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​’Municípios da Bacia do Itabapoana não se beneficiam de hidrelétricas’

Coordenador da ONG Redi, Antônio França fala dos impactos das barragens e de projetos da entidade

Arquivo Pessoal

No rio Itabapoana, cuja bacia hidrográfica abrange total ou parcialmente nove municípios do sul do Espírito Santo, e em seus principais afluentes, os rios São João e Preto, estão instaladas sete hidrelétricas. Apesar disso, essas cidades não são beneficiadas diretamente com a energia gerada. Ao contrário: para os cidadãos dessa região, o que sobra são os impactos ecológicos, sociais, culturais e econômicos decorrentes das barragens.

É o que explica Antônio Paulo França, coordenador da Organização Não Governamental (ONG) Restauração e Ecodesenvolvimento da Bacia Hidrográfica do Itabapoana (Redi), que, desde 2020, luta contra as hidrelétricas e desenvolve projetos socioambientais no entorno do Itabapoana. Atualmente, a ONG tenta impedir o projeto de uma nova barragem em uma área localizada entre Bom Jesus do Itabapoana, norte do Rio de Janeiro, e São José do Calçado, no sul do Espírito Santo.

“A região não recebe essa energia diretamente. Ela é comprada e vai para outros lugares. A energia da Usina Hidrelétrica Rosal, por exemplo, vai para Cachoeiro de Itapemirim. Só a hidrelétrica Franco Amaral, que foi criada na década de 1960, na época realmente proporcionou o acesso à energia e levou desenvolvimento para os municípios”, explica Antônio.

Enquanto isso, a região sofre com o mal fornecimento de eletricidade. “Nós temos um péssimo serviço de fornecimento de energia. Principalmente no Estado do Rio de Janeiro, a queda de energia é constante. Eu moro em Bom Jesus do Norte [sul do Espírito Santo], e muitas vezes, a gente vê o lado de lá todo às escuras. Porque o problema da energia no Brasil está na distribuição, e não na geração”, comenta.

A Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana possui uma área de drenagem de 4.875 quilômetros quadrados e inclui 18 municípios do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Em território capixaba, abrange totalmente as cidades de Divino de São Lourenço, Guaçuí, São José do Calçado, Bom Jesus do Norte, Apiacá e Mimoso do Sul, e parcialmente, Dores do Rio Preto, Muqui e Presidente Kennedy – todas na região sul do Estado.

Redi

Antônio França relata que, até a década de 1960, existia apenas a Pequena Central Hidrelétrica Franco Amaral, que fica entre Bom Jesus do Itabapoana, no norte fluminense, e São José do Calçado.

Com a crise energética e o risco de apagões no fim da década de 1990, ganhou força na época a ideia de descentralização da geração de energia no Brasil, e um estudo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) identificou no rio Itabapoana um grande potencial de instalação de hidrelétricas.

A partir de então, surgiram mais quatro barragens ao longo do manancial: a Usina Hidrelétrica Rosal (UHE, de maior porte), entre Bom Jesus do Itabapoana e Guaçuí; as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH, de menor porte) Calheiros e Pirapetinga, também entre Bom Jesus do Itabapoana e São José do Calçado; e a PCH Pedra do Garrafão, entre Mimoso do Sul e Campos dos Goitacazes, norte do Rio de Janeiro.

Nos dois principais afluentes do Itabapoana, há também a Central Hidrelétrica (CGH, menor que PCH) São João, no rio São João, em Caine, Minas Gerais; e a PCH Fumaça, no rio Preto, entre Espera Feliz, Minas Gerais, e Dores do Rio Preto.

Cemig

Mas, para o coordenador da Redi, as hidrelétricas acabam beneficiando mais o setor privado do que a população da região – principalmente as empresas estrangeiras que, atualmente, comandam esses empreendimentos no Itabapoana.

“As hidrelétricas já passaram por vários proprietários, e a cada falência é mais dinheiro público que precisa ser injetado. Na verdade, é um mercado que existe a partir do dinheiro público. Um vende energia elétrica, o outro fornece mão de obra terceirizada, e por aí vai”, afirma.

Por isso, ele defende a retirada de barragens e a restauração ecológica do rio. “Analisando hidrelétrica por hidrelétrica, o fornecimento de energia é muito pequeno para um impacto tão grande. O melhor seria utilizar outras formas de geração que são bem menos impactantes, como a energia solar. Se a gente colocasse painel solar nas residências, a gente geraria mais energia do que todas as hidrelétricas do Itabapoana”, argumenta.

