Caso segue para Vara Criminal, onde violências cometidas pela Suzano serão apresentadas, afirma advogada Naiara Dias
Uma rápida coleta de doações entre movimentos sociais e organizações que atuam na defesa dos direitos das populações quilombolas levantou o valor da fiança arbitrada pelo juiz do Fórum de São Mateus Antonio Moreira Fernandes, de R$ 2 mil, e conseguiu a libertação de Antonio Rodrigues de Oliveira, o Antonio Sapezeiro.
O líder quilombola havia sido preso na noite dessa terça-feira (28) na comunidade de Nova Vista, dentro do Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, localizado em São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, acusado de desobedecer policiais militares, agredir vigilantes da empresa de segurança patrimonial da Suzano, a Souza Lima, e provocar um incêndio na mata.
As acusações que levaram à prisão são falsas, afirmam as entidades que acompanham o caso, e também os advogados populares Naiara Antonia Dias e Rafael Viana Castilho. “Não foi encontrado com Antonio nenhum tipo de material inflamável, fósforo, isqueiro, nada disso. E eles acusam Antonio de agredir os vigilantes, dizendo que ele estava com um facão, mas nada disso foi encontrado com ele. Não há nenhum vídeo, nenhuma prova ou indício de que ele tenha feito essas coisas”, explica a advogada.
Ela acrescenta que “o delegado [Elismar de Souza Lourenço] considerou apenas o relato do sargento Wellio de Souza Oliveira, alegando a fé pública do policial militar”, mesma postura adotada pela Promotoria de Justiça do Ministério Público Estadual (MPES) de São Mateus.
“O que nos deixa mais intrigados nessa situação é que tanto o juiz quanto o promotor só confiaram na tese dos policiais, porque afirmam que eles têm fé pública e os vigilantes da empresa confirmaram a história narrada pelos policiais. Sendo que o fogo foi feito em uma pilha de pontas de eucalipto que não são utilizadas para comercialização e Antonio nem estava próximo desse local. Ele foi detido em uma pequena vila, que é o único caminho que ele tem para passar para entrar e sair de casa”, descreve Naiara Dias.
A advogada conta ainda os fatos ocorridos durante a madrugada de quarta-feira (29), na delegacia, que evidenciam o racismo cometido não só pelo sargento da PM, mas também pelo delegado de plantão que determinou a prisão e a fiança.
“O primeiro delegado que recebeu a denúncia, de forma remota, pediu para o sargento fazer um Termo Circunstanciado, pois não entendia haver indícios dos crimes apontados. Mas o sargento ficou alterado, dizendo que não era trabalho dele fazer o TC, que era da Polícia Civil e que no Boletim de Ocorrência estava dito que havia crime sim, e ele gritou muitas vezes, muito alterado, que os crimes eram incêndio e desobediência contra a polícia e agressão contra os vigilantes, sem acrescentar qualquer indício ou prova”.
Acatando o posicionamento do sargento, Naiara conta que o delegado o chamou à sua sala, juntamente com o vigilante da Souza Lima e Antonio Sapezeiro. “Quando eu e o doutor Rafael entramos na sala, o escrivão disse apenas que Antonio iria sim para o CDP [Centro de Detenção Provisória] e que os nossos argumentos em defesa só seriam ouvidos na manhã seguinte, na audiência de custódia”. Mas não foi o que aconteceu. “O juiz [Antonio Moreira Fernandes] disse que não iria considerar o contexto de perseguição dos vigilantes à comunidade quilombola, que apenas na Vara Criminal isso seria levado em conta”.
O contexto de violências da empresa de segurança da Suzano, ressalta Naiara, está fartamente documento em denúncias feitas pelos moradores de Nova Vista desde setembro, quando a comunidade foi instalada, por meio de uma retomada. E foi reafirmado pelas entidades que se mobilizaram após a prisão de Sapezeiro.
“Tem várias denúncias no MPF sobre a violência dos vigilantes contra a comunidade. No dia da prisão, lideranças da comunidade vieram ao comando da Polícia Militar de São Mateus para relatar o que estava acontecendo na região, que eles estavam sendo tratados como invasores e criminosos e que estavam sendo hostilizados pelos vigilantes da empresa”.
Agora, com Sapezeiro liberto e o caso seguindo para a 3ª Vara Criminal, a defesa irá apresentar todo esse histórico de denúncias de violações. “Há também uma jurisprudência que afirma que o policial, apesar de ter fé pública, seu depoimento só pode ser levado em consideração se houver provas, gravações, áudios, ou materialidade do crime”, acrescenta.