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Biodiversidade é base para prosperidade econômica e social no litoral sul do ES

Cientistas detalham riqueza de espécies e ambientes na região e recomendam criação de unidades de conservação

Divulgação

A incrível biodiversidade marinha que caracteriza o litoral sul do Espírito Santo recebeu mais uma descrição científica, que reforça a necessidade urgente de serem criadas unidades de conservação na região. A medida é fundamental para ajudar a ordenar a gestão do território, muito cobiçado por empreendimentos minerários, que deixam pouquíssimos dividendos à população local e ônus muitas vezes irreparáveis, do ponto de vista ambiental e socioeconômico.

No artigo Drivers of reef fish assemblage structure in a mosaic of Brazilian marine habitats (Determinantes da estrutura da assembleia de peixes recifais em um mosaico de habitats marinhos brasileiros, em tradução livre), publicado na renomada revista científica Biodiversity and Conservation, os pesquisadores capixabas Guilherme Loyola da Cruz, Hudson T. Pinheiro, Julia Marx e João Batista Teixeira e o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Jean‑Christophe Joyeux detalha a grande variedade de espécies de peixes e ambientes que compõem a região marinha entre Guarapari e Marataízes.

Recifes biogênicos, recifes rochosos e bancos de rodolitos cobertos com algas, invertebrados (esponjas e corais) e areia estão entre as principais formações do fundo do mar, onde habitam pelo menos 105 espécies de peixes, pertencentes a 42 famílias, segundo registra o artigo, que destaca a extrema importância da região para a pesca artesanal tradicional e para a conservação da biodiversidade.

O Espírito Santo já é reconhecido por hospedar uma das maiores biodiversidades de organismos marinhos do Atlântico Sul, sejam eles peixes, algas ou invertebrados. No sul do estado esse padrão não foi diferente, sendo possível registrar uma alta riqueza de espécies de peixes recifais. Além dos belíssimos recifes rochosos ao redor de suas ilhas, a área estudada possui diversos ambientes recifais formados por algas calcárias e invertebrados marinhos, bem como bancos de rodolitos. Tais ambientes abrigam diferentes faunas de peixe e são fundamentais na manutenção dessa biodiversidade”, descreve Guilherme, cuja pesquisa de graduação em Biologia na Ufes suscitou o estudo publicado na Biodiversity and Conservation.

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Hoje mestrando em Zoologia na Universidade de São Paulo (USP), ele ressalta a preocupação que suas pesquisas apontam em relação às grandes ameaças a essa riqueza natural. “Apesar dessa grande diversidade, quando olhamos para o número de indivíduos dessas espécies, percebemos que a quantidade de peixes predadores e de importância comercial para a pesca é extremamente baixa. Ainda, quanto mais perto da costa, menor a quantidade desses peixes. Isso possivelmente é um reflexo da alta exploração desses organismos e da degradação de seus ambientes”, afirma.

Traineiras

Os principais impactos, sublinha, são a pesca ilegal e desordenada, a atividade portuária e a mineração marinha. “Tais atividades são responsáveis tanto pela retirada de grandes e médios [peixes] predadores, prejudicando a cadeia trófica dos recifes, quanto pela degradação dos habitats, o que compromete o ciclo de vida das espécies. Outros impactos comuns são oriundos das atividades portuárias e da poluição”, explica.

Pesquisador do Centro de Biologia Marinha da USP, Hudson Pinheiro afirma que a pesca insustentável é praticada na região principalmente por traineiras vindas do sul do país. São barcos muito grandes, que capturam toneladas de peixes em um único lance, volumes cerca de vinte vezes maiores que a capacidade dos barcos locais e que têm se aproximado cada vez mais da costa capixaba.

Esses imensos barcos industriais, explica, foram projetados para a pesca de sardinha no Arraial do Cabo e outras pescas mais ao sul, como as anchovas no Chile. “Lá essa pesca é sustentável porque são poucas espécies em grande quantidade e eles conhecem o tamanho dos estoques e protegem uma porção dos peixes adultos, para gerar larvas e juvenis para o próximo ano. Mas a pesca aqui é feita tradicionalmente para uma diversidade grande de ambiente e espécies, com poucos indivíduos, de forma artesanal”.

Há mais de vinte anos os pescadores do Espírito Santo relatam a pressão crescente que as traineiras exercem sobre o ambiente e a cultura local. Os prejuízos ambientais e sociais são graves e alguns exemplos dessa trajetória predatória marcaram a história recente da pesca artesanal capixaba. Quando por exemplo houve o desaparecimento do peroá, há cerca de dez anos. “Há uns cinco anos ele voltou, mas está sendo novamente muito capturado e, se não for bem manejado, pode desaparecer de novo”, alerta.

Além do peroá, pargo e lagosta são outras espécies emblemáticas para a região. “São mais de dez mil cabeços de recifes. É a região do Brasil com maior produção de lagosta, principalmente na altura de Marataízes. Toda essa abundância de recursos pesqueiros se deve à biodiversidade”, destaca.

