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Política Nacional de Atingidos por Barragens será votada no Senado na próxima terça

Regime de urgência foi aprovado após mobilização da Jornada de Lutas por Direitos e Justiças dos Atingidos

O ápice da programação da Jornada de Lutas por Direitos e Justiças dos Atingidos foi alcançado ao final da tarde desta terça-feira (7), em Brasília, com a aprovação da Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab) – PL 2788/19 – na Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado e do pedido de urgência para sua votação no Plenário da Casa na próxima terça-feira (14), com recomendação de aprovação pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

Os trâmites ocorreram no Congresso Nacional enquanto, do lado de fora, milhares de atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, que completou oito anos de impunidade no último domingo (5), marcharam como forma de cobrar agilidade dos senadores, para envio do PL à sanção do Presidente Lula (PT).

“A aprovação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) será uma grande vitória e é essa a nossa luta no Senado”, afirma o coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Thiago Alves.

Em nota, a organização remete à importância histórica da aprovação da PNAB, como forma de trazer justiça para atingidos por barragens no Brasil ao longo das décadas, já que até o momento não há qualquer lei federal que garanta os direitos dessas populações.

“Na história de construção e operação de barragens, as populações atingidas sempre são as vítimas. Ao longo das últimas décadas, a construção e operação de barragens geraram graves impactos sociais e ambientais. Tão ou mais grave, tiveram seus direitos violados e não receberam justa e plena reparação dos danos e perdas. Esta situação tem sido constatada e registrada na literatura especializada sobre impactos sociais e ambientais de barragens, em documentos técnicos oficiais, tanto de instituições nacionais, quanto internacionais”, explica o MAB.

Marcelo Aguiar

Os desastres de Mariana e Brumadinho, aponta, é que trouxe um novo viés para o assunto dentro do Congresso Nacional, que se tornou mais propício a tramitar com uma proposta de política nacional, que nasceu a partir da participação social direta de organizações de atingidos. Na Câmara, o PL foi aprovado no Plenário com 328 votos favoráveis, apenas 62 contrários e uma abstenção, informa o MAB.

“Dificilmente alguém poderia atribuir à Câmara dos Deputados a intenção de inviabilizar a indústria energética ou mineral brasileira. Os deputados compreenderam que a produção de hidroeletricidade ou de minério em nosso país deve ser realizada nos marcos estabelecidos pela Constituição Brasileira, em pleno e inequívoco respeito aos direitos humanos e à participação democrática da sociedade civil. (…) A aprovação da PNAB [também no Senado] de nenhuma forma inviabilizará investimentos em nosso país, pelo contrário, trará previsibilidade, transparência e segurança a todos os agentes envolvidos. (…) O que, de fato, cria ‘insegurança’ é o atual contexto de injustiça e ausência de lei federal para proteção de parcela da população brasileira, historicamente excluída”, argumenta o movimento. Até porque, ressalta, a PNAB “trata especificamente do direito dos atingidos e não dos demais aspectos que envolvem o planejamento e a operação das barragens, como por exemplo, as opções tecnológicas utilizadas nestes setores. Apenas contribuirá para um ambiente de maior justiça social”.

Política estadual

No Espírito Santo, a Política Estadual dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Peab) continua parada. Uma minuta de projeto de lei foi protocolada no Executivo, a partir de uma redação coletiva envolvendo o MAB, a Defensoria Pública Estadual (DPES) e as deputadas Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (Psol). A proposta, no entanto, ainda não teve o parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) para seguir com a tramitação e aprovação pelo governador Renato Casagrande (PSB), deixando o Estado em débito com os atingidos capixabas, visto que, em Minas Gerais, a política já se tornou lei.

Embaixadas

A Jornada de Lutas teve início nesse sábado (4), com a participação dos mais diversos segmentos de povos e comunidades atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP, incluindo pescadores, indígenas e moradores das cidades afetadas.

