necessitam forçar a retirada dos monocultivos da Suzano de seus territórios certificados. A mais recente foi feita em outubro pela comunidade de Nova Vista, a primeira retomada quilombola em São Mateus.

A medida, extrema, é uma alternativa à inação do Estado, seja o estadual, que mesmo com a Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários não consegue fazer a Suzano respeitar os territórios tradicionais, seja pelo governo federal, que somente neste ano, sob gestão do presidente Lula (PT), tem mostrado disposição efetiva de retomar os processos de titulação dos territórios, conforme anunciou a superintendência estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/ES), ao mencionar uma força-tarefa criada no Estado com objetivo de concluir ao menos quatro processos até o final de 2023.

Reflorestamento, educação e cultura

Os reflorestamentos de nascentes, córregos e lagoas e as ações de educação e cultura são constantes dentro do Sapê do Norte, e a Biblioteca Quilombola Yaya Luzia dos Santos, vem liderando parte importantes dessas iniciativas há quase dois anos. “A Biblioteca homenageia a Vó Luzia, que foi matriarca do Angelim 2. A ideia é reunir o maior acervo possível de livros com temática étnicorracial e quilombola e fazer várias atividades, discutir a educação escolar quilombola, os direitos das mulheres, a religiosidade de matriz africana, a literatura negra, o racismo ambiental, institucional e estrutural”.

A ação mais recente acontece nesta nesta sexta-feira (3) na retomada da comunidade do Angelim 2, pela Associação Quilombola de Mudas Nativas e Agricultura Orgânica do Angelim II (Aquimuna), com apoio da ONG Fundo Casa Socioambiental. “Mulheres liderando a ação climática – práticas quilombolas em educação ambiental”, é o chamado nas redes sociais.


Suzano é a empresa que mais consome água das bacias de domínio federal

Levantamento da Agência Pública afirma que água autorizada pela ANA corresponde ao abastecimento das capitais RJ e Manaus juntos


https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/suzano-e-a-empresa-que-mais-consome-agua-das-bacias-de-dominio-federal

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