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Portos e mineração

Os profundos impactos da atividade portuária e de mineração também são alvo de preocupação. O porto da Samarco, em Anchieta, por exemplo, realiza dragagens periódicas e despeja o material em áreas chamadas de “bota-fora” criadas em cima de ambientes naturais, cujo monitoramento é muito pouco acessível aos cientistas. “Diminuem a qualidade da água, soterram os organismos vivos e o fundo recifal. Prejudicam a pesca e a biodiversidade sem que os impactos sejam minimamente avaliados”.

A mineração também oferece pouco diálogo com a ciência da conservação ambiental, observa. “A gente tem bastante dificuldade de saber a localização exata de cada ponto de mineração, qual o volume que é extraído por cada empresa e qual a capacidade máxima permitida”, pontua. O que se sabe é que a velocidade de recuperação do ambiente é muito baixa. “Os ambientes minerados demoram centenas a milhares de anos para serem recuperados, porque a alga calcárea cresce poucos milímetros por ano”, explica Hudson.

Gestão

Os dados do artigo trazem alguns dados inéditos que podem auxiliar no planejamento do território, conciliando todos os usos atuais e propondo outros, mais alinhados com a conservação ambiental e sustentabilidade da pesca artesanal, tradicional na região.

“Alguns ambientes que são altamente visados pela mineração, como os bancos de rodolitos, foram estudos pela primeira vez na região. Assim, tais resultados fornecem dados para que as análises dos processos de concessão para exploração desses ambientes sejam realizadas de maneira mais criteriosa. Além disso, passa a ser definida uma base de dados no qual pode-se, futuramente, avaliar o impacto das atividades portuárias na região, visando um manejo mais adequado das mesmas. Isso, aliado a participação de outros atores locais, como os próprios pescadores, pode gerar bons frutos tanto para melhorar a proteção dos ambientes quanto aumentar os recursos pesqueiros, explana Guilherme.

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Hudson salienta que essa gestão participativa acontece em vários lugares do mundo e São Paulo, é talvez um dos exemplos mais próximos do que é vislumbrado ser possível na costa capixaba. “Oitenta por cento da costa paulista é uma grande APA [Área de Proteção Ambiental] que não permite mais mineração nem portos. Você tem oportunidade de sentar com os pescadores, a indústria de turismo e a sociedade e perguntar: ‘o que nós queremos?’ Assim você planeja. No Espírito Santo não há qualquer organização, não tem gestão”, denuncia.

Unidades de conservação

A sugestão elaborada pelo grupo se inspira em soluções implementadas em São Paulo e também no exterior, como Austrália e Califórnia, nos Estados Unidos. Em síntese, explica Hudson, é preciso garantir um zoneamento que defina áreas de proteção e de exploração, com base em dados científicos e conhecimento tradicional das populações locais.

“Nas grandes áreas de sustentabilidade deve ser proibidas atividades destrutivas, que só beneficiam a empresas e geram grandes externalidades [passivos ambientais e sociais]. Realizamos estudos anteriores, com levantamentos feitos com mais de 400 pescadores, e já temos todos os cálculos científicos necessários: quanto da população de cada espécie precisa ser preservada, com áreas para produção de ovos e juvenis, para que as espécies continuem existindo, quantas áreas e de que tamanhos precisam ser preservadas”, afirma.

São basicamente duas unidades de conservação propostas: uma para a Cadeia Vitória-Trindade e outra para o litoral entre Anchieta e Marataízes. A primeira destinada a proteger a cadeia montanhosa de 1,2 mil km, que liga o litoral da capital capixaba até o arquipélago de Trindade e Martin Vaz, onde há uma base da Marinha Brasileira e um dos maiores sítios reprodutivos da tartaruga-verde (Chelonia mydas).

A cordilheira submersa é um marco geográfico que estabelece as importantes diferenças de temperatura, correntes e fisionomias entre o Atlântico sul e norte. Seus cumes formam colinas coralinas que são verdadeiros corredores ecológicos para a biodiversidade local, ambientes endêmicos com espécies ameaçadas pela atividade de mineração. Dois deles, os montes o Davis e Vitória, são alvo da proposta de proteção integral. O arquipélago é protegido desde 2018 por uma Área de Proteção Ambiental (APA) e um Monumento Natural (Mona), mas a medida não tem sido suficiente para garantir a necessária proteção.

No litoral entre Anchieta e Marataízes, a ideia é criar uma grande área de uso sustentável, com áreas mais restritas de proteção integral no interior, necessária para a reprodução dos peixes. “Os próprios pecadores indicaram as áreas mais relevantes para proteção integral”, conta Hudson. Na área de uso sustentável, também podem ser desenvolvidas novas atividades, como o turismo ecológico, com passeios de barcos e mergulhos.

As propostas foram enviadas ao Ministério do Meio Ambiente, que está reunindo pesquisadores de todo o país que possuem sugestões de unidades de conservação em terra e mar. Um encontro sobre o assunto está previsto de ocorrer na próxima semana.

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