No Espírito Santo, lei para constituição de uma política estadual semelhante ficou paralisada este ano
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, em cerimônia realizada na manhã desta sexta-feira (15), em Brasília, a sanção da Lei 2788/2019, que institui a Política Nacional das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). A promulgação da nova legislação é considerada uma conquista histórica pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), resultado de uma luta de mais de três décadas.
No Espírito Santo, a Política Estadual dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Peab) ficou paralisada este ano. Uma minuta de projeto de lei foi protocolada no Executivo, a partir de uma redação coletiva envolvendo o MAB, a Defensoria Pública Estadual (DPES) e as deputadas Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (Psol), mas não teve o parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), o que deixa o Estado em débito com os atingidos capixabas pelo crime da Samarco/Vale-BHP – em Minas Gerais, a política já se tornou lei.
A PNAB, que cria um marco legal para os atingidos de todo o Brasil, tem o objetivo de coibir o padrão vigente de violação de direitos humanos praticado por grandes empreendimentos no país controladores de barragens.
A lei nacional estabelece quem são as populações atingidas por barragens e seus direitos, como o recebimento de indenizações e compensações individuais e coletivas, além da reparação socioambiental dos territórios. Também garante a participação social dos atingidos nas negociações com o poder público e empreendedores privados, nos casos de crimes ambientais e, também, dos danos causados pela construção, operação e desativação de barragens.
Em fala aos atingidos, o presidente Lula destacou a atuação do MAB na construção desse marco legal: “Esse é o fruto de um trabalho de muitos anos, um trabalho histórico. É só um começo. Continuem lutando, porque a gente demora muito para construir avanços. Vocês sabem o que passamos, então, sabemos a importância da luta constante pela democracia nesse país”.
Durante o ato, a integrante da coordenação nacional do MAB, Alexania Rossato, destacou a importância da aprovação de uma lei que garanta definitivamente a proteção dos direitos dos atingidos pelos mais diferentes tipos de crimes e operações no país.
“Somos atingidos e atingidas pela construção e operação de barragens de usos múltiplos; atingidos por rompimentos de barragens como os casos emblemáticos em Mariana e Brumadinho; de desastres decorrentes das mudanças climáticas, de empreendimentos energéticos, minerários. Somos ribeirinhos, camponeses, quilombolas, indígenas e, também, somos moradores de periferias urbanas de grandes e pequenas cidades”, afirmou a coordenadora.
“Celebramos e reconhecemos este grande avanço como um marco na luta por democracia, justiça social e na defesa dos direitos humanos em nosso país. Ter esta lei aprovada seguramente coloca o governo brasileiro e o Congresso Nacional na vanguarda e como protagonista em nível global, especialmente neste momento em que a agenda socioambiental é, cada vez mais, o centro dos desafios do nosso tempo”, continuou Alexania.
Nesse contexto, Márcio Macêdo, ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que a sanção da lei “é um claro ato de reconhecimento e compromisso do Estado brasileiro com as diversas reivindicações dos atingidos” e tem o objetivo de que não se repitam as violações de direitos e demora excessiva na compensação das famílias e do meio ambiente, como nos casos de Mariana e Brumadinho.
“A lei tem um significado concreto importante: a existência, a partir de agora, de uma legislação que prevê proteção aos atingidos, prevenção de novas tragédias, participação da sociedade nos processos de prevenção e proteção à vida nas variadas formas, das pessoas ou do ambiente natural”, declarou.
Não resolve tudo
Ainda na cerimônia, Iury Paulino, também integrante da coordenação do MAB, afirmou que, apesar de essencial, a PNAB não resolve todos os problemas que se acumularam por décadas. Por isso, é necessária a construção de mecanismos para que o Estado brasileiro consiga sanar a “dívida histórica” com as populações atingidas.
“Para isso, é fundamental que avancemos numa estrutura adequada dentro do Estado, um órgão para dirigir, coordenar e articular ações nesse sentido. E, também, instituir mecanismos que garantam recursos e condições para a construção de planos e programas de desenvolvimento regionais, junto às populações e comunidades atingidas. Consideramos que, assim, poderemos avançar no longo caminho de união e reconstrução nacional que temos pela frente, onde a pauta histórica e do novo tempo das populações atingidas sejam garantidas”, argumentou.
Iury destacou, ainda, que o MAB participa de um movimento maior de luta pelo direito dos trabalhadores: “Defendemos, além pauta especifica das populações atingidas, um projeto energético popular, que tenha como centro atender às necessidades do nosso povo, com soberania, distribuição das riquezas e controle popular. Nos opomos aos processos de privatização e entrega do patrimônio público e consideramos que é necessário o Estado retomar o controle destes setores estratégicos, como energia, água e mineração”.
Tramitação
A lei sancionada nesta sexta-feira havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados em agosto de 2019, sete meses após o rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, em Minas Gerais, que deixou 270 mortos. Na ocasião, houve 328 votos favoráveis.
A tramitação no Senado, porém, levou mais de quatro anos, e o projeto foi aprovado em Plenário apenas no último dia 14 de novembro. Também em novembro, os atingidos por barragens realizaram uma Jornada de Lutas em Brasília, em data que marcava os oito anos do crime de Mariana, para reivindicar celeridade na aprovação da lei. Na ocasião, o Governo Federal entregou uma carta de compromissos ao MAB, garantindo apoio na aprovação e sanção da legislação.
“Agora é o momento de ressaltarmos nossa alegria e entusiasmo com a criação da PNAB. Através dela, reforçarmos nosso compromisso na reconstrução do Brasil, com a defesa da democracia e da soberania, com distribuição da riqueza e controle popular”, finalizou Iury.