Impactos

Segundo o coordenador da Redi, os impactos das hidrelétricas se dão em vários níveis. O primeiro deles é o ecológico. É enorme a mortandade de peixes no período da piracema, processo de migração contra a correnteza para reprodução, uma vez que há mais dificuldade em subir por conta da vazão do rio diminuída em cerca de 20 quilômetros. Algumas espécies, como a lagosta de água doce, já estão praticamente extintas na região.

Em consequência disso, há o impacto socioeconômico, pois centenas de famílias que dependem da pesca foram prejudicadas. Na área da PCH Pedra do Garrafão, existe uma colônia de pescadores muito forte desde o início do século XX. Em municípios como Presidente Kennedy e São Francisco do Itabapoana, os pescadores e suas famílias não foram sequer considerados nos documentos de licenciamento ambiental.

O potencial turístico da região também deixa de ser aproveitado por conta das barragens. O acesso a diversas áreas públicas com belas corredeiras e cachoeiras ficou inviabilizado, uma vez que se tornaram terrenos privados das hidrelétricas.

Redi

Existe, ainda, a deterioração do patrimônio histórico, no caso da PCH Pedra do Garrafão. Em Mimoso do Sul e em Campos, pode ser encontrado um sítio arqueológico que remonta à presença dos indígenas Goitacazes na região. A área da PCH também abrange vestígios de um assentamento colonial português, datado de 1540, um dos mais antigos do Espírito Santo; vestígios de um porto que serviu de escoamento da produção de café entre o século XIX e o início do século XX; e as ruínas de um engenho de açúcar do século XVI.

“Todos esses sítios foram prejudicados, porque ficam na área de impacto direto da PCH. As ruínas do engenho de açúcar do século XVI estão totalmente escondidas para não atrair olhares indesejados”, denuncia Antônio França.

Além de todos esses impactos, existe o controle sobre a vazão da água, uma questão fundamental, sobretudo em meio à crise climática, com ondas de calor intenso e secas. “Com o acesso à água cada vez mais concorrido, controlar a vazão de um rio é como ter a torneira de todo mundo nas mãos. Até do ponto de vista geopolítico, essa é uma questão que interessa a muitos países”, pontua.

Trajetória da Redi

Formado em História, com especialização em Patrimônio e História Local e Regional, Antônio Paulo França foi convidado a participar de um grupo interdisciplinar sobre hidrelétricas, em meio à pandemia de Covid-19, com encontros online. Em agosto de 2020, o grupo resolveu visitar uma área onde seria feita uma hidrelétrica, na Cachoeiro da Fumaça, entre São José Calçado e Bom Jesus do Itabapoana, e surgiu a ideia da organização de um coletivo para viabilizar ações.

Esse foi o começo da Redi. No início, os integrantes pensaram em restaurar o Itabapoana a partir de ações de reflorestamento, uma vez que a mata da região encontra-se bastante degradada, com menos de 1% de floresta remanescente. Mas logo o coletivo decidiu partir para um campo mais pragmático de incidência política, em defesa do rio Itabapoana, tendo como uma de suas primeiras vitórias conseguir barrar a instalação da hidrelétrica na Cachoeira da Fumaça.  

Redi

Hoje formalmente constituída, a Redi conta com 40 associados ativos e desenvolve diversos projetos. Um deles está relacionado a visitas guiadas a espaços com potencial turístico na região, como forma de conscientização. Também é realizada uma feira agroecológica mensal no centro de Bom Jesus do Norte.

Outro projeto importante é o “Sábados para adiar o fim do mundo”, no qual realizam manifestações políticas periódicas sobre algum tema específico. Nas próximas semanas, está previsto um novo protesto contra um lixão ilegal em Apiacá, no extremo sul do Espírito Santo. Há, ainda, o “Redi nas Escolas”, no qual visitam instituições de ensino a convite delas.

A Redi também está preparando um documentário sobre os impactos do Porto Central de Presidente Kennedy. Para julho do ano que vem, está sendo planejado um fórum relacionado a toda a extensão da Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana. E também existem planos para a realização de uma cartografia social da pesca no Itabapoana. 

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