sábado, dezembro 21, 2024
27.7 C
Vitória
sábado, dezembro 21, 2024
sábado, dezembro 21, 2024

Leia Também:

O programa de privatização no Estado na contramão da luta contra a desigualdade

Arlindo Vilaschi, economista e professor da Ufes, analisa relatório da Oxfam sobre aumento da pobreza

Qual a relação do programa de privatizações no Espírito Santo e o último relatório da Oxfam – confederação de 19 organizações e mais de 3000 parceiros, que atua em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça? Por mais que pareçam distantes da realidade do Estado, os dados da organização, desde 2014 atuando também no Brasil, condena a adoção desse modelo de gestão, por representarem exclusão e aumento da desigualdade social.

Para o economista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Arlindo Vilaschi, “o que a Oxfam denuncia é algo que está acontecendo no mundo, mas que nós temos aqui, pois não somos uma ilha diferente, pelo contrário. O Brasil de modo geral e o Espírito Santo, de forma muito específica, tem servido de laboratório para funcionamento desses processos de “privataria” – como ele se refere às privatizações -, dos mais diferentes conteúdos”.

Na outra ponta, dois pré-candidatos a prefeito de Vitória, com base em recentes posicionamentos sobre o tema, aplaudem o processo privatista. Luiz Paulo Vellozo Lucas, do PSDB, partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que no seu governo – 1995-2003 – realizou as maiores privatizações da história do Brasil, e Fabrício Gandini (PSD). Já o deputado estadual João Coser (PT), também concorrente à prefeitura da Capital, faz algumas ressalvas, que reforçam a importância do serviço público. 

Para a organização, cujo relatório foi apresentado na reunião do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suécia, encerrado nesta sexta-feira (19), as privatizações dos serviços públicos são “uma forma importante – embora subestimada – pela qual o poder das grandes empresas fomenta a desigualdade”.

“Esse poder, diz o relatório, está pressionando incessantemente o setor público, mercantilizando e, muitas vezes, segregando o acesso a serviços vitais como educação, água e saúde, enquanto obtém enormes lucros bancados pelos contribuintes e destrói a capacidade dos governos de fornecer o tipo de serviços públicos universais e de alta qualidade que poderiam transformar vidas e reduzir a desigualdade”.

O professor Arlindo Vilaschi explica que “às vezes a gente pensa na ‘privataria’ simplesmente quando é vendido um patrimônio público, ou quando concessões absolutamente irrealistas, contrárias ao interesse público são feitas; mas a ‘privataria”‘pode ser também na omissão do setor público em fornecer serviços básicos, entre os quais saúde, educação, transportes, etc. e depois isso gera uma exclusão”.

Ele enfatiza: “Acho que é grave e a gente tem que usar essas denúncias que estão em escala mundial para trazer para nossa realidade. Porque senão fica parecendo o relatório da Oxfam só se relaciona aos países ricos e não está aqui na nossa vizinhança. Sou contra as ‘privatarias’ desde sempre e elas estão avançando cada vez mais, lá atrás com o setor produtivo, a CST [Companhia Siderúrgica de Tubarão, hoje ArcelorMittal], as Vales da vida, estou falando aqui referente ao nosso Estado, estão crescendo cada vez mais para outros setores”.

Segundo a Oxfam, a “privatização pode funcionar bem para os ricos, incluindo as elites econômicas e políticas, que podem se beneficiar financeiramente, bem como quem tem recursos suficientes para pagar por serviços privados caros. No entanto, um robusto conjunto de evidências demonstra que, em muitos casos, a privatização provoca exclusão, empobrecimento e outras consequências prejudiciais, principalmente para pessoas em situação de pobreza, mulheres e meninas, e povos discriminados por raça e etnia”.

O pré-candidato Luiz Paulo sai em defesa do projeto do secretário estadual de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União BR) de privatizar parques naturais; e Gandini comemora a venda, via leilão, do chamado ‘penicão’, estação de tratamento de esgoto de Jardim Camburi, o mais populoso bairro da cidade.

A transação ocorreu no dia 17 deste mês, no valor de R$ 2,2 bilhões em parceria firmada pela Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), o consórcio formado pelo grupo espanhol GS Inima e pela Tubonews, na Bolsa de Valores de São Paulo. O negócio prevê a manutenção da estação de tratamento de efluentes sanitários e fornecimento de água de reúso para a ArcelorMittal, sem o mau cheio que atualmente incomoda os moradores.

Para João Coser, que diz comungar com a visão da Oxfam, em parte, essa é a realidade na maioria das cidades nas quais o poder público se ausenta de suas responsabilidades de fiscalizar e de fazer cumprir, na integralidade, os contratos de empresas terceirizadas.

“Quando governei Vitória, a prefeitura não apenas acompanhava a execução dos contratos de forma rigorosa, como, também, os moldava de forma a garantir um serviço público de qualidade e de prestação universal”, diz. ressalta: “A contratação do ente privado para prestação de serviços públicos é uma realidade em todos os níveis de governo. O que não podemos admitir é a ingerência do poder privado sobre o público, pois isso subverte o próprio sentido do Estado e afronta as normas constitucionais”.

Para a Oxfam, “o poder das grandes empresas está pressionando para substituir os serviços públicos e extrair lucros de setores essenciais que são fundamentais para a concretização dos direitos. Os acordos de privatização, que variam segundo o setor, abrangem agora uma gama impressionante de bens e serviços essenciais, desde instituições de assistência a crianças e idosos até educação e prisões, e de estradas a parquímetros”.

O professor Arlindo Vilasdchi destaca que a “‘Privataria’ pode contratar, eventualmente, serviços de gestão de serviços, como, por exemplo, de hospitais, postos de atendimento, mas também uma facilitação extraordinária de empresas privadas ligadas à educação e aí nós temos pequenas escolas privadas que estão sendo compradas pelos grandes grupos”.

Lembra que “obviamente, sem falar na ‘privataria’ da Escelsa, hoje EDP, e de tudo aquilo que está sendo feito em cima do saneamento básico, onde a água está se transformando – já se transformou – em uma mercadoria, e, como tal, que vai ser vendida a quem tiver poder de compra”.

João Coser vai na mesma vertente e aponta: “Não podemos permitir que os resultados e a eficiência das políticas públicas sejam mensurados pelo número de atendimentos prestados somente, desprezando a qualidade e sua humanização. Por isso o poder público precisa exercer suas prerrogativas constitucionais e legais”.

“A redução do financiamento dos serviços públicos – afirma o relatório da Oxfam sobre desigualdades – pode ser considerada um tipo de privatização na prática, uma vez que os usuários dos serviços têm que recorrer ao setor privado para satisfazer suas necessidades fundamentais. As instituições internacionais continuam intimamente envolvidas na promoção de formas contemporâneas de privatização, bem como em outras reformas tributárias que contribuem para as pressões no sentido de privatizar”.

Mais Lidas