Nessa segunda-feira (6), um dos atos realizados foi um protesto em às embaixadas da Inglaterra e Austrália. Com vestes sujas de lamas, faixas e cartazes, os atingidos fizeram uma manifestação no local enquanto o MAB protocolava um documento nas embaixadas pedindo reparação, repactuação e justiça. “Estamos aqui, os atingidos pelo maior crime ambiental da mineração da história do mundo, na bacia do Rio Doce, em frente às embaixadas da Inglaterra e da Austrália, para denunciar o que a empresa desses países, que é a BHP Billiton, fez em nosso país. A BHP, mal tem uma sede no Brasil, uma estrutura, e está aqui ainda ganhando lucros em cima desse crime”, diz Heider Boza, da coordenação nacional do MAB.

Marcelo Aguiar

A programação contou ainda com seminários e mesas-redondas, como realizada na manhã dessa segunda sobre mudanças climáticas e transição energética, com presença da ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva.

Acionistas da BHP

Em paralelo às atividades em Brasília, atingidos protestaram em Adelaide, na Austrália, durante a Assembleia Geral Anual dos acionistas da BHP Biliton realizada no sábado (4). Confrontando os executivos da mineradora, os cinco manifestantes –quilombolas, moradores de Mariana e areeiros – acusaram a empresa de esconder dos investidores a seriedade do crime ambiental e social causado pelo derramamento de rejeitos tóxicos da Samarco na Bacia do Rio Doce em 2015.

Os brasileiros usaram procurações cedidas por acionistas para participar da reunião e, por cerca de 50 minutos, fizeram relatos das perdas pessoais e coletivas que suas comunidades sofreram e ainda sofrem. A participação durou cerca de 50 minutos e acabou dominando todo o encontro, marcado pelo constrangimento do chair da BHP, Ken Mackenzie, e do CEO, Mike Henry, que conduziam as respostas. A reunião foi encerrada logo após a última brasileira usar a palavra, seguida de aplausos.

Pogust Goodhead

As vítimas – que são clientes da ação que tramita na Justiça da Inglaterra movida pelo escritório Pogust Goodhead – alegaram que a BHP não aprovisionou recursos suficientes para arcar com o processo nas cortes inglesas. Afirmaram ainda que a mineradora engana os acionistas sobre o estado da recuperação do ecossistema, ao negar a toxicidade dos rejeitos que ainda hoje estão depositados no Rio Doce. Os atingidos enfatizaram também que a mineradora fracassou em oferecer reparação justa e integral, sobretudo às comunidades quilombolas e indígenas.

Mônica dos Santos, moradora do distrito de Bento Rodrigues, criticou a Fundação Renova e lembrou que 107 pessoas já morreram desde o rompimento da barragem – sendo 58 de Bento Rodrigues. Ela tentou entregar aos executivos uma garrafa da lama símbolo da tragédia e um cartaz com a foto das 19 pessoas mortas em decorrência do rompimento. Mônica, no entanto, foi impedida de se aproximar do executivo. “Essa é a empresa que vocês investem, a empresa que tira vidas”, disse à plateia. “Só me mostra o canalha que vocês são”, completou Mônica ao se dirigir a Mackenzie.

“A maioria não recebeu sequer as migalhas que estão sendo oferecidas pela Fundação Renova. A Renova só leva em consideração o que eles querem reconhecer. Dessas 58 pessoas que morreram, eu perdi o meu irmão três anos atrás, de 37 anos. Perdi primos, tios, amigos. A pergunta que fica é: quando vocês vão devolver a minha vida de volta?”, questionou.

Ao final da reunião, diversos acionistas australianos procuraram as vítimas brasileiras para agradecer pelos relatos. Muitos disseram que não tinham ideia da tragédia até hoje vivida por toda a Bacia do Rio Doce.

O ato foi organizado pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead, que representa 700 mil vítimas em uma ação que tramita na Justiça britânica. O processo foi impetrado em 2018 e é considerado a maior ação coletiva do mundo, totalizando indenizações que chegam a R$ 230 bilhões (US$ 44 bilhões). Em agosto, A Corte de Apelação em Londres negou recurso da Vale e tornou a mineradora ré no processo, junto com a BHP Billiton.

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