Jéssica Grillo, da União Cachoeirense de Mulheres, vê com ceticismo a efetivação do projeto de lei
A Câmara de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, aprovou, nessa terça-feira (19), o Projeto de Lei 91/2023, que visa a criação do “Protocolo Não é Não” de atendimento à mulher vítima de violência sexual ou assédio em estabelecimentos noturnos e eventos de Cachoeiro. A proposta, de autoria do vereador Diogo Lube (PP), prevê uma série de medidas que deverão ser adotadas pelos proprietários dos estabelecimentos e organizadores de eventos.
Apesar de a proposta ser elogiada, sua efetivação é encarada com ceticismo por quem faz parte dos movimentos de combate à violência de gênero. “Acho de extrema importância a existência de um projeto de lei que aborde essa temática. Porém, de nada adianta quando não se é feito um trabalho contínuo em comunidade”, comenta Jéssica Grillo, coordenadora de Articulação Comunitária da União Cachoeirense de Mulheres (UCM).
“Temo que esse projeto de lei seja mais um que na prática não terá validade nenhuma, uma vez que vemos tantos outros não chegarem a quem mais precisa”, complementa a integrante da UCM, citando como exemplo uma lei estadual de 2021, que obriga bares e restaurantes a fazerem o acompanhamento de mulheres em situação de risco e afixar cartazes de conscientização.
O projeto cachoeirense se aplica a discotecas e casas noturnas; eventos festivos; bailes; espetáculos; shows; bares; restaurantes; e quaisquer outros estabelecimentos e eventos de grande circulação de pessoas, inclusive esportivos.
O texto estipula que os estabelecimentos deverão criar mecanismos que facilitem denúncias de ocorrências pelas mulheres em situações de risco, como a criação de um código próprio de alerta junto a funcionários e disponibilização de informações sobre o protocolo em locais visíveis.
Também deverão ser providenciados recursos para que denunciantes possam se dirigir aos órgãos de segurança e assistência médica e social, bem como a manutenção de locais tranquilos e seguros, que as protejam de seus eventuais agressores. Serão necessárias, ainda, ações para a preservação de provas que possam contribuir para a identificação e responsabilização do agressor.
Outro ponto do projeto é que ele obriga que “todos os membros da equipe do estabelecimento devem ter treinamento mínimo, comprovado, de quatro horas, para serem capazes de detectar e distinguir os vários tipos de assédio e agressão sexual e conhecer o circuito interno de encaminhamento e o papel que cada um dos profissionais do local desempenha”.
Na justificativa do texto, Diogo Lube cita como uma das inspirações o protocolo “No Callem” (Não nos Calaremos), implantado em Barcelona, na Espanha, em 2018, após manifestações de movimentos de mulheres. A medida contribuiu para a prisão do jogador de futebol Daniel Alves, em janeiro deste ano, após denúncia de estupro por uma jovem de 23 anos na boate Sutton.
“O objetivo do presente projeto de lei é exatamente proteger a vítima e prevenir ocorrência de novos episódios, assim como se estende à responsabilização do agressor, ao acionar o sistema de segurança pública”, diz a justificativa.
Porém, Jéssica Grillo questiona se haverá rigor na fiscalização das regras, caso a lei seja de fato sancionada, e quem se responsabilizará pelas capacitações. “Quando a lei estadual saiu, procuramos alguns bares para apresentar ideias de como divulgar o projeto. Disseram que iriam se comprometer, mas nada aconteceu. Agora, conseguimos um diálogo maior com o Governo do Estado para trabalhar essas questões. Com a prefeitura ainda não tivemos”, relata.
“Por estar em contato constante com crianças e adolescentes, vejo inúmeros relatos dolorosos de abusos e assédios sofridos por eles ou por alguém próximo. Precisamos trabalhar em todos os espaços para que discussões como essa sejam normalizadas, e as violências, combatidas”, completa Jéssica.
Tramitação na Câmara
Protocolado no último 6 de outubro na Câmara de Cachoeiro, a proposta de Diogo Lube não foi apresentada no Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, segundo apuração de Século Diário junto a integrantes desse colegiado.
O procurador legislativo da Câmara, Alex Vaillant Farias, deu parecer apontando inconstitucionalidade no artigo 8º do projeto, que prevê que o poder público deveria fazer campanhas educativas, auxiliar os estabelecimentos e integrar o “Protocolo Não é Não” aos seus serviços de atendimento à mulher. Na análise do procurador, o poder público deve se abster de indicar a forma do cumprimento da lei, por risco de violação da separação dos poderes.
Na votação dessa terça-feira, a proposta foi apresentada com uma emenda de Diogo Lube suprimindo o artigo 8º, e o projeto foi aprovado por 17 votos favoráveis e um único contrário – o do vereador de extrema direita Júnior Corrêa (PL), pré-candidato a prefeito de Cachoeiro em 2024.
Corrêa classificou a iniciativa como “louvável”, admitindo que o Brasil enfrenta problemas decorrentes do machismo e da violência contra a mulher, sobretudo o Espírito Santo, que tem os mais altos indicadores nessa questão. Porém, argumentou que o projeto poderia incidir em inconstitucionalidade, por transferir toda a responsabilidade para os estabelecimentos privados.
“Está-se jogando uma responsabilidade sobre os estabelecimentos que não é próprias deles, e sim do poder público”, discursou, mencionando também o parecer da Procuradoria da Câmara.
Lube, por sua vez, afirmou que compreendia o ponto de vista de Júnior Corrêa, mas defendeu que os estabelecimentos não podem ser eximidos de responsabilidade. “Imagine se o nosso carro está dentro de um estacionamento privado e é roubado, nós não vamos procurar nossos direitos? Vamos! Agora, imagine se você está num bar ou casa de show, que geralmente paga para entrar, e não tem nenhuma assistência?”, exemplificou.