Obra de Jeovanna Vieira, composta por 39 poemas, tem vocação para diário de bordo de quem empreende grandes cruzadas
A escritora defende que é importante a poesia ir para a rua, ocupar as praças, trazer para a Festa Literária um pouco de anarquia.
Deserto sozinha é composto por 39 poemas e tem vocação para diário de bordo de quem empreende grandes cruzadas, explorando sobretudo as paisagens internas. É possível acompanhar a personagem-narradora nascer, manobrar o tempo, percorrer territórios – sempre em busca de perguntas -, tendo a insatisfação como bússola.
“No deserto, a solidão permeia tudo. Mas a solidão de Jeovanna não se restringe ao deserto. O deserto de Jeovanna não se restringe à solidão. A poeta se identifica, acima de tudo, pela inadequação, aquele sentimento responsável por nos fazer sozinhas, ainda que acompanhadas. Sozinha e inadequada, o eu lírico (que neste livro, sem dúvida, é uma mulher) percorre espaços inóspitos, sejam externos ou internos. Espaços que não lhe cabem. Seja na sua própria casa, com sua família, seus irmãos, seus filhos. Seja no deserto, a milhares de quilômetros. A distância é uma constante e é a partir dela que a poeta se coloca, tão íntima, tão densa, a ponto de quase nos fazer sufocar”, define Carla Guerson, escritora e idealizadora do Coletivo Escreviventes.
A obra, de intensa dramaturgia, amplia os conceitos de solitude e questiona as companhias: o zoom out coloca o leitor, a personagem-narradora, os cenários, os seus coadjuvantes e a autora em perspectiva com o mesmo protagonismo dos fungos. A geografia do texto expõe rupturas, valas, cânions, abismos e lapsos, ao mesmo tempo que aproxima o sentido da tundra, da savana, da estepe, das dunas, ou transforma em cena uma ida corriqueira ao supermercado do bairro.
“E o chão, esse que pisamos agora? Não será todo o mesmo deserto? Não seremos todos um mesmo organismo? E não estaríamos todos irremediavelmente acompanhados e indubitavelmente sozinhos?”, questiona a autora, mostrando em seus apontamentos sua verve observadora e destemida ao desnudar-se em íntimos detalhes – seja na umidade da infância, na aridez de crescer, na transformação de uma filha em mãe, no assassinato de um deus mítico ou no ato contínuo de escavar.
Virgínia Mordida
Jeovanna também se prepara para a chegada da obra Virgínia Mordida” nas livrarias de todo país no primeiro semestre de 2024, com a editora Companhia das Letras.
No livro, lançado de forma digital no ano passado, a autora mostra que a violência psicológica não é exclusividade de mulheres de um determinado perfil. “Normalmente se acha que isso acontece somente com aquelas que não tiveram oportunidades, estão em situação de vulnerabilidade”, diz.
Os perfis de Virgínia e Carmem contrariam isso. Com famílias estruturadas e carreira estável, ambas sofreram violências psicológicas por parte de um mesmo agressor, que, conforme afirma Jeovanna, “abocanhou suas vidas”, mostrando que a violência contra a mulher é algo estrutural, acometendo a todas.
Com a obra, a escritora foi finalista da 6ª edição do Prêmio Kindle de Literatura, organizado pela Amazon e pela Editora Record.