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Morte e vida

Refletindo a tradição do Dia de Finados

A tradição de celebrar o Dia de Finados no Brasil, muitas das vezes, é vivida sem uma reflexão de seu significado, solidificada no arquétipo de nossa cultura, que acaba compondo as chamadas “armadilhas conceituais”, comuns à formação da consciência da população.

Também é preciso registrar que a forma como vivemos a data se refere à dor, fruto da compaixão pelos que foram e da saudade dos que ficaram. Seria leviandade não incluir nesta reflexão a questão comum do medo da morte. Embora seja difícil definir se ele se baseia no fim da vida ou no medo do desconhecido.

Então vamos lá: primeiramente, vamos analisar a forma que celebramos esse dia, principalmente nas visitas aos cemitérios: o ambiente já silencioso por seus moradores é tomado por comoção formada por silêncio, emoção e oração. Numa observação rasa, as pessoas muito mais sofrem que celebram.

E qual seria a diferença significante?

As pessoas ali sepultadas tiveram suas vidas, convivências, amores e dores antes de chegarem ao fim da viagem e, nesse interim, cultivaram suas relações, das quais algumas estão representadas, nesse dia, pela presença dos que ali estão. Além do local do sepultamento, os que ficaram têm toda sua história em comum com o sepultado como lembrança, motivo de orgulho e alegria, mas por nossa cultura, tudo isso é suplantado pela dor da partida e a saudade.

Algumas culturas, mais que celebrar, festejam a morte, a exemplo do “Día de los muertos” mexicanos, Holloween americano e velórios irlandeses, dentre muitos outros exemplos espalhados pelo mundo.

Independentemente do traço cultural, importa refletir que enquanto a morte paralisa os atos, a vida, deles se faz; que todo sentimento de agora é resultado da construção de vida da pessoa sepultada. Assim sendo, a razão indica muito mais a vida que a morte do visitado, podendo por isso ser motivo de alegria e festa a visita ao que simboliza aquela pessoa.

Por outro lado, esta visão traz da morte seu principal recado: a vida! Como na tragédia, nunca se sabe a hora de deixar a cena e, por isso, é fundamental caprichar na atuação.

Muito mais que medo, a morte incita a vida, e nesta, a certeza de seu caráter provisório solicita um empenho para o desfrute. Além disso, como escreve o mestre Saramago em As Intermitências da Morte: como viveríamos sem ela?

Esta reflexão convida o leitor a rever as estruturas convencionais que utilizamos para encarar a morte, tanto em seu momento quanto a partir dele; talvez a utilizar o ponto de vista da valorização da vida, seja do vivente ou do sepultado. Mais ainda, no caso do vivente, a valorização imperiosa de cada momento da vida que passa a representar a significância maior do viver.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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