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​’Gestão democrática’ nas escolas estaduais é aprovada sem debate na Assembleia

Laboratório da Ufes aponta equívocos no PL, votado em urgência e com voto contrário apenas de Camila Valadão

“Gestão democrática não é gestão corporativa!”. Esse é o título da nota técnica do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo (Lagebes), do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), contrária ao Projeto de Lei 985/2023, de autoria do Governo do Estado. A proposta tramitou em regime de urgência e terminou aprovada em sessão extraordinária da Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (13), com único voto contrário da deputada Camila Valadão (Psol).

O projeto dispõe sobre a “gestão democrática da educação básica pública estadual”. Na mensagem encaminhada, o governador em exercício, Ricardo Ferraço (MDB), aponta que o objetivo é dar autonomia pedagógica às escolas, facultando a elaboração de seu próprio Projeto Político Pedagógico (PPP); autonomia administrativa, por meio do Conselho de Escola com alunos, pais, gestores e professores; e autonomia financeira, mediante a transferência de recursos.

O Lagebes, porém, aponta uma série de problemas no texto, em desacordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sobre a questão da autonomia pedagógica, os profissionais da educação não estão incluídos como responsáveis pela elaboração do PPP da escola. Além disso, a gestão ficará submetida à avaliação externa da Secretaria de Estado da Educação (Sedu)

“É no mínimo uma excentricidade que as funções do diretor escolar estejam enumeradas no inciso III, em 10 alíneas, no inciso IV, em 13 alíneas e no inciso v, em 12 alíneas, perfazendo um total de 35 alíneas! Resta perguntar se o referido PL é sobre Gestão Democrática ou sobre o passo a passo de como a Sedu quer que os diretores exerçam função de controle sobre o trabalho docente, tornando-se, assim, uma mera extensão desse órgão central”, destaca a nota técnica.

No que diz respeito à escolha dos diretores escolares, o projeto de lei exclui a possibilidade de eleição, e o processo passa a ser feito exclusivamente por meio de “critérios técnicos de mérito e desempenho”. Além disso, a destituição dos gestores poderá ocorrer “por decisão da administração, por motivos de baixo desempenho, renúncia, destituição, aposentadoria, morte ou a pedido”, uma proposta considerada arbitrária.

A nota aponta que o modelo atual, de seleção via editais, já apresenta problemas, por configurar os diretores como meros representantes da Sedu nas escolas. “Sendo assim, sugerimos aos/às parlamentares da Ales que a escolha de diretores na Rede Estadual do Estado do Espírito Santo combine processo seletivo qualificado e eleição com participação da comunidade escolar. O processo seletivo qualificado pode se dar com apresentação de um plano de gestão associado a cursos de formação ofertados pela própria”, propõe.

Nesse quesito, a deputada Iriny Lopes (PT) chegou a apresentar uma emenda para estabelecer a eleição dos diretores pela comunidade escolar, mas foi rejeitada pelo deputado Mazinho dos Anjos (PSDB), que relatou o projeto sem qualquer debate. A justificativa do deputado é de que a medida foi declarada inconstitucional por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), mas não ficou claro a partir de sua fala qual seria o item específico que fere a Constituição.

O Lagebes critica ainda a forma de constituição estabelecida para os Conselhos de Escola, que terão personalidade jurídica própria. Escolas de menos de cem estudantes deverão organizar-se em consórcio com outras cinco unidades, e as que não o fizerem deverão ser vinculadas à “Escola de Referência”.

“Nesse sentido, vale ressaltar que as escolas do campo, indígenas e quilombolas serão vinculadas às ‘Escolas de Referência’, vínculo esse que será regulamentado posteriormente por meio de portaria, o que não é recomendável”, alerta.

Também é criticada a falta de articulação entre os vários tipos de planejamento, citando-os “de forma isolada, como se a unidade de ensino tivesse que realizar cinco tipos de planejamento diferentes”.

A nota técnica ressalta, ainda, a “importância do Regime de Colaboração com o Governo Federal, particularmente com a única Universidade Federal do Estado do Espírito Santo, a Ufes, tanto na consulta prévia a projetos de lei dessa envergadura, como em cursos de qualificação de diretores e de integrantes da comunidade escolar que promovam os princípios da gestão democrática”.

O Lagebes pretendia, com o documento e apontamentos, retirar o PL da tramitação em regime de urgência, “com o estabelecimento de calendário de audiências públicas com ampla participação da comunidade escolar e da comunidade acadêmica da Ufes”, o que, por fim, não foi atendido.

Ar-condicionado

A discussão na Assembleia Legislativa acabou ficando restrita à possibilidade de o projeto, em tese, facilitar a compra de aparelhos de ar-condicionado pelas escolas estaduais.

“Esse projeto, apenas para os deputados entenderem, transfere recursos para as diretoras das unidades de ensino, que têm sua autonomia, para adquirirem ar-condicionado para climatizar as salas, enfrentando esse momento de calor terrível. É importante aprovar agora, porque ele tem efeito ano que vem, então, naturalmente, garantindo o recurso necessário”, discursou o presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Pode), antes de encaminhar para a discussão do tema.

Entretanto, em sua fala, a deputada Camila Valadão ressaltou que não se tratava de “um projeto simples”, a ser discutido em regime de urgência. “Na nossa análise, um projeto de tamanha monta não deveria ser aprovado em regime de urgência. Nós lamentamos a escolha de trazer para discussão desse forma. Na nossa análise, um projeto como esse deveria ser precedido de audiência pública, de debate com a sociedade, de debate com setores que estudam também a política de educação”, defendeu a deputada, que citou os itens apontados na nota técnica do Lagebes